Olho no Olho

Brasil assina acordo militar com Estados Unidos     

Luciana Cortes

Thor Weglinski

Ilustração: Caio Monteiro

Depois de mais de 30 anos, Brasil e Estados Unidos voltam a assinar um acordo de defesa. A última vez foi em 1977, no regime ditatorial sob o governo de Ernesto Geisel. A atual concordância visa a implementar projetos conjuntos de transferência tecnológica, treinamento de pessoal na área de defesa e cooperação no combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. Além disso, favorece a venda de 100 a 200 aviões Super Tucanos da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer) para os EUA, um contrato que pode chegar até a 3 bilhões de dólares.

O acordo não prevê o uso de bases brasileiras e nem qualquer tipo de imunidade para as forças armadas, ao contrário de um recente pacto dos EUA com a Colômbia, que tanto desagradou os países latino-americanos.  A União das Nações Sul Americanas (Unasul) pediu que o Brasil esclarecesse detalhes sobre a medida. Para falar sobre o assunto, o Olhar Virtual conversou com Ronaldo Fiani, diretor do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI-UFRJ), e Sabrina Evangelista Medeiros, professora adjunta de Relações Internacionais.

 

Ronaldo Fiani
Diretor do Núcleo de Estudos Internacionais (NEI-UFRJ)

“Esse acordo não tem nada em si de extraordinário. Visa a estabelecer cooperação de tecnologia militar. Não estabelece a utilização de bases brasileiras e, por isso, não tem o impacto que teve o acordo de utilização de bases na Colômbia. Os aviões que saem dos territórios colombianos, sem abastecimento, conseguem atingir metade da América do Sul, com abastecimento atingem a América do Sul inteira, o que motivou grande preocupação. O acordo Brasil/EUA é bem diferente. Ainda mais porque existe um compromisso entre as nações de respeitar a autonomia dos países da região. A medida é importante, porque o Brasil precisa estabelecer vínculos com todos os países da América e a cooperação com os Estados Unidos é relevante, pois o país norte-americano é o “ator” mais importante do continente. O acordo tem maior caráter político do que militar e reequilibra as relações com os EUA, além de deixar claro que o Brasil não é um país que se opõe aos norte-americanos e, sim, que é um mediador sul-americano.


“A soberania brasileira não será prejudicada com a concordância, porque não há nenhum tipo de instrumento que implique utilização de bases ou cessão de espaço para as forças estadunidenses”


A soberania brasileira não será prejudicada com a concordância, porque não há nenhum tipo de instrumento que implique utilização de bases ou cessão de espaço para as forças estadunidenses. Não há elemento que possa reduzir a soberania nacional. Não acredito que o acordo irá gerar problemas com os outros países sul-americanos, porque não envolve nada mais impactante para as questões militares da região. A medida representa uma sinalização política de que o Brasil não adota uma postura contrária aos EUA, mas que temos autonomia em relação à política externa norte-americana.
Não acho que seja contraditório o Brasil firmar uma concordância com os EUA e, ao mesmo tempo, não impor sanções ao Irã. Nosso país entende que abandonar neste momento as mesas de negociação e adotar sanções severas pode levar o país asiático a uma situação de isolamento, fortalecer radicais e favorecer a utilização de armas nucleares. O Brasil acha que impor sanções neste momento será contraproducente, mas não significa necessariamente apoiar a nação muçulmana.
A política externa do presidente Lula é sofisticada. Antes, as diretrizes internacionais brasileiras eram baseadas nos interesses norte-americanos. O governo atual procurou manter autonomia não em confrontos, mas, sim, na capacidade que o Brasil tem de agir como mediador. A política externa se tornou mais complexa.”

Sabrina Evangelista Medeiros

Professora adjunta de Relações Internacionais

“Há tempos uma política de reaproximação com os Estados Unidos é esperada, embora, ao longo de pouco mais de um ano de início de mandato, a política externa do governo de Obama não tivesse sinalizado muito a respeito. Com efeito, esse acordo trata de uma aproximação de caráter militar, ou seja, quanto à capacitação humana e quanto aos meios. E isso revigora a presença brasileira no cenário de aliados regionais e internacionais dos Estados Unidos. Exemplo disso é que o mesmo programa tem sido desenvolvido com a China.

“O fato de o Brasil estabelecer um acordo com os EUA não pode ser interrompido por um projeto regional.” .

O acordo é absolutamente independente da Unasul, ainda mais se imaginarmos um número importante de acordos bilaterais em vigência entre países da região. O acordo pode ser denunciado quando qualquer uma das partes achar conveniente, sem que isso prejudique um programa de compras, cooperação ou treinamento em curso. Como um dos eixos do projeto da Unasul é a defesa, naturalmente,  o acordo suscita divergências já existentes entre parceiros brasileiros na América do Sul. Contudo, um dos elementos da Unasul é a garantia do aprofundamento da transparência quanto ao potencial militar por meio do aprofundamento das medidas de confiança mútua, por exemplo. O fato de o Brasil estabelecer um acordo com os EUA não pode ser interrompido por um projeto regional, dado que a venda de aviões pelo Brasil é importante para sua economia, assim como treinamento, sistemas e equipamentos militares.
O Brasil tem uma política externa soberana e autônoma, porém parte de um sistema internacional cada vez mais regido por relações complexas de interdependência. A plataforma brasileira tem sido pautada na diversificação cooperativa, o que pode ser demonstrado pelo interesse na cooperação científica e privada com a África, pelo projeto da Unasul, pelo aprofundamento das instituições do Mercosul e pelo pleito da cadeira no Conselho de Segurança da ONU.
As relações diplomáticas do Brasil têm se diversificado, e isso, naturalmente, trouxe outros tipos de desgastes, que são assumidos como custos necessários à transição da posição mediana para a de projeção. O caso do Irã pode ser citado como exemplo controverso de tal posicionamento, porque, ao mesmo tempo em que o Brasil se demonstra a favor do Tratado de Não-Proliferação de armas nucleares e se coloca à disposição para este efeito, o Irã não sofre retaliações brasileiras pelo desejo de obter esse tipo de armamento, assim como as demais potências nucleares, também fora do sistema de não-proliferação.”