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Um alerta sobre o impacto das políticas raciais

Aline Durães

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Preocupados com as conseqüências das políticas afirmativas de recorte racial, representadas pela lei que estabelece cotas raciais nas Instituições Federais de Ensino Superior (PL 73/1999) e pelo chamado Estatuto da Igualdade Racial (PL 3198/2000), professores do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ) em parceria com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz organizaram o livro Divisões Perigosas – Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, com lançamento previsto para o dia 12 de junho, na Livraria da Travessa, de Ipanema.

A principal tônica do livro é chamar a atenção para os perigos que a racialização proposta no texto dessas legislações, que possuem como fim último a diminuição das desigualdades sociais, pode implicar para a sociedade brasileira: “o Estado Nacional, ao assumir e legislar com a palavra raça, acaba por fundar o racismo. Isso me fez sair para o debate público, porque a minha consciência me diz que os brasileiros não merecem o futuro que terão se apoiarem essas políticas. No livro, alertamos que o combate ao racismo não pode ser feito em nome da raça”, afirma Yvonne Maggie, antropóloga do IFCS e uma das organizadoras do impresso.

O livro reúne artigos de cientistas, intelectuais orgânicos e lideranças de movimentos sociais e mostra, sob perspectivas de diversas áreas do conhecimento, que a abordagem racial utilizada pelas políticas afirmativas em discussão no Congresso Nacional está ultrapassada. Os textos conjeturam ainda a possibilidade de essas iniciativas, ao oporem brancos e negros, acarretarem manifestações de ódio racial, até o momento inexistentes no Brasil.

Para Yvonne Maggie, o Brasil, ao aprovar políticas raciais, estará cedendo às pressões de agências internacionais, que financiam pesadamente ONGs raciais e estudos que almejam comprovar a existência do racismo: “nossas pesquisas nos levam a pensar que mecanismo semelhantes foram utilizados em outras partes do mundo e produziram muito mal. Aqui no Brasil, eles foram feitos a toque de caixa; um grupo resolveu iniciar a racialização nas franjas do poder e na base da burocracia, e o processo acabou avançando”, enfatiza a pesquisadora.

Manolo Florentino, professor do Departamento de História do IFCS, garantiu sua participação no livro com o artigo “Da atualidade de Gilberto Freyre”, no qual defende que o autor de Casa-grande & Senzala continua a ser um dos maiores intelectuais brasileiros, embora, nos últimos anos, tenha sofrido críticas que o relacionam pejorativamente com o mito da democracia racial. No texto, o historiador sustenta que o escritor pernambucano, em sua obra, batalha a favor de uma noção de civilização brasileira que tem a miscigenação como característica principal, sem trabalhar, no entanto, com o conceito de democracia racial.

De acordo com Manolo Florentino, o povo brasileiro, passada a experiência do período da escravidão, superou o multiculturalismo e conseguiu criar uma identidade nacional, o que parece ser ignorado pelas atuais políticas raciais: “o momento mais adequado para a adoção de políticas afirmativas foi o dia seguinte da abolição da escravatura, em 14 de maio de 1888. Naquele momento, o Estado deveria avaliar que colocou 1,5 milhão de pessoas na rua. Mas hoje, as pessoas se identificam, acima de tudo, como brasileiras e não como negras ou brancas. Essa tentativa de racializar, de retomar a noção de raça e de achar que somos um povo multicultural não leva em consideração a sedimentação histórica que nos tornou, de alguma forma, melhores. Racismo no Brasil é crime e, portanto, incentivar racismo de negro contra branco é tão criminoso quanto incentivar racismo de branco contra negro”, pondera o pesquisador.

Manolo destaca ainda que a solução das desigualdades sociais encontradas no Brasil dependem menos de políticas raciais e mais de melhorias nos índices de crescimento econômico. “Embora pífio, o crescimento brasileiro nos últimos anos promoveu a diminuição das desigualdades sociais. Algo mais empírico do que isso eu não conheço. Qualquer outra