Ponto de Vista

Assédio moral: como combatê-lo?

Raquel Gonzalez

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Assédio moral no trabalho. Você já presenciou essa prática?

Para combater tal atitude que confere conseqüências negativas não apenas ao trabalhador, mas também a todo o ambiente de trabalho, o Projeto de Combate ao Assédio Moral no Trabalho, do Instituto de Estudos em saúde Coletiva da UFRJ, promove estudos e pesquisa no âmbito universitário e pretende, com os resultados, ampliar o campo de discussão a fim de construir uma política de combate a esse tipo de violência no trabalho.

– A violência é o contraponto da negociação. Quando não há nenhum canal de diálogo ou negociação possíveis, é quando a violência se instaura. Ela acaba trazendo conseqüências muito ruins para a qualidade do serviço prestado, para o ambiente de trabalho e, principalmente, para a vítima de assédio moral – explica Marisa Palácios, coordenadora do Projeto de Combate ao Assédio no Trabalho.

O Olhar Virtual conversou com Marisa Palácios e Luciene Lacerda, coordenadoras do projeto desenvolvido na UFRJ, para entender como funciona o assédio moral, informar sobre as formas de denúncia possíveis e conhecer ainda um pouco sobre a pesquisa realizada em todas as unidades de Saúde da universidade.

Olhar Virtual: Como identificar o assédio moral? Como caracterizá-lo corretamente?

Marisa Palácios: O assédio moral é um tipo determinado de violência no trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica violência no trabalho como toda violência física ou psicológica que se concretize nesse ambiente. A violência física é de fácil caracterização: um tapa ou um tiro, por exemplo. Existem casos, contudo, que transparecem mais sutilmente no ambiente de trabalho. E o assédio moral entra nessa classificação já que é uma violência cotidiana e sistemática. Ele é direcionado a uma pessoa ou grupo de trabalhadores, pode ser praticado pelo superior hierárquico ou pelos próprios colegas de trabalho, de maneira que o sujeito assediado moralmente acaba por acreditar que não possui préstimos e valor, tendo conseqüências graves, como a depressão, por exemplo. O assédio é caracterizado pela desqualificação do outro, basicamente. Isso ocorre geralmente quando se percebe uma estrutura organizacional que preza pelo acirramento da competição.

Olhar Virtual: O Programa de Combate ao Assédio Moral no Trabalho promove uma pesquisa com os funcionários que trabalham na área da Saúde na UFRJ a fim de conhecer a magnitude e as características do assédio moral entre os trabalhadores da universidade. Como funciona a pesquisa e quando foi iniciada? Já existe algum resultado? Como o assédio moral acontece na UFRJ?

Marisa Palácios: A pesquisa está sendo desenvolvida em todas as unidades hospitalares da UFRJ. A idéia é obtermos realmente esse dado da magnitude do assédio moral nessa população de trabalhadores. E, para tal, estamos desenvolvendo a pesquisa em que entrevistamos uma amostra de aproximadamente um terço dos trabalhadores da área da Saúde da UFRJ. A pesquisa está sendo promovida da seguinte maneira: entramos em contato com as unidades e, a partir da lista de trabalhadores das mesmas, promovemos um sorteio de um terço desses funcionários. A seguir, procuramos essas pessoas e distribuímos um questionário para saber se o sujeito sofre ou não assédio moral, de acordo com sua percepção.

Luciene Lacerda: As questões trazidas no questionário abordam perguntas objetivas, do tipo: “Você sabe o que é assédio?” e “Você já sofreu esse tipo de violência?”, por exemplo. Explicamos também a esse funcionário o que é o assédio moral para que ele possa entender essa situação. Tentamos entender, antes de tudo, quem é esse funcionário, qual a sua característica dentro e fora do trabalho.

A partir do momento que ele afirma já ter sofrido assédio, tentamos identificar de que forma aconteceu, o que ele sentiu, se ele se queixou para alguém ou se calou, e caso tenha relatado, se houve algum procedimento. Queremos saber se diante da denúncia, houve alguma resposta. Inclusive perguntamos se há onde relatar ou fazer essa denúncia no setor ou unidade em que trabalha.

Marisa Palácios: Já estamos há um ano no trabalho de campo e a perspectiva é de que, no início de 2009, já tenhamos dados a apresentar. Essa é, na verdade, apenas uma parte da pesquisa que se desdobra em três braços. Há também uma segunda vertente em que promovemos entrevistas com alguns informantes, que consideramos informantes-chaves, para sabermos o que tem sido feito na universidade. Entrevistamos, por exemplo, os sindicalistas, os departamentos de recursos humanos das unidades, a Divisão de Saúde do Trabalhador (DVST) e a Ouvidoria, instâncias onde a denúncia normalmente chega. O terceiro braço seria a entrevista com pessoas que se declararam assediadas moralmente. É uma entrevista mais profunda, em que procuramos saber como o assédio ocorreu para que possamos ter um panorama de como o assédio efetivamente ocorre.

