Olho no Olho

Educar para prevenir

Aline Durães

Ilustração: Caio Monteiro

Gravidez precoce e abuso sexual infantil são dois temas que preocupam pais, professores e educadores em todo o mundo. Para afastar esses perigos de crianças e adolescentes, as escolas britânicas pretendem adotar, a partir do ano que vem, aulas de educação sexual.

As aulas serão ministradas para crianças com idade a partir de 7 anos. Em países vizinhos à Grã-bretanha, a iniciativa já surtiu os efeitos desejados. Nas escolas holandesas, por exemplo, a educação sexual começa aos cinco anos. Em consequência, o país ostenta índices de gravidez precoce e abuso sexual infantil baixíssimos. A proposta, entretanto, divide opiniões. Muitos pais e professores questionam a validade desse tipo de lição.

Será que sexo é mesmo assunto de escola? Até onde as informações passadas desde cedo podem prevenir atitudes impensadas? O Brasil estaria preparado para uma educação desse tipo? Para responder a essas e outras questões, o Olhar Virtual entrevistou Rodrigo Rosistolato, professor da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ, e José Leonídio Pereira, docente da Faculdade de Medicina e coordenador do Programa Papo Cabeça. Confira as opiniões dos especialistas.

Rodrigo Rosistolato, Professor da Faculdade de Educação

A escola pode participar do debate sobre a sexualidade na adolescência e na juventude, mas deve ter clareza de que seus objetivos são educacionais. Os professores que optarem por desenvolver essas temáticas com os estudantes precisam ter clareza de que a orientação sexual escolar não é, ou não deve ser, um espaço de controle de comportamentos sexuais, controle de fertilidade ou incentivo à abstinência sexual. Deve ser um espaço de debate sobre a sexualidade humana e seu lugar na construção social das adolescências e juventudes contemporâneas.

Não existe idade ideal para se começar a debater sexo. A sexualidade faz parte da experiência humana e desperta maior ou menor interesse de acordo com os contextos em que os indivíduos estão inseridos. Parece evidente que a linguagem deve ser adequada ao nível de compreensão das crianças, dos adolescentes ou dos jovens, mas não há nenhum momento em que seja proibido falar de sexo.

De início, não é possível propor nenhuma relação causal entre desenvolvimento de projetos de orientação sexual escolar, diminuição de abuso sexual infantil e gravidez na adolescência. Da mesma forma que a relação inversa não pode ser provada. A orientação sexual escolar é processual e pode promover resultados diversos. O debate sobre sexualidade na escola promove a circulação de informações e amplia as possibilidades de adolescentes e jovens se protegerem de abusos sexuais, mas também promove efeitos que vão além das propostas iniciais.

É importante destacar que, desde 1997, as escolas brasileiras estão habilitadas a desenvolver projetos de orientação sexual escolar e que, mesmo antes dessa data, já existiam iniciativas isoladas. A orientação sexual escolar no Brasil não é uma novidade. É uma política nacional que já pode ser avaliada e ter seus acertos e erros mapeados.

 

José Leonídio Pereira Coordenador do Programa “Papo Cabeça”


Trabalho no programa “Papo Cabeça” há 14 anos. Há mais de uma década, formamos jovens instrutores de saúde para que eles conversem sobre sexualidade com seus pares e colegas. Fazemos um trabalho, em escolas, que dura de oito a 12 semanas e busca formar jovens na área da sexualidade. Trabalhamos com adolescentes, com crianças de nove a 11 anos, com professores e com pais.

Essa experiência me permite dizer que sexo é assunto de escola, sim. A sexualidade deve ser debatida em casa e na escola. A família deve conversar e sensibilizar o indivíduo para o tema, já a escola precisa complementar a discussão. Pesquisas recentes mostram que meninas de 10 a 14 anos constituem 1% das mulheres que têm filhos nascidos vivos. Esse número é grande. Por isso, esse debate deve ser iniciado mais cedo e, para turmas mais novas, deve ser realizado através de brincadeiras, de maneira lúdica.
 
A informação sexual pode prevenir gravidez precoce e abuso sexual, mas, para isso, deve ser passada de forma correta. Não basta a escola realizar palestras. É necessário que ela promova dinâmicas de grupo, demonstrações. É importante dizer também que, por mais que a escola eduque e trabalhe com a criança de 10 anos, a sociedade deve repensar a existência de bailes com bebida liberada para mulher. Esses eventos são um estímulo à sexualidade.

Nesse caminho, é essencial que a direção da escola colabore. Se os diretores forem retrógrados, se a escola não for laica, pode não permitir que o assunto seja abordado ali. Além disso, os professores devem ter curso de formação na área de sexualidade, ministrado na própria universidade. Hoje, infelizmente, ainda não estão preparados.

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