Entrelinhas

A influência do território na aprendizagem

Vanessa Sol

capa do livro

A cidade contra a escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América. Este é o nome do livro organizado pelo professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, Luiz César de Queiroz, e pelo professor do Instituto de Pesquisas Sociais para a Sociedade (IPES) e coordenador do Grupo de Estudos sobre Segregação Urbana – GESU – da Universidade Católica do Uruguai, Ruben Katzman.

Na obra, os autores mostram que o desempenho escolar de uma criança ou adolescente está intimamente ligado ao território em que vivem. É o que os autores denominam de efeito vizinhança. Para eles, um território marcado pela concentração de população com fragilidade social está mais suscetível a ter um desempenho escolar menos satisfatório que em outros locais.

Entre os diferentes fatores que levam à queda de rendimento de crianças e jovens, estão a violência, o narcotráfico, as péssimas condições de habitação e a falta de estabilidade no mercado de trabalho em que muitas famílias se encontram.

A pesquisa, realizada em sete cidades — Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do Chile, Cidade do México e Austin (Texas) — permite uma análise comparativa consistente entre as grandes metrópoles. Os autores acreditam que o quadro de fracasso escolar, apresentado em algumas dessas localidades, pode ser superado à medida que o Estado criar políticas públicas que tenham como eixo central a Educação a fim de reduzir as desigualdades sociais nas regiões mais fragilizadas. Confira a entrevista com os pesquisadores na íntegra.

Olhar Virtual: Como surgiu a idéia do livro?

Luiz César de Queiroz: A idéia de escrever o livro veio com dois seminários realizados a partir do tema Segregação urbana e desempenho escolar. O primeiro foi na Universidade do Texas e o segundo no Rio de Janeiro, com pesquisadores que tinham realizado pesquisas desta natureza em cidades da América Latina. O livro nasceu dessas duas iniciativas.

Olhar Virtual: O título do livro é A cidade contra a escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América. Por que a escolha do título?

Luiz César de Queiroz: Não só a cidade se coloca contra a escola, mas vários outros fatores, também, se colocam contra ela. Para a pessoa aprender, ela deve ter posse de alguns pré-requisitos, que a preparam para adquirir a cultura letrada. A criança precisa já ter aprendido a valorizar o aprendizado e os professores e a ter autodisciplina, por exemplo. Esses elementos não são naturalmente existentes em cada um de nós. Ao longo de nossas vidas, nós vamos compreendendo que aprender é bom e que para aprender é preciso ter disciplina para viver o processo de aprendizagem, que é coletivo. Esses ensinamentos, em geral, são aprendidos com a família.

No entanto, o bairro também influencia na aquisição desses valores pelas crianças e jovens em idade escolar. Isso acontece porque a vida social de um indivíduo não está restrita à vida social de sua família. O bairro prolonga o processo de aprendizagem e de socialização das crianças. Se temos um bairro onde a criança ou jovem não é incentivado a aprender, isso terá um efeito negativo nesse processo, mesmo que a família a incentive. Quando o bairro tem esses atributos negativos? Quando ele é conformado homogeneamente por uma população de baixa renda, quando as pessoas daquela localidade vivem em uma situação de instabilidade do mercado de trabalho ou quando estão expostas à violência, por exemplo. A concentração de população com determinados atributos acabam gerando efeitos negativos na construção de pré-condições positivas para o aprendizado. Se um adolescente aprende em casa que estudar é bom, mas na rua ele vê o outro que não estuda adquirir bens socialmente valorizados, porque realizou um serviço criminoso ou na margem da criminalidade, ele se desestimula a estudar.

Olhar Virtual: Por que a cidade contra a escola?

Luiz César de Queiroz: Na atualidade, as cidades do mundo inteiro estão vivendo, dentro do processo de mudança no mercado de trabalho e da estrutura produtiva, a formação de bolsões de pobreza, onde vivem pessoas com fragilidades sociais. Em Montevidéu, um antigo bairro operário empobreceu porque a indústria foi embora. A população daquela localidade foi para a periferia por não conseguir mais pagar o aluguel. Ela se instalou em loteamentos precários, irregulares e ilegais. Uma das marcas da cidade, hoje, é a constituição desses territórios com a concentração desse novo tipo de pobreza, gerada pelas próprias condições da cidade e da economia.

Olhar Virtual: De que maneira essa segregação urbana interfere no desempenho escolar?

Luiz César de Queiroz: De todas as maneiras possíveis. O aluno terá menos estímulo para ficar na escola e terá, conseqüentemente, um desempenho menor do que se ele vivesse numa situação de estabilidade social.

Imagine um jovem chegando em casa sem ter um local para estudar em função das condições precárias da habitação. É claro que você pode sempre pensar que há casos em que essa situação é superada. Mas, em geral, os jovens não conseguem superá-la pela falta de alimentação, habitação e privacidade adequadas. Ainda há o tiroteio, o narcotráfico, o comércio ilegal, entre outros fatores.

Olhar Virtual: Que proteção o Estado poderia dar a essas pessoas?

Luiz César de Queiroz: A proteção referente às leis trabalhistas. Esse é um elemento chave, pois não se trata da pobreza somente referente à falta de recursos. Mas o fato de você ter uma relação de trabalho não assegurada gera uma instabilidade social muito grande. Por isso, enfatizamos o surgimento de um novo tipo de pobreza. O Estado poderia compensar isso com uma política pública de apoio. Vale a pena enfatizar que deveriam existir políticas públicas eficientes que gerem equidade na sociedade.

Ruben Katzman: Deveria haver uma única política para tratar de todas as questões, mas com a Educação como eixo central, senão você não cria as condições para que a criança chegue à escola com as predisposições para poder aprender. Daí a idéia de cidade contra a escola.

Olhar Virtual: Por que cidades diferentes foram comparadas?

Ruben Katzman: Por causa do processo de segregação recente sofrido por elas nos últimos 30 anos, que coincidiu com a crise do mercado de trabalho, com a desindustrialização e com a redução da capacidade de empregar do Estado. Porém, existem cidades na América Latina em que a segregação de território é muito pequena. A pergunta que queremos enfrentar com a comparação entre as cidades é: que impacto tem para uma sociedade viver em cidades com segregação territorial?

Olhar Virtual: Qual é a principal semelhança e a principal diferença entre elas?

Ruben Katzman: Em todas as cidades encontramos a existência de um efeito direto e indireto entre a concentração espacial de pessoas com fragilidades sociais e baixo desempenho escolar.

Olhar Virtual: Na pesquisa realizada pelos senhores, ficou constatada a existência de uma cidade com maior grau de segregação territorial?

Ruben Katzman: Uma cidade com maior tendência à segregação é Montevidéu porque não houve um controle sobre migrações dentro da cidade.

Luiz César de Queiroz: No Brasil, vemos um processo de mobilidade ascendente, ou seja, o migrante nordestino do campo chega ao Rio de Janeiro, consegue algum dinheiro e faz sua casa na periferia. No caso do Uruguai, ocorre o contrário porque a cidade passa por um processo de empobrecimento nos últimos anos.

Olhar Virtual: No livro, os senhores apresentam um conceito chamado efeito vizinhança. Como esse efeito poderia ser definido?

Luiz César de Queiroz: Esse conceito tem a ver com os atributos do território, que podem gerar condições positivas ou negativas para uma criança chegar à escola preparada para aprender. Outro efeito vizinhança possível é a convivência com autoridades morais, que sirvam de referência para a criança.

Os fatores para o efeito vizinhança são muitos, mas todos estão relacionados com a vida social que se constrói nesses territórios, onde se concentram pessoas fragilizadas socialmente.