De Olho na Mídia

Limites da Tortura

Maria Clara Senra e Larissa Rangel - Agência da Praia Vermelha

Imaginem um quarto branco, acolchoado, pequeno, sem janelas e com luzes acesas 24 horas por dia. Seria um hospício? Um cenário de filme? Não. O “Quarto Branco” faz parte de um dos jogos da nona edição do programa televisivo Big Brother Brasil (BBB). O programa global exibido no dia 2 de fevereiro gerou forte polêmica na mídia e na população com essa “nova atração”.

Em uma espécie de prova, três habitantes da casa tiveram como “castigo” ficar dentro desse ambiente descrito.

Os participantes Ralf, Leonardo e Newton dispunham de água potável e alimentação diária. Porém, para que pudessem sair do quarto, precisariam apertar um botão vermelho que eliminaria imediatamente o jogador desistente. O participante Leonardo Jancu não resistiu e abandonou o reality show.

BBB na justiça

O caso foi questionado e acabou parando nas mãos do Ministério Público. O órgão recebeu cinco denúncias, de pessoas distintas, entre os dias 3 e 4 de fevereiro, protestando contra a nova forma de eliminação e indagando se não teria ocorrido uma espécie de tortura na prova. O promotor Gianfilippo Pianezzola afirmou que, como a denúncia apontava um crime, teve que ser encaminhada à Subprocuradoria Geral do Ministério Público do Rio.


Quanto à resposta da emissora às denúncias, a Central Globo de Produções afirmou, por meio de nota, que o "Quarto Branco" é uma das "dinâmicas do jogo", e a "TV Globo toma todos os cuidados com a integridade de seus participantes".

Essa não é a primeira vez que o reality show faz uma prova de resistência. Na sétima edição do programa, os jogadores ficaram confinados em uma jaula sem acesso ao banheiro ou à alimentação. O vencedor da prova ficou quase quatro horas enjaulado. Porém, no quarto branco, a proposta inicial era de três dias de isolamento, e o primeiro candidato a desistir ficou dezoito horas “preso”.

Avaliação psicológica

Alguns especialistas na área de Psicologia confirmam a existência de indícios de tortura psicológica na prova. A cor branca predominante no quarto costuma transmitir a sensação de vazio e opressão, motivo pelo qual alguns hospitais passaram a adotar um pouco de cor em seus quartos e uniformes. Além disso, as paredes almofadadas podem ser associadas aos típicos quartos de centros psiquiátricos e a ausência de luz do dia também pode ser considerada fator de desorientação. Situações de tensão, como essas de realities shows, "podem agravar transtornos" em uma pessoa que já tenha histórico ou tendência a depressão. Outro fator a ser considerado é o desenvolvimento de sensações de claustrofobia geradas por situações como essa.

Sobre o assunto, o Olhar Virtual conversou com o professor do Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ, Cláudio Cavas. Quando perguntado sobre a possibilidade de ter havido tortura, o professor respondeu: “existe um Conselho de Ética dentro da Psicologia e qualquer experimento realizado com indivíduos precisa ser aprovado por esse Conselho. Portanto, a meu ver, essa prova foi antiética, porque a emissora privilegiou o entretenimento do público em detrimento do bem-estar dos participantes. Eu caracterizo a prova como uma manipulação de comportamento”.

Apesar da polêmica gerada, o público quase não reagiu negativamente à prova e não a considerou um exemplo de tortura. Sobre esse fato, Cláudio afirma que a falta de reação do público é produto da própria violência reincidente nos meios de comunicação. “Há uma banalização dessa violência”, alega.

O ponto de vista dos participantes

No chat do BBB oferecido pelo site Globo.com, Ralf, ex- participante da casa, falou sobre a experiência no Quarto Branco e sobre a desistência do colega: "Eu acho que o Léo estava mais fragilizado naquele momento, em termos da certeza que ele tinha de querer ficar até o fim, de batalhar pelo prêmio. E o Quarto Branco foi uma pressão muito grande, ninguém tinha pensado na possibilidade de uma eliminação sem voto popular. E uma vez que o Léo se viu lá dentro, ficou instável, apesar da força que tentamos dar. Durante a noite, nós dormimos e ele não conseguiu; isso foi remoendo na cabeça dele e acabou tomando a decisão de apertar o botão. Eu acho que na hora que a gente entrou no quarto o Ton até ficou falando que ficaria dez dias tranqüilo e o Léo também. Eu fiquei quieto, não queria que se criasse esse clima. No dia seguinte, o assunto voltou e eu puxava para o lado de pensar que terça-feira tinha paredão, para esperarmos. Naquele momento, ele acabou decidindo que era uma saída, ele não temia que o Alexandre não saísse, só não queria ficar mais."

Dias depois do ocorrido, a mãe de Léo revelou à mídia que seu filho possui traumas infantis e que poderiam ter sido agravados por conta da prova. O professor do IP acredita que esses traumas podem voltar, principalmente porque o participante foi exposto a uma experiência de alto nível de estresse.

Outra questão levantada com essa prova e a conseqüente desistência do participante diz respeito aos limites para a obtenção da fama e riqueza. A mídia oferece cada vez mais prêmios que comprometem a integridade e a saúde de quem é atraído por esse tipo de oportunidade. Na prova em questão, por exemplo, podem ser desenvolvidas seqüelas psicológicas  nos participantes, como salienta Cláudio. “Não é possível generalizar, porque depende de cada pessoa. Mas é possível que o participante desenvolva um estresse pós-traumático e, às vezes, até síndrome do pânico”.