Além disso, temos participado de oficinas de trabalho junto com a Pró-reitoria de Pessoal (PR-4), DVST e Sintufrj para discutir o que fazer com as pessoas que estão sofrendo esse tipo de violência. Até aqui, um acordo importante foi definir a DVST como a porta de entrada para a pessoa que está sendo assediada. A assistente social Ivete atende e estabelece junto com a pessoa os melhores caminhos para sua proteção. A idéia é empreender todos os esforços para a proteção das pessoas assediadas, nesse primeiro momento. Os passos seguintes ainda não estão traçados em definitivo. De nosso ponto de vista, assim que concluirmos a coleta de dados, procederemos a análise e a divulgação para a comunidade. Temos a esperança de que a divulgação dos resultados possa inaugurar um período de discussões sobre o que fazer, sobre como construir uma política de combate à violência e assédio moral no trabalho.

Olhar Virtual: A que órgão uma vítima de assédio moral deve recorrer?

Marisa Palácios: Nosso projeto, além da pesquisa, montou uma página na internet como um espaço interativo onde as pessoas podem tirar dúvidas, ler depoimentos, notícias de jornal. Possui um “fale conosco” em que recebemos grande demanda de informação sobre o que fazer em caso de assédio moral. Temos estimulado as pessoas a procurarem seus sindicatos, pois alguns deles já estão desenvolvendo uma política de controle e combate ao assédio moral. É fundamental que as representações dos trabalhadores possam estar discutindo o assunto. E existe ainda a área de saúde do trabalhador das empresas que também deve atuar nesse âmbito e precisa estar debatendo o tema no sentido de proteger a saúde do trabalhador.

Os sindicatos possuem também setores jurídicos que oferecem aos seus associados uma orientação na questão judicial. Cada vez mais, observam-se ações judiciais nos casos de assédio moral. A questão judicial, contudo, não pode ser a única via de intervenção já que, mesmo que o juiz dê ganho de causa, a vítima de assédio moral já sofreu o dano. A questão fundamental é como intervir nos locais de trabalho de forma preventiva.

Olhar Virtual: Há um avanço nas questões legais?

Luciene Lacerda: Apesar de não dominarmos o assunto nos aspectos legais, questão que cabe a um profissional de Direito, deve-se ressaltar que é difícil atingir a fase da ação judicial, pois inicialmente o trabalhador tende a se culpar. Ultrapassado esse momento, quando ele verifica que há realmente uma violência promovida contra ele, pode até querer chegar à ação judicial, contudo, encontra outro obstáculo: as provas que terá de obter. Precisará de testemunhas e elementos que comprovem, como e-mails, bilhetes, por exemplo. Prática não muito fácil já que muitos colegas receiam testemunhar e perder o emprego ou tornar-se próximo assediado moralmente.

Fica também a dúvida de que essa violência, na verdade, é praticada de forma individual ou é permitida por uma forma de administrar assediadora, incentivada pela empresa. Promovemos um debate, nesse sentido, para que a instituição verifique esse tipo de ocorrência e não permita que se repita. Podemos exemplificar com os recorrentes casos de processo contra a Ambev. A empresa humilha seus funcionários quando não chegam numa determinada meta, colocando “orelha de burro”, por exemplo, agindo de uma forma absolutamente desrespeitosa.

A discussão que procuramos é, em primeiro lugar, que cada um identifique o que é assédio. Identificando, devemos descobrir como podemos ter uma forma de prevenção. E, caso ainda ocorra o assédio, certificarmo-nos de que haja um local para que a vítima de assédio moral possa se queixar. E, ao se queixar, saber ainda se há realmente um procedimento que impeça essa atitude.

Olhar Virtual: Quais as conseqüências do assédio para a vítima e para o ambiente de trabalho?

Marisa Palácios: Para a vítima, as conseqüências sobre a saúde são muito graves. O sujeito pode ter problemas psicossomáticos, crises de hipertensão e até enfarte, por exemplo. O assédio moral repercute muito gravemente sobre a saúde física e mental das pessoas de uma maneira geral.

No ambiente de trabalho há também conseqüências negativas. A prática de assédio moral não atinge exclusivamente a vítima, mas sim toda a equipe na medida em que impõe um clima de medo nas pessoas por conta das agressões freqüentes. O assédio tem repercussão sobre todo o ambiente de trabalho e atua ainda sobre a qualidade do serviço prestado, diminuindo-o.

Luciene Lacerda: Gostaria de ressaltar, também, que ainda hoje muitos dos alvos de assédio moral são as mulheres. Veja só, o que move o assédio moral é a negação do outro. A competição estimulada pela maneira como o trabalho está organizado gera situações de assédio moral. E, nesse sentido, ser mulher agrega alguns qualificativos socialmente construídos e desvalorizados. O fato de uma mulher ser chefe, por exemplo, pode fazer com que seja desqualificada e haja uma questão de assédio cotidiano.