Ponto de Vista

Educação vem de casa, mas também da escola

 

Marcelo Dantas

Ilustração: Diego Novaes

Em alguns países, especialmente nos Estados Unidos, é possível adotar o “homeschooling”, que é a substituição da educação em  instituição formal de ensino pela educação no ambiente domiciliar, normalmente ministrada pelos pais da criança. Essa modalidade vem crescendo consideravelmente nos últimos anos, e as motivações são diversas: fatores religiosos, flexibilidade de horário, melhor adaptação às necessidades da criança etc.

Assim como as motivações, as críticas ao modelo se dão em diferentes esferas, a principal delas diz respeito à necessidade de socialização da criança através do convívio no ambiente escolar.

No Brasil, essa modalidade de ensino doméstico configura crime de abandono intelectual, previsto no artigo 246 do código penal. Para debater o assunto, o Olhar Virtual conversou com Maria Luíza Rocha, professora do Colégio Aplicação da UFRJ (CAp-UFRJ) da UFRJ.       

Olhar Virtual: A senhora concorda com a categoria de crime de abandono intelectual atribuída ao ensino doméstico, segundo o código penal brasileiro?

Maria Luíza Rocha: Não tenho conhecimentos específicos sobre o assunto, mas acredito que a educação domiciliar só deve ser permitida em casos de real necessidade, como, por exemplo, em ocasião de impossibilidade de locomoção da criança. Ainda assim, nesse caso, não acredito que os próprios pais devam ser os principais agentes da educação formal dos filhos, mas, sim, profissionais devidamente preparados para a função.

Olhar Virtual: Quais são as possíveis vantagens e desvantagens do modelo?

Maria Luíza Rocha: Eu, particularmente, não consigo enxergar grandes vantagens nesse modelo educacional, pois a Escola é fundamental na formação social da criança. É na Escola que a criança desenvolve seu primeiro contato com um núcleo social que não seja a família.  Essa experiência lhe vai ser necessária durante todo o percurso de vida.

Olhar Virtual: E em casos em que a criança necessite de algum acompanhamento especial?  É possível que esse modelo ofereça alguns caminhos que devam ser considerados?

Maria Luíza Rocha: Acredito que, mesmo em casos especiais, esse modelo deve ser encarado de forma a adicional à educação na escola, não de modo a substituí-la. Uma coisa não exclui a outra. No caso, mesmo que muito raro, de uma criança que seja superdotada, por exemplo. Essa criança pode precisar de maior atenção individual e pode, inclusive, desenvolver grandes problemas de socialização devido à sua condição. Mas é de suma importância que os pais a mantenham na escola.

Olhar Virtual: Em que a privação da convivência com outras crianças no ambiente escolar pode influenciar na personalidade e na vida adulta do indivíduo?

Maria Luíza Rocha: A criança pode desenvolver um medo grave no relacionamento com o outro, e isso pode acompanhá-la pelo resto da vida. Hoje em dia, o espaço de convívio já está relativamente reduzido em consequência do tempo gasto diante do computador e da televisão. A escola ainda é o principal espaço de convívio social, ao qual a criança deve se habituar. E esse convívio é fundamental, especialmente quando a criança ainda é pequena, porque contribui para o melhor desenvolvimento da fala e de suas capacidades motoras.

Olhar Virtual: Alguns estudos apontam para um melhor desempenho acadêmico de estudantes que vivenciaram a educação doméstica, o que faz com que os defensores do método o considerem mais eficiente; um ensino de resultados. O foco de uma boa metodologia de educação deve estar voltado para os resultados ou para o próprio processo?

Maria Luíza Rocha: O essencial, sem dúvida, é o processo. É resultado também na medida em você quer que a pessoa faça parte de uma determinada sociedade e se espera que ela esteja capacitada de exercer uma determinada função da melhor forma possível. Mas a Educação é um processo de formação ampla, não de formação exclusivamente profissional.

Olhar Virtual: De que maneira uma política nacional de educação pode articular o ensino formal a esse método educacional?

Maria Luíza Rocha: Não acredito que possa haver alguma articulação mais consistente nesse sentido. O acompanhamento individual de alunos apresenta, sem dúvida, algumas vantagens, na medida em que em uma sala com 30, 40 alunos não são todos que conseguem tirar o mesmo proveito de tudo o que é ensinado. Mas isso pode ser feito ainda na escola, através de aulas particulares, aulas de reforço em determinadas disciplinas, não necessariamente em casa.

Anteriores