Olho no Olho

Bilhete único é implantado no Rio

Taysa Coelho e Thor Weglinski

Ilustra: Caio Monteiro

No início de fevereiro teve início a implantação do Bilhete Único a ser utilizado no sistema de transporte do Rio e Grande Rio. O bilhete é aceito em 16 mil ônibus, de 516 linhas intermunicipais, 281 vans intermunicipais legalizadas, além de todo sistema de trens, barcas e metrô. O sistema garante por R$ 4,40 o pagamento de duas passagens, sendo uma delas no trajeto intermunicipal, e custará R$ 220 milhões ao governo do Estado.

Nos primeiros dias de utilização, alguns usuários reclamaram que muitas linhas não aceitaram o cartão. Além disso, surgiram queixas referentes ao tempo-limite de duas horas para utilização do bilhete, entre o primeiro e o segundo embarque.

Para discutir o tema, o Olhar Virtual entrevistou Giovani Manso, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica, e Luiz Martins de Melo, professor do Instituto de Economia.

Giovani Manso
Professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica

”O Bilhete Único beneficia a economia informal. Permite que os trabalhadores informais voltem para casa no fim da jornada e fiquem com suas famílias em vez de dormirem no local de trabalho.”

“A ideia do bilhete único é muito boa. Acaba com a resistência de contratação de funcionários que moram muito longe do trabalho, em função dos altos custos de deslocamento, beneficia a economia informal, permite que os trabalhadores informais voltem para casa no final da jornada e que fiquem com suas famílias em vez de dormirem no local de trabalho. Seria inviável para estes trabalhadores retornarem todo dia do trabalho para suas residências, devido ao número de viagens no deslocamento  e ao alto preço das passagens. O bilhete não reduzirá o tempo de viagem, mas reduzirá os custos dos que trabalham com atividades informais.

O limite de tempo de duas horas entre o primeiro e o segundo embarque foi baseado num estudo do plano estratégico de transportes urbanos no Rio de Janeiro, pelo governo do Estado. As informações de análises do plano concluíram que 98% da demanda intermunicipal serão atendidos com duas horas. A última ponta da viagem, mesmo que leve mais tempo, não conta, porque já foi debitada no cartão. Pessoas podem perder tempo, mas isso não acontece todo  dia, são casos especiais de congestionamentos não recorrentes. O tempo de duas horas já contempla os congestionamentos recorrentes. Se o número de congestionamentos não recorrentes se tornar mais comum, o tempo-limite pode ser alterado.

A economia formal já possui o vale-transporte que a empresa paga.  O trabalhador assalariado não vai notar diferença no preço. A empresa perceberá uma redução de custos com vales-transportes, o que significa lucro para as companhias. A questão é o que será feito com esse lucro das empresas: será enviado ao governo, aos trabalhadores ou será incorporado pelas próprias firmas? O bilhete criará um déficit para as empresas de transporte, déficit esse que será coberto pelo governo, mas não se sabe  como o estado arrecadará esse dinheiro: ou aumentando os impostos ou retirando de outros setores da administração.

O transporte só será mais eficiente quando houver uma diminuição do número de automóveis na rua, e quando forem mais bem aproveitados os veículos de médio deslocamento dentro da cidade, como metrô na superfície em trilhos integrados com metrô, ônibus e trem. Para diminuir o número de automóveis, devem ser oferecidos meios de transporte com conforto e segurança.

A integração entre diferentes meios de transporte é importantíssima para um sistema de transporte metropolitano. Entra na questão da adaptação de cada modal, a cada área, a cada comprimento de deslocamento e a cada demanda. 

As parcerias entre público e privado são sempre interessantes. O setor público tem o dever de oferecer transporte para atender à Constituição. As empresas privadas têm interesse em explorar esses serviços e, em geral, têm foco nessas atividades, conseguem operar o sistema com menor custo e oferecer tarifas mais baixas que o Estado. Este deve fiscalizar e regular os transportes, e as empresas privadas devem cuidar da gestão de operação desses sistemas.”

Luiz Martins de Melo
Professor do Instituto de Economia

“O que acontece com o transporte público do Rio de Janeiro é que todas as agências, Secretaria de Transporte, fazem o que as empresas querem.”

“Entre os diversos objetivos especulados sobre a questão do Bilhete Único, o principal deles é o de se ter  maior controle sobre o sistema de transporte e propiciar  maior regulação e controle sobre as empresas que atuam na área. Para isso, é necessário que haja uma agência reguladora de transportes funcionando e fazendo cumprir a legislação e a regulação. Caso contrário, o trabalho será em vão. Devem-se transformar estes serviços em algo a favor do cidadão, e não das companhias de ônibus, por exemplo.  O  Rio de Janeiro possui um problema ideológico: querer possuir Bilhete Único sem a existência de subsídios, e isso não existe. É uma ideologia do princípio do neoliberalismo que domina a Prefeitura do Rio de Janeiro.

É um direito do cidadão ter um transporte decente e a custo razoável para que ele possa trabalhar. Isso faz parte de seus direitos; assim como em todo lugar, o transporte público nas cidades é subsidiado, buscando evitar que ele pague caro por uma condução de qualidade razoável. Como é um investimento em infraestrutura – da mesma forma que o saneamento, a educação e a habitação popular -, se deve investir na frente da demanda, e não é o que ocorre no Brasil. Por isso temos tantos problemas. 

No Rio de Janeiro é de péssima qualidade, o que podemos constatar com a crise do metrô superlotado, por exemplo. Além disso, o transporte rodoviário público tem a função de realizar ligação de pequena distância, e não para atravessar a cidade, saindo da Barra para Madureira, por exemplo. Esta é a função do trem. O ônibus existe para pegar os passageiros da estação de trem e levá-los aos locais de trabalho ou de moradia.

Em relação ao período máximo de duas horas para a utilização do passe, é um tempo muito curto. No Rio de Janeiro, quem utiliza transporte público leva, em média, duas horas e meia para atravessar a cidade. Logo, o mínimo necessário seria um espaço de três horas. Outro ponto que deveria ser observado é a previsão de desconto em relação à quantidade de bilhetes comprados, o que ocorre em diversos locais do mundo: se quiser adquiri-lo por um mês, se obtém um desconto; por um ano, outro - e isso não ocorre aqui. O que acontece com o transporte público do Rio de Janeiro é que todas as agências, Secretaria de Transporte, fazem o que as empresas querem, essa que é a questão central.

E o que fazer em relação a essas companhias que estão tentando burlar o Bilhete Único substituindo ônibus comuns por modelos rodoviários? Por ser uma concessão pública, a fiscalização deve ser mantida. Caso não estejam operando de acordo com a legislação, deve-se cassar, multar. Isto, entretanto, não acontece no Brasil. E a culpa não é das empresas de transporte, elas fazem o que se permite fazer. O dever de regular e fazer com que se cumpram a legislação e a regulação é do agente público. E não é o que ocorre nas barcas, no metrô, nos ônibus e muito menos nas vans.”

Anteriores