Zoom

O saber que circula

Fernanda de Carvalho – AgN/CT

imagem zoom

“Posso levar? É de graça?”. Essa geralmente é a reação dos alunos que chegam à biblioteca José de Alencar, na Faculdade de Letras da UFRJ, e se deparam com uma bancada de madeira, forrada com um pano azul escuro, sobre a qual são colocadas diversas publicações.

Quem passa pelo local pode pegar uma ou mais obras que interessem para algum trabalho ou mesmo para curiosidade pessoal, sendo estimulado a devolvê-las, em seguida, para que outros possam fazer o mesmo. Um cartaz com os dizeres que nomeiam esta iniciativa - “Pegue e Leve” - fica logo acima dos livros, revistas, quadrinhos e xerox à disposição, e atrai os leitores em potencial que transitam pela Letras.

A idéia simples, que vem agradando aos freqüentadores da faculdade, partiu da bibliotecária Cila Borges, diretora da José de Alencar, em conjunto com outros funcionários da biblioteca. O objetivo da ação, que teve início em abril de 2008, é fazer com que as obras que não servem ao acervo da biblioteca circulem entre a comunidade acadêmica, em um espaço de constante troca.

A concessão de livros para o Pegue e Leve vinda dos próprios leitores, sejam eles professores, estudantes ou ex-alunos, por exemplo, também é bem-vinda. “É um espaço de socialização do saber: o que não interessa para a gente no momento pode interessar para alguém”, diz Cila. Ela estima que, desde o início desta movimentação, 150 volumes diversos já passaram pelo Pegue e Leve.

Intercâmbio

Cila conta que a José de Alencar recebe muitos livros, mas que, mesmo sendo a maior biblioteca de Letras da América Latina em espaço e em volume de publicações, não dá para ficar com tudo que chega até ela. Com o intuito de dinamizar o espaço do acervo, as doações passam por análises, onde é feita a seleção do que é e não é interessante para o acervo.

Após esta triagem, algumas obras podem ser direcionadas a outras bibliotecas da UFRJ - a primeira coisa a ser feita é justamente o intercâmbio entre as diversas áreas da universidade, como História, Direito, Comunicação, Artes, entre outras.

Por outro lado, a troca nem sempre é produtiva, seja porque a biblioteca de destino já possui um volume mais atualizado do que aquele oferecido, seja pelo fato de não haver espaço disponível para mais livros.

- Todo mundo sofre com a carência de espaço, de pessoas para fazer o tratamento dos livros, e, às vezes, o intercâmbio não interessa devido à idade do documento. É claro que eu não vou colocar uma obra rara no Pegue e Leve; se ela não for da minha área, vou fazer um protocolo e mandar para a biblioteca da área específica - explica Cila.

Sobre as obras que não são aproveitadas por nenhuma faculdade, ela complementa: “a gente não tem como levar para uma biblioteca pública, só se vierem buscar. Então a gente oferece ao usuário que está circulando”.

Tudo se aproveita

Não são apenas as doações externas que vão para a bancada. De acordo com os critérios de espaço e de utilidade seguidos pela Biblioteconomia, algumas das publicações do acervo principal da Letras precisam ser substituídas e retiradas de lá porque estão mal conservadas, desatualizadas ou fogem da área específica dos cursos oferecidos pela faculdade. Em todos estes casos, os livros são fortes candidatos ao Pegue e Leve.

- Há, na estante, publicações riscadas e amassadas. A gente repõe um outro, tira o danificado de circulação e o doa. Geralmente, doávamos para bibliotecas públicas, para escolas, mas essa é uma outra forma, estamos socializando dentro do espaço da universidade pública, para o aluno que não tem condições de adquirir o livro ou que não teve a sorte de tê-lo disponível, por exemplo. Então ele pode ler, pode passar para o colega - afirma Cila.

Obras xerocadas também têm como destino o Pegue e Leve, para a alegria dos alunos. A cópia necessariamente precisa sair do acervo da biblioteca, exceto nos casos de reprodução de uma obra esgotada ou de uso didático que só exista no exterior, quando não há a possibilidade de uma original ser adquirida. A bibliotecária relata: “eu já coloquei, no Pegue e Leve, a cópia de uma gramática de Latim; mal larguei e vi uma menina pegando! Foi assim, muito rápido”.

Cila ressalta que o espaço do Pegue e Leve é público, aberto a todos os interessados nesta ação que visa à democratização do conhecimento. Para uma grande parcela dos estudantes, o preço dos livros costuma ser muito alto, por isso esta oportunidade de fazer com que as obras sejam reaproveitadas livremente pelos leitores é tão importante.

- Eles chegam à biblioteca perguntando ‘não vão colocar nada?’, ‘essa semana não vai ter nada novo?’. O projeto foi além da minha expectativa, que era deixar ali pra ver se alguém queria, algo provisório. Estou muito surpresa com isso e muito feliz, porque os livros estão circulando e alguém está tirando proveito daquilo que estava parado, empoeirado, ocupando espaço. Acho que a gente poderia fazer alguma renovação em todo o sistema de bibliotecas da universidade, eu queria que essa idéia se espalhasse, seria interessante - acredita a diretora da José de Alencar.

Segundo ela, o retorno dos usuários é muito positivo para o movimento da biblioteca, uma vez que o Pegue e Leve, que está ali perto, também funciona como um estímulo para que as pessoas freqüentem mais o local e aproveitem o universo de leitura que a José de Alencar oferece.

Dentre os que mais apóiam a ação, Cila cita o professor Júlio Dalloz, diretor adjunto de Cultura e Extensão da Letras, que costuma doar muitos livros de sua área: “um dia ele me encontrou no corredor e disse: ‘Adorei o pegue e leve, já deixei uns livrinhos lá’”.

A divulgação da iniciativa acontece no estilo “boca-a-boca” e, aos poucos, mais e mais alunos participam da troca de livros. Segundo Débora Rodrigues, estudante do 8º período de Português-Latim e voluntária da biblioteca, há pessoas que já encontraram, no Pegue e Leve, obras interessantes que serviram até mesmo como uma leitura complementar a alguma pesquisa em realização.

Ela lembra que os interessados devem ser rápidos, porque quando uma bibliotecária “alimenta” a bancada com novos livros pela manhã, pode ser que à hora do almoço já não haja mais nenhum por lá. A aluna opina: “é legal, porque tem obras de todos os tipos, para todas as áreas, línguas, Português ou Literaturas. É possível pegar alguma coisa interessante para nossa área ou de outra mesmo, que a gente não acha no acervo ou no sebo”.

No entanto, pegue leve

Uma das maiores preocupações de Cila é com o sumiço de livros da biblioteca. Ela faz uma brincadeira com o nome da iniciativa em um apelo para que os alunos “peguem leve” com as obras do acervo principal, não apenas na Faculdade de Letras, mas em todas as outras.

“Nós fazemos uma troca, damos alguma coisa para os alunos, mas pedimos que não tirem o que é do bem comum. Eu busco dizer para eles que isso aqui é público, mas não é para virar privado. Às vezes chego na estante e está a capa, mas não está o livro. Isso a gente não quer”, argumenta.

Ela conta que planeja, junto à sua equipe, fazer uma campanha visual sobre o roubo de livros do acervo. Sempre simpática, ela descontrai em meio à lamentável situação: “vou ser sincera, em comparação a outras bibliotecas que já trabalhei, a Letras até que não tem tanto roubo. Livros desaparecem, mas levando em consideração o volume de obras, acho que o nosso aluno é mais educado”.