Entrelinhas

A tradição educacional no Rio de Janeiro

Thor Weglinski


O livro Instituições Educacionais da Cidade do Rio de Janeiro é uma reunião de artigos sobre instituições de ensino da cidade que foram modelo de qualidade entre 1850 e 1950. Idealizado e organizado pelas professoras Miriam Waidenfeld e Sonia Lopes, da Faculdade de Educação da UFRJ, a publicação analisa colégios de tradição e história, como o Pedro II e o Instituto de Educação.

Ex-capital federal, o Rio de Janeiro possui  longa tradição de instituições educacionais. O livro tenta mostrar a força histórica das escolas da cidade e busca trazer para o presente os modelos educacionais do passado, que podem ser utilizados atualmente. O foco está no ensino básico, porque este, para Waidenfeld, é a base da formação da cidadania e do indivíduo.

Artigos de autoria de pesquisadores na área da educação, da UFRJ, Uerj, PUC, Unirio e Uenf, compõem o livro, que contou com a importante colaboração das professoras Libania Xavier e Irma Rizzini, também da Faculdade de Educação da UFRJ.

Olhar Virtual: Qual a importância do livro para a sociedade e para a UFRJ?

Miriam Waidenfeld: O livro é importante para a sociedade porque inspira debates sobre um tema fundamental que é a escola pública, e porque pode ser uma fonte de inspiração para novas propostas para a educação. Para a UFRJ, é uma contribuição para aqueles que se interessam pela história da educação. A publicação pode ser fonte de novas pesquisas dentro do campo educacional.

Olhar Virtual: Quais os principais desafios para as instituições educacionais no Brasil atualmente?

Miriam Waidenfeld: O primeiro desafio é conseguir conciliar quantidade e qualidade. O ensino hoje é democratizado, todos têm acesso. As vagas aumentaram e o crescimento de jovens na escola não foi acompanhado por uma manutenção da qualidade na educação. Outro desafio é saber conciliar as regras da escola com as regras dos alunos, pais de alunos e professores. Há um conflito entre os valores da instituição, normalmente tradicionais e conservadores, e os valores de seu público. Este foi, ao longo dos anos, conquistando seus direitos dentro da escola. Antes, as regras eram preestabelecidas, e hoje são muito mais elaboradas por meio da participação de todos. Ou seja, há a necessidade de que as relações escolares sejam mais negociadas do que impostas a fim de que a própria  escola se transforme em um ambiente mais agradável para o aluno na medida em que este  se tornou mais exigente já que, desde cedo, encontra-se exposto à várias experiências que, inclusive, podem não estimulá-lo ao ensino. Outra dificuldade é a formação de professores, que precisa ser mais qualificada. Os cursos formadores de professores têm que enfrentar muitos desafios. Um deles diz respeito ao currículo, ou seja, seleção de conteúdos e definição das disciplinas. Como resolver a questão: novas exigências e demandas sociais – mudanças no mercado de trabalho, novas áreas de conhecimento, acúmulo de conhecimento científico, cursos mais enxutos das faculdades privadas – X manutenção da qualidade? Ou seja, não podemos perder de vista que professores  queremos formar para atuar em que escola, para formar que aluno? Acredito que também não podemos ficar refém dessas novas demandas e estabelecermos alguns princípios que não devam ser alterados.

Olhar Virtual: Como o Colégio Militar e o Colégio Pedro II conseguiram manter credibilidade e qualidade até hoje?

Miriam Waidenfeld: O Pedro II conseguiu manter qualidade pela força de sua tradição: um nome que conquistou reconhecimento. Além disso, aqueles que conhecem o colégio e buscam ingressar na instituição fazem parte de uma classe que tem mais cultura e conhecimento, além de um grande desejo de mobilização social por meio da educação. A qualidade dos professores também é muito grande, já que a seleção de docentes na escola é rígida e os melhores currículos se sobressaem. O Colégio Militar conseguiu manter sua tradição e credibilidade porque manteve a seleção por provas, e isso qualifica seu corpo estudantil e consequentemente a própria instituição.

Olhar Virtual: Quais foram as perdas da cidade do Rio de Janeiro, quando deixou de ser capital federal, e o que a cidade conseguiu manter de positivo desse período?

Miriam Waidenfeld: O Rio de Janeiro perdeu sua força política quando deixou de ser a capital. Logo, não era mais a referência nacional em educação, também porque outras cidades (São Paulo, Curitiba, Brasília, entre outras) emergiram como novos modelos e referenciais. Por ter sido capital, o Rio de Janeiro conseguiu manter a tradição, a força histórica e uma vocação educacional que pode ser resgatada.

Olhar Virtual: Quais as conclusões do livro sobre a relação “educação e política”?

Miriam Waidenfeld: Uma das características dessa relação é a histórica sobreposição dos interesses políticos sobre as prioridades educacionais. Quando termina o período de um governo, existe uma troca dos membros da Secretaria de Educação, que serão escolhidos pelo partido que tomou posse. Por isso, projetos educacionais iniciados numa gestão serão interrompidos na seguinte. Muitas vezes, os secretários e diretores educacionais não são especialistas na área, mas sim vereadores e deputados nomeados para o cargo pelos interesses do partido. A prioridade educacional deveria ter autonomia, e não ser definida pelas necessidades partidárias.

Olhar Virtual: De que forma o processo de seleção por provas influencia na democratização do acesso ao ensino? Como deve ser esse acesso?

Miriam Waidenfeld: A seleção é uma forma de frear a democratização do ensino. Desta maneira, as escolas colocam critérios para o ingresso nas instituições. O acesso ao ensino deve ser um direito para todos nos três campos: federal, estadual e municipal. No entanto, a prática da democratização encontra muitas exceções e barreiras. Algumas escolas, muitas vezes, podem se utilizar de “pequenos expedientes” para “brecar” a entrada de um aluno, caso ele more, por exemplo, em uma comunidade considerada violenta.

Olhar Virtual: O que a senhora acha da seleção por meio de sorteio, usada pelo Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp)?

Miriam Waidenfeld: Acho que é uma forma democrática de seleção, tornando o público do CAp um pouco mais heterogêneo do que antes. Mesmo assim, o colégio mantém um bom nível porque são poucas as famílias que têm conhecimento desse tipo de procedimento. Ou seja, a manutenção da desigualdade no acesso à escola também pode ser percebida pelo grau de conhecimento que as famílias têm sobre como funciona o sistema de ensino em que seu filho se encontra inserido. Enfim, pais com pouca escolarização tendem a colocar seu filho na escola pública -  geralmente municipal -, que se encontra mais próxima de sua moradia. Não sabem que existe o Cap ou a Faitec, por exemplo. Desse modo, possibilitam que essas escolas, apesar de públicas, ainda conservem um público escolar mais homogêneo social e culturalmente. Portanto, essas escolas públicas acabam mantendo uma qualidade acima da média, pois não se encontram integralmente freqüentadas pelos estratos sociais mais baixos, que devido a sua baixa escolaridade são, conseqüentemente pouco informados sobre os “meandros” de nossa escola pública.