De Olho na Mídia

Uma paixão nacional

 

Raquel Gonzalez

imagem ponto de vista

"Quem matou Odete Roitman?", no folhetim Vale Tudo (1988) ou, mais recentemente, “Flora ou Donatella: quem é a vilã?”, na novela global A favorita, são exemplos de como a teledramaturgia brasileira agita o imaginário de milhões de pessoas em nosso país. A novela tornou-se, definitivamente, o produto mais consumido das telinhas nacionais. Basta conferir os números: Senhora do Destino alcançou 50 pontos, em média, no IBOPE – significou 45 milhões de telespectadores, 80% da audiência total sintonizada e a vitória no ranking das novelas mais assistidas. “A novela brasileira é um dos nossos produtos mais bem sucedidos, em termos de qualidade dramatúrgica e técnica”, analisa Miriam Goldenberg, antropóloga e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS).

Em cerca de 60 anos de história, a telenovela tornou-se um fenômeno de audiência e repercussão no país. Considerado alienante nos tempos da Ditadura Militar por tirar a política do foco popular, o gênero transfigurou-se e hoje reflete as mudanças da sociedade nacional. “A novela tornou-se mais brasileira, mais próxima das questões sociais que atingem as diferentes classes sociais, passou a ser um lugar de debate dos problemas de gênero, raça, idade, sexualidade, família e, também, um lugar para denunciar questões como corrupção, maus políticos, ganância”, observa Miriam.

A telenovela foi tema do ciclo de palestras “Eu vejo novela e não me envergonho disso”, promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil e que buscou refletir questões no âmbito da teledramaturgia brasileira, como estrutura narrativa e definição de seus papéis sociais, por exemplo. O evento reuniu conhecidos autores nacionais, como Manoel Carlos e Gilberto Braga, além de pesquisadores como Miriam Goldenberg e Heloísa Buarque de Holanda, professora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. O título escolhido para o ciclo de palestras brinca com um possível preconceito existente em relação à telenovela brasileira. Heloísa Buarque não acredita, contudo, que exista discriminação em relação à novela já que a mesma é assistida por pessoas de diferentes classes e gêneros e o grande ibope atribuído ao gênero é uma prova disso. “Isso mudou em demasiado. Especialmente após o enorme sucesso de ‘Guerra dos Sexos’, de Sílvio Abreu, com Fernanda Montenegro e Paulo Autran. Quando atores consagrados passaram a fazer novela, o preconceito diminuiu muito. Acredito que o preconceito hoje é contra programas como BBB e não mais contra boas novelas”, ratifica Miriam Goldenberg.

Assistir à novela tornou-se um hábito praticado por milhões de brasileiros e esse momento de sinergia – em que uma comunidade enorme reúne-se para tal fim – pode ser entendido como “um importante compartilhamento nacional de uma experiência cultural”, esclarece Heloísa. Mesmo assim, o que seria tão fascinante na teledramaturgia para atingir tamanho espectro social? A pesquisadora da ECO explica que a novela é a fórmula moderna do folhetim e do melodrama grego e, dessa forma, possui elementos básicos que tocam o imaginário popular.

Os enredos desenvolvidos nas novelas são freqüentemente questionados acerca de sua originalidade. Não é difícil encontrar críticas relativas a repetições nesse gênero televisivo. Heloísa Buarque afirma, entretanto, que a novela, por si só, é um clichê já que é uma forma fixa de folhetim que é todo clichê. “A novela é uma forma que trabalha clichês. Se houver inovações, será outro tipo de dramaturgia que não o da novela”, esclarece. E Miriam Goldenberg corrobora afirmando que a própria realidade já é cheia de clichês, “não há muito a ser inventado, pois as possibilidades de comportamento e de sentimentos são limitadas”.

Vale ressaltar ainda a importância que a teledramaturgia nacional adquiriu entre os bens de exportação brasileiros. A escrava Isaura, de 1976, fez tamanho sucesso no exterior que foi transmitida a mais de 80 países – entre eles China e até Albânia, por exemplo – e tornou-se uma das novelas mais comercializadas do país. A mencionada Vale tudo também fez grande sucesso e influenciou, por exemplo, o nome de uma rede de restaurantes em Cuba: “Paladares”, numa alusão ao restaurante da personagem Raquel, interpretada por Regina Duarte. “Nós criamos um modelo de fazer novela que tem sucesso no mundo inteiro: atores maravilhosos, histórias muito bem construídas, diretores excelentes, além do investimento na qualidade da imagem e dos cenários”, explica a antropóloga.

– A novela atinge, hoje, todas as classes sociais, homens e mulheres, jovens e velhos de diferentes regiões do país. Tornou-se um veículo democrático, algo que pode ser consumido por todo e qualquer brasileiro –, conclui Goldenberg, ressaltando que a novela é parte fundamental da cultura brasileira ao criar e reproduzir comportamentos, valores, corpos e tendências.