Ponto de Vista

Religião e diversidade sexual: uma difícil relação

Thor Weglinski


As frequentes notícias de violência contra homossexuais e de intolerância de algumas religiões contra a diversidade sexual ainda são comuns na grande imprensa. A condenação da homossexualidade, por parte de lideranças religiosas, pode resultar em discriminação e violência. A pesquisa “Homofobia e violência: um estudo sobre os discursos e as ações das tradições religiosas brasileiras em relação aos GLBT”, realizada pela professora Maria das Dores Machado, da Escola de Serviço Social da UFRJ, busca investigar as percepções de cinco religiões em relação à diversidade sexual na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: católica, evangélica, espírita, afro-brasileira e judaica. 

Olhar Virtual: Como a questão da diversidade sexual é percebida no Brasil? 

Maria Machado: Trata-se de um debate novo, que tem a ver com a capacidade de mobilização principalmente dos homossexuais de sexo masculino na sociedade brasileira. Esse é um tema de difícil discussão na América Latina porque a cultura sexual do continente é muito marcada pela religiosidade cristã e judaica. O assunto ganha certa notoriedade devido à ação dos movimentos gays de caráter social, na Justiça, na rua. De uma maneira geral, é um debate que encontra muita resistência por parte das hierarquias religiosas. Na pesquisa, todas as religiões estudadas têm dificuldade em lidar com o tema da diversidade sexual, não só a homossexualidade, mas também a demanda dos travestis e transexuais, e quando o campo é ampliado, a discussão se torna mais difícil. 

Olhar Virtual: Então, ainda é grande a intolerância das religiões em relação à homossexualidade? 

Maria Machado: Entre as religiões mais intolerantes, podemos identificar as igrejas de caráter pentecostal e os judeus ortodoxos. Os católicos têm uma série de movimentos e tendências diferentes, desde sacerdotes que acompanham grupos de gays e lésbicas ou posições mais conservadoras. As religiões que têm  maior flexibilidade ao tratamento são aquelas de caráter mais mediúnico, como as espíritas e as religiões afro-brasileiras. Os espíritas têm elementos mais tolerantes, como considerar que os gays masculinos podem estar pagando uma experiência numa vida passada ou  vindo para sublimar esta energia sexual e poder se dedicar a outras esferas da vida social. Nas religiões afro-brasileiras, a questão da sexualidade se coloca no plano privado do indivíduo. 

Olhar Virutal: Qual a raiz de todo esse preconceito? 

Maria Machado: Nas tradições judaicas e cristãs há uma vinculação da sexualidade com a reprodução humana. Existe uma preocupação para que o sexo tenha um caráter procriativo. Nos livros que essas religiões adotam como pilares de sua doutrina (Bíblia, Torá), há uma forte relação entre sexo e reprodução, algo que no contexto atual já não faz mais sentido, e essa ênfase faz com que o sexo que não vise à procriação não seja bem visto. 

Olhar Virtual: De que maneira a percepção religiosa influencia atos de homofobia e violência contra homossexuais?

Maria Machado: Há uma preocupação de como famílias, ao ouvirem pastores relatando a homossexualidade como uma possessão demoníaca, reagirão se descobrirem que um parente é homossexual e, caso isso ocorra, podem ocorrer expulsões de casa ou agressões. Em alguns momentos, essas famílias enviam seus filhos para tentativas de curas da homossexualidade, como exorcismo, o que é uma experiência frustrante e de muita dor. As famílias de classes mais baixas e menos escolaridade não têm recursos para contestar as palavras da Igreja e por isso tendem a aceitá-las. Logo, há uma preocupação maior em relação a essas famílias quando se fala do preconceito e de como lidar com a homossexualidade. As classes com mais escolaridade têm uma visão mais crítica do discurso religioso e não o levam “ao pé da letra”, o que possibilita a maior discussão do tema. No entanto, todos os segmentos sociais têm problemas com a homossexualidade. 

Olhar Virtual: Como os movimentos e entidades gays vêm atuando em relação a esses problemas de violência e homofobia? 

Maria Machado: Esses movimentos estão atuando nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para que seja criada uma lei que criminalize a homofobia. Mas a iniciativa é vista negativamente pelas igrejas, principalmente a Pentecostal. Há um confronto entre os movimentos gays e alguns líderes religiosos. Os Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT) acusam as frentes religiosas de serem homofóbicas, e estas, por sua vez, acusam os GLBT de serem autoritários, pois querem criar uma lei que desrespeite a expressão e o pensamento religioso. A atuação dos movimentos gays reacendeu a discussão sobre as fronteiras do Estado e da Igreja, ou seja, quais são as fronteiras que cada um pode ocupar no Brasil. Os GLBT dizem que, da mesma maneira que não se pode discriminar, também não se quer ser discriminado. O Estado e a sociedade a partir dos seus legisladores devem criar parâmetros que sirvam de referência para as relações das instituições com os gays. 

Olhar Virtual: De que forma a percepção religiosa em relação à homossexualidade influencia a difusão de políticas de prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e à Aids? 

Maria Machado: Uma das grandes dificuldades por parte dos órgãos de Saúde para combater as DSTs e a Aids no Brasil é a resistência da Igreja em aceitar o uso da camisinha para controlar a contaminação dessas doenças. No entanto, no Brasil existem parcerias de grupos religiosos com o Ministério da Saúde em campanhas para a prevenção de doenças. A mais recente foi entre o Ministério da Saúde e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para a prevenção da Aids, mas a CNBB descarta o uso da camisinha e apenas chama a população para fazer o teste de contaminação. A promessa de cura de doenças por parte das igrejas atrai cidadãos que então têm seu monitoramento contra doenças dificultado. Na África, o combate às DSTs e à Aids é ainda mais difícil, pela falta de recursos, resistência da Igreja para com a camisinha e por não existir monogamia.