Olho no Olho

As bases da discórdia

Bruno Franco


Passados cerca de vinte anos do fim da Guerra Fria, a América Latina volta a viver dias de crise política e  iminente conflito armado. Para quem acreditou no fim da era de interferências estadunidenses e no início de tempos de soberania dos países subtrópicos, a instalação de bases militares ianques na Colômbia prova o contrário.  A exemplo do episódio da captura de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), em território equatoriano, rusga atual envolve Colômbia, Equador, Venezuela e... os Estados Unidos. Com o fim do período de concessão - não renovada - da base militar em Manta, no Equador, os EUA propuseram a instalação de sete bases militares na Colômbia, com a alegação do combate à narcoguerrilha.

O tema foi discutido, preliminarmente, por quase todos os chefes de Estado sul-americanos, durante a última reunião da União das Nações Latino-Americanas (Unasul), ocorrida em Quito. O único ausente foi, justamente, o presidente colombiano Álvaro Uribe.  Na ocasião, os presidentes do Equador, Rafael Correa, e da Venezuela, Hugo Chávez, fizeram pesadas críticas ao projeto estadunidense e Chávez chegou a externar a preocupação de que seu país fosse atacado por forças colombianas.

Para jogar luzes sobre o intrincado tabuleiro político sul-americano, o Olhar Virtual entrevistou os professores Franklin Trein e Manuel Sanchez, ambos do Departamento de Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs).

“A presença militar americana não significa, a princípio, que haverá ingerência direta nos assuntos sul-americanos, mas por certo permite exercer maior reconhecimento, controle e intimidação.”
Franklin Trein
Professor do Departamento de Ciências Políticas do Ifcs

“A instalação das bases militares norte-americanas na Colômbia mostra, por um lado, o alinhamento desse país com os interesses dos Estados Unidos na região. De outro lado, isso decorre da não-renovação do acordo quanto à base americana em Manta, o que marca a ruptura da subserviência equatoriana.

A instalação das bases dará aos EUA liberdade para intervir na área do Golfo de Maracaibo, que é palco de um contencioso não resolvido entre a Venezuela e a Colômbia com relação a suas águas territoriais, ricas em petróleo. Uma das bases deverá ser instalada na região de La Guajira, próximo ao território chamado Uribia, quase no extremo da Punta Gallinas. É uma posição geográfica estratégica que permite controlar não somente toda a entrada do Golfo como uma parte considerável da projeção do continente sobre o Mar do Caribe, exatamente na rota do tráfego de navios naquela região.

A presença militar americana não significa, a princípio, que haverá ingerência direta nos assuntos sul-americanos, mas por certo permite exercer maior reconhecimento, controle e intimidação. Em caso extremo, fica mais fácil de desencadear ações ‘conjuntas’ com forças locais, para controlar situações que ponham em risco o exercício da ‘autoridade local’.
A ausência do presidente Uribe na reunião da Unasul explica-se pela tensão diplomática existente entre seu país e o Equador, o que desaconselhava a presença de Uribe em território vizinho. No entanto, mais do que um problema de segurança pessoal, serve como álibi para que a situação vá se consumando sem a oportunidade de um diálogo com os demais interessados.

O receio manifestado por Hugo Chávez de que a Venezuela poderia ter seu território atacado por forças colombianas é altamente improvável, pelo menos na conjuntura atual e nos desdobramentos previsíveis. Porém, interferências indiretas, tais como presença ostensiva, intimidações, provocações, são sempre expedientes possíveis.

A postura brasileira em face desse momento de tensão é correta. O Brasil se põe numa posição de mediador na região, daquele que quer diálogo, entendimento e paz. Isso vale para os integrantes da Unasul, assim como entre estes e os Estados Unidos. Nossa diplomacia avalia que o melhor cenário para o nosso desenvolvimento é uma situação de tranquilidade dentro da região e de parceria com os norte-americanos sem subserviência. Eu concordo, desde que seja possível reunir forças suficientes para sustentar uma situação de equilíbrio entre autonomia e parceria com o norte, ao mesmo tempo em que praticamos uma solidariedade regional capaz de promover o desenvolvimento sem deixar ninguém para trás. O que, convenhamos, não é uma tarefa fácil com alguns vizinhos que temos.”

“(...) quanto à questão política imediata, os EUA, a Colômbia e alguns outros países latino-americanos, inclusive o Brasil, temem a proposta política do bolivarianismo alardeada por Chávez.”
Manuel Sanchez
Professor do Departamento de Ciências Políticas do Ifcs

“É quase impossível saber quais são os verdadeiros objetivos militares com a implantação dessas bases americanas em território colombiano. No entanto, pode-se deduzir quais são as ameaças percebidas por cada uma das nações envolvidas no caso. Há questões relativas a combate e prevenção ao tráfico de drogas; combate às ações insurrecionais das  Farcs e de seus possíveis aliados, interesse de longo prazo no que se refere à bacia hidrográfica da Amazônia; interesses com relação ao potencial de sequestro de carbono representado pela floresta e também com relação à biodiversidade e  aos recursos naturais, particulamente o petróleo, que em longo prazo parece ser uma hipótese mais séria que o combate ao narcotráfico. Além disso, quanto à questão política imediata, os EUA, a Colômbia e eventualmente alguns outros países latino-americanos, inclusive o Brasil, temem a proposta política do bolivarianismo alardeada por Chávez.

O combate ao tráfico de drogas não parece ser a questão estratégica mais importante para os Estados Unidos, ainda que possa ser para o atual governo colombiano. Mesmo que o combate à produção e distribuição internacional das drogas não tenha tido êxito, os avanços no combate às Farcs têm dado bons resultados se vistos pelo olhar do governo colombiano. A questão da perpetuação da presença militar americana é um problema para o povo colombiano e  os países vizinhos. Por outro lado, é importante lembrar que os americanos já tiveram bases militares em outros países, e que essa presença não se perpetuou. 

A instalação das bases militares ainda não é dada como fato consumado pela Colômbia e pelos EUA. É claro que a Colômbia se apega a sua soberania para justificar a  maior proximidade com os americanos, mas todos sabem que a diplomacia é cada vez mais importante, ainda mais no momento em que os discursos de provocação ocorrem dos dois lados. Preferencialmente, a Colômbia gostaria que houvesse poucas discussões sobre seus atos soberanos; no entanto, os americanos sabem que é necessário ouvir terceiros países, dentre os quais o Brasil, que tem  papel decisivo em qualquer decisão para a região.

O convite feito por Lula a Obama para que ele compareça à próxima reunião da Unasul é a melhor maneira de comprometer os EUA publicamente com qualquer discurso que eles queiram ter. A diplomacia brasileira é claramente a melhor do continente sul-americano e o presidente Lula, certamente, foi aconselhado pelos diplomatas brasileiros a fazer o convite.”

 

 

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