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Favela como acesso à cidade

Pedro Barreto

O Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ realizou, de 19 a 21 de maio, o colóquio “Aspectos Humanos da Favela Carioca: ontem e hoje”. O evento teve como premissa os 50 anos da publicação do estudo de mesmo nome, realizado pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (Sagmacs), entidade fundada pelo frei dominicano e economista francês Louis-Joseph Lebret.  Coordenado pelo sociólogo José Arthur Rios, o relatório foi publicado em encarte especial do jornal O Estado de S. Paulo, em 1960, e até hoje não havia sido reeditado. De acordo com o professor Marco Antonio da Silva Mello, do Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro-Ifcs-UFRJ) e um dos coordenadores do colóquio, o estudo deve finalmente ser publicado em livro ainda este ano.

Para fazer uma revisão do estudo foram convidados professores e especialistas sobre o tema favela não só do Brasil, mas de todo o mundo. Foram analisados diversos aspectos da problemática, tais como antropológico, sociológico, econômico, urbanístico, jurídico, cultural, histórico, midiático e referente à segurança pública. Uma mostra de fotografias retratando paisagens de favelas no Brasil e no exterior, assim como exibições de vídeos retratando a vida dos moradores também foram apresentadas.

A favela como acesso à cidade. Essa talvez tenha sido uma das conclusões dos três dias de evento, na opinião de grande parte dos pesquisadores que passaram pelo Salão Nobre do Ifcs. Para o professor José Arthur Rios, a solução seria dar posse de terra aos moradores, contemplar os bairros com água, energia elétrica e saneamento básico, conceder crédito para a compra de material de construção e promover  amplo debate sobre um novo plano diretor para a cidade. O coordenador do estudo da Sagmacs lembrou a política das remoções posta em prática ainda durante o Estado Novo, mas que tem reflexos ainda nos dias atuais. “A alternativa que eu sempre defendi deve ser a urbanização de dentro pra fora, com a participação dos favelados. As políticas públicas devem vir conjugadas a um plano diretor, que tem que dar normas ao crescimento da cidade”, explicou.

Para o professor Luiz Antonio Machado da Silva, um dos coordenadores do colóquio, o relatório da Sagmacs é “a única e mais extensa pesquisa autônoma sobre favelas” já realizada o país. De acordo com o pesquisador do LeMetro-Ifcs-UFRJ, o estudo teve como objetivo produzir conhecimento empírico sobre esse tipo de aglomerados urbanos. Para Machado da Silva, o problema das favelas é, antes de tudo, de linguagem. “Há um discurso de poder quando se trata das favelas, seja tanto por parte da direita, como da esquerda. Temos incapacidade de reconhecê-la e, ao negar a favela, estamos reproduzindo seus traços mais negativos”, afirmou. Para o docente, a favela tornou o “outro” da cidade e a solução para isso é uma mudança de discurso que construa uma perspectiva afirmativa. “Este é um desafio mais do que político; é um desafio moral. Precisamos nos mobilizar para construir uma linguagem para que essa alteridade se expanda”, explicou.

Janice Perlman, pesquisadora estadunidense autora de O mito da marginalidade (1977), voltou ao Brasil para lançar seu novo livro Favelas ontem e hoje (1969-2009) (2010). Na obra, a acadêmica relata como foi o reencontro com os antigos moradores das favelas da Catacumba e de Nova Brasília, 40 anos após seu primeiro estudo sobre o tema. Perlman viveu durante cerca de um ano no Brasil avaliando as causas pelas quais os emigrantes procuravam as favelas cariocas como moradia e o porquê de essas pessoas serem representadas como “marginais” pelo senso comum. Segundo a pesquisadora, as favelas hoje são glamourizadas nos Estados Unidos e na Europa. “Em Paris, o bar ‘Favela Chic’ é decorado como se fosse um barraco de madeira e vende caipirinhas por 50 dólares. Uma distorção da realidade”, relatou.

Ao regressar ao Brasil, Perlman percebeu que a vida dos antigos moradores, assim como a de seus filhos e netos, tinha “melhorado e piorado” ao mesmo tempo. “Eles passaram a ter mais acesso ao consumo, mas a violência naquelas comunidades recrudesceu”, avaliou. Por conta disso, o mito da marginalidade se manteve. “Após três gerações, o estigma do morador como bandido persiste. Por isso é que a renda do favelado, mesmo com ensino superior, é sempre inferior à do morador do asfalto”, comentou. Mas para a pesquisadora, apesar de todos os problemas, o morador das favelas mantém o otimismo por dias melhores. “Como todo o povo brasileiro, a esperança persiste”, conclui.
A edição 54 do Jornal da UFRJ, a ser publicada no mês de junho, trará a cobertura completa do colóquio “Aspectos humanos da Favela Carioca: ontem e hoje”.