Ponto de Vista

Na hora de fazer negócios, um brinde pode ser apenas um brinde, ou não

 

Kadu Cayres

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Como entregar seu cartão de visita ao encontrar um cliente japonês? O que dizer na hora em que um negociador russo faz um brinde após a segunda rodada de aperitivos? O que responder quando um cliente de Nova York começa a fechar um negócio em pleno jogo de golfe? Questões como essas parecem irrelevantes na hora dos negócios. Entretanto, não são. Segundo Angela da Rocha, professora do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (Coppead/UFRJ), “dada a natural dificuldade do ser humano em lidar com a diferença, é absolutamente fundamental que, em um ambiente de negócios globalizado, os executivos sejam treinados para lidar com a diversidade cultural, dentro e fora da empresa”.

Em entrevista ao Olhar Virtual, Angela esmiuçou um pouco da importância de saber lidar com a diversidade cultural na hora de fazer negócios, traçou um breve histórico do paradigma da administração mundial e ressaltou o pioneirismo nacional da Coppead no assunto. Confira.

Olhar Virtual: Qual é a relevância dada à diversidade cultural pelas escolas de negócios?

Angela da Rocha: As escolas de negócios tradicionalmente atribuíram pouca importância à diversidade cultural. Em parte, isso se deveu à absoluta dominância das teorias provenientes dos Estados Unidos, na Administração, até a década de 80. Nesta década, a ascensão das empresas japonesas quebrou o paradigma de que havia uma única forma de administrar e de que o que era bom para os EUA, era bom também para o resto do mundo. Os japoneses mostraram que as empresas podiam ser administradas de forma distinta e podiam vencer na dura competição com as grandes multinacionais ocidentais. Com isso, os americanos passaram a estudar os diferentes sistemas de gestão, o que levou à necessidade de formar executivos capacitados a entender a diferença e com ela lidar.

Nesse novo cenário, a capacidade de lidar com a diversidade cultural é um ativo valioso. A reboque da necessidade de formar este tipo de executivo, as escolas de negócios começaram a oferecer novos cursos voltados para sensibilização e treinamento para lidar com ambientes culturalmente distintos. Este fenômeno é recente, tendo se iniciado na Europa e passado, posteriormente, às escolas norte-americanas. No caso brasileiro, o Coppead teve um papel pioneiro neste sentido.

Olhar Virtual: Disciplinas voltadas a ensinar jovens executivos a lidar com a diversidade deveriam ser incorporadas à grade curricular de um curso como obrigatórias ou como opcionais?

Angela da Rocha: Seria bom que fosse obrigatória, mas mesmo a disciplina eletiva se justifica. Nem todos aqueles que estudam administração precisam deste tipo de formação.

Olhar Virtual: O que seria preciso ter para se transformar num executivo multicultural?

Angela da Rocha: Não é possível se transformar num executivo multicultural simplesmente por falar idiomas ou receber treinamentos específicos. A experiência de viver em outras culturas é fundamental. A formação de executivos capazes de lidar em várias culturas costuma ser o resultado de uma combinação de fatores que incluam personalidade, competências adquiridas e experiência.

Olhar Virtual: Num negócio entre dois profissionais de países diferentes, até que ponto a falta de conhecimento das respectivas culturas pode complicar a negociação?

Angela da Rocha: Não se trata apenas de complicar, mas até mesmo de inviabilizar o negócio. As diferenças passam pela “linguagem silenciosa dos negócios”, uma expressão utilizada pelo antropólogo Edward T. Hall para simbolizar as nuances da negociação internacional. Por exemplo, cada cultura tem seus rituais de negociação e o executivo internacional precisa conhecer os códigos e rituais envolvidos.

Olhar Virtual: Qual é a preocupação da Coppead em relação à questão?

Angela da Rocha: O Coppead introduziu em 1987, pela primeira vez, a disciplina de Antropologia Social no curso de mestrado. Era um seminário, concebido pela professora Heloísa Leite e conduzido pelo professor Roberto da Matta, à época pertencente ao corpo docente do Museu Nacional da UFRJ. No entanto, só retomamos a experiência em 1989, quando a disciplina foi oferecida dentro do currículo de um programa fechado para executivos da Mesbla, com grande sucesso, pelo professor Everardo Rocha, que concluía seu doutorado em Antropologia na UFRJ e que pertencia aos quadros da PUC-Rio. No ano seguinte, esta disciplina foi oferecida no doutorado do Coppead. A partir daí, estendemos para praticamente todos os cursos regulares do Coppead: doutorado, mestrado e especialização.

À época, colocar uma disciplina de Antropologia Social em um currículo de Administração era uma experiência inusitada em uma escola de negócios. No entanto, o interesse e a receptividade dos alunos foram enormes (e continuam sendo). Posteriormente, outras escolas de negócio brasileiras aderiram, introduzindo a disciplina em seus currículos de pós-graduação em Administração.

Dentro do campo da Antropologia, uma sub-área de particular interesse para a Administração é a Antropologia do Consumo, em que se estuda o consumo como atividade simbólica. Também sob este aspecto o Coppead foi pioneiro, abrigando os primeiros estudos feitos no país de forma sistemática sob esta perspectiva.