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Jurisdrama: a arte da ressocialização

Camilla Muniz

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Quando o professor Roberto Muniá idealizou a metodologia do Projeto Jurisdrama, no final da década de 1980, a intenção era desenvolver um plano de atividades acadêmicas que estimulasse a reflexão interdisciplinar sobre temas jurídicos, sociais e econômicos de grande relevância para a conscientização acerca da cidadania. Para atender a este objetivo, o projeto se fundamentaria no ensino, na pesquisa e na geração de novos conhecimentos através de cursos, debates e dramatizações.

Muniá faleceu em fevereiro de 2004 e, em sua homenagem, o Jurisdrama passou a se chamar Projeto de Extensão Roberto Muniá de Jurisdrama. Entretanto, o projeto existe e pertence ao Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE/UFRJ). Fábio Samu, ex-aluno de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), deu continuidade ao Jurisdrama. Samu, que também é ator, se dedica especialmente ao ensino de teatro, inclusive nos presídios, locais onde o Projeto desenvolve um trabalho de ressocialização dos detentos através da arte dramática.

O Jurisdrama crê que a reinserção social efetiva dos detentos no atual sistema penitenciário brasileiro é utopia. Assim, o projeto investe no ensino de teatro como forma de impedir que o preso fique ocioso e cogite a possibilidade de fugir e voltar para o crime. Para Samu, a experiência de lecionar para os detentos é indescritível. “Somente aqueles que têm a oportunidade de entrar nesse universo mitificado chamado presídio podem viver algo parecido”, diz o ator, que já trabalha junto ao sistema prisional há cinco anos.

— Ao longo desses anos, passei por situações de extrema emoção. A primeira delas e, talvez a mais marcante, ocorreu no Presídio Milton Dias Moreira no Complexo Frei Caneca, que nem existe mais. Nessa época ministrava minhas aulas nas quintas-feiras. Na parte da manhã, lecionava Filosofia e, de tarde, Teatro. Certa vez, fiquei três semanas seguidas sem dar aula. Desde 2004 até hoje, nunca recebi nenhum tipo de remuneração pelo trabalho que realizo nos presídios relativos ao Jurisdrama. Quando retornei à minha atividade docente, expliquei que havia faltado porque fui a uma reunião em busca de recursos para o projeto. Até esse dia, meus alunos não tinham conhecimento que eu não recebia nenhum tipo de remuneração pelas aulas de teatro. E foi aí que percebi o quanto era querido por aquelas pessoas. Alguns alunos choraram quando souberam que trabalho diferentemente de pessoas que são remuneradas para irem lá e não vão. Na semana seguinte, quando cheguei no presídio, havia um quadro pintado com minha foto de palhaço, junto com uma dedicatória e um manifesto dos presos daquela unidade se oferecendo a doar sangue para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) como forma de homenagear meu trabalho — lembra Samu.

Além disso, o Jurisdrama promove visitas mensais com os alunos da universidade ao Presídio Bangu V. Segundo Fábio, o objetivo é mostrar aos 29 alunos que participam da visita o que é, de fato, um presídio. O professor acredita que atividades como essa, na qual a sociedade tem a oportunidade de dialogar com os detentos, contribuem para a formação de uma visão mais humana sobre o presídio. Caso contrário, analisa Samu, “mais parecerá uma visita ao zoológico, onde os transeuntes passam diante de feras enjauladas”.

— No primeiro momento da visita, os estudantes percebem como é constituído esse “edifício” de concreto chamado presídio, e podem observar como ele é organizado por dentro; em quais condições os presos são alojados; as condições de trabalho dos guardas e dos diversos profissionais que compõem o dia-a-dia do presídio; ver um parlatório (local onde ocorre a visita íntima) por dentro. No segundo momento, reúno os alunos da UFRJ e os internos da unidade e fazemos mesas de conversas, nas quais minha função é estimular o debate. Os universitários têm a oportunidade de esclarecer várias dúvidas sobre os mitos e curiosidades que envolvem uma cadeia e que, na maioria das vezes, têm a ver com a sua área em formação: os alunos de Direito têm interesse em saber sobre a rotina da defensoria e as atividades relativas aos procedimentos jurídicos; os de Serviço Social, sobre o seu papel ali; os de Educação, sobre o funcionamento da escola e, assim sucessivamente. Já os presos, quando comecei com essa atividade, ficavam preocupados em saber o que os estudantes acharam da visita. Queriam saber principalmente se as pessoas que estiveram ali mudaram de idéia em relação a tudo que sai na mídia, de uma maneira geral, sobre o que é um presídio. Hoje, em Bangu V, essa questão foi superada. Essa preocupação virou coisa do passado. Os presos têm a clareza de que o impacto sobre os alunos da UFRJ é enorme e que quase todos os visitantes saem de lá com outra visão sobre o coletivo. No terceiro momento da visita, peço para que um ou mais guardas conversem com os alunos. Também considero esse contato imprescindível. É de extrema relevância conhecer os dois lados de uma mesma moeda: o ponto de vista do preso e o ponto de vista do guarda. Agindo desta maneira, tenho a convicção de contribuir com a formação crítica do nosso aluno em relação a algumas questões pertinentes ao sistema prisional — explica Samu.

Quem também colabora com o Jurisdrama é Guilherme de Menezes, aluno da Faculdade de Letras, advogado e consultor jurídico do projeto. Guilherme não advoga para os detentos, mas oferece orientação jurídica aos presos que participam das aulas de teatro do Jurisdrama, mostrando-lhes como podem agir a fim de obter redução da pena.

No momento, ele está envolvido com as gravações de um documentário sobre o projeto, cujo título provisório é Jurisdrama – Sistema Prisional e Ressocialização. Segundo Guilherme, diretor do filme, “o objetivo é mostrar a dificuldade de aceitação dos detentos pela sociedade, principalmente depois que saem da prisão e não conseguem um trabalho”.

O documentário, com roteiro de Samu, conta com a produção da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), reúne depoimentos de quatro detentos e ex-detentos, alunos no projeto - um deles, Fabioney, foi assassinado duas semanas após ter ministrado palestra na Faculdade de Direito. “A previsão é que esteja pronto até o final do ano. Queremos exibi-lo na universidade e, quem sabe, inscrevê-lo em algum festival”, afirma Menezes.

Apesar de enfrentar diversas dificuldades financeiras para dar prosseguimento às suas atividades, o Jurisdrama continua oferecendo suporte aos presos que conseguem liberdade. "Por isso, a ressocialização feita pela UFRJ é um diferencial. Na maioria das vezes, o preso não tem suporte nenhum quando sai da cadeia e acaba voltando para o crime", observa Guilherme.

Os coordenadores do Jurisdrama ressaltam que qualquer aluno da UFRJ pode participar das visitas aos presídios. Quem estiver interessado deve entrar em contato com o projeto através do site www.jurisdrama.com.br ou da comunidade ou do perfil do Jurisdrama no Orkut.