De Olho na Mídia

Monteiro Lobato e o debate sobre racismo

 

Márcia Guerra

A recente emissão do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o clássico da turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, despertou amplo debate sobre literatura, educação e racismo na sociedade brasileira. O livro, dedicado ao público infantil, é acusado de conter estereótipos de raça, sobretudo quando se refere à personagem de Tia Nastácia. Segundo informação divulgada por alguns dos principais veículos de comunicação do país, o documento defende a proibição da obra nas escolas.

De acordo com Georgina Martins, funcionária técnico-administrativa da Faculdade de Letras da UFRJ, o parecer do CNE não tenta promover censura à obra, apenas orienta a contextualização da obra junto a professores e alunos, de modo a não interferir nos rumos de uma educação antirracista. Em favor do cumprimento das orientações do CNE, a docente alerta para a formação precária que vem recebendo, até agora, os professores do ensino fundamental e diz que "o ideal seria que os professores fossem capazes de discutir a questão da formação étnica do povo brasileiro, que fossem capazes de  contextualizar, não só a obra de Lobato, mas a de qualquer outro escritor".

Caçadas de Pedrinho, escrito em 1933, traz passagens polêmicas, como a que compara Tia Nastácia a um macaco. Para Georgina Martins, a questão do preconceito é séria. "Quando o narrador diz que tia Nastácia subiu na árvore igual a uma macaca marrom, ele está sendo preconceituoso e desrespeitoso não só com a personagem, mas com o que ela representa", afirma a docente.

Outras obras de Lobato também apresentam conteúdo preconceituoso em relação à raça e, também, ao gênero. A ficção O Presidente Negro, de 1926, defende a superioridade da raça branca e do homem sobre a mulher. Em Histórias de Tia Nastácia, de 1937, a personagem Emília chama a empregada de “negra beiçuda e ignorante”, e diz que Tia Nastácia conta histórias sem pé nem cabeça, de gente ignorante e sem cultura, contrastando com um elogio às histórias europeias. Para Georgina Martins, o artista não deve renegar a humanidade em seu trabalho. "Defendo uma estética pautada pela ética e acredito que os artistas devam ser orientados, assim como quaisquer profissionais, pela ética, e nesse caso, Lobato não foi," conclui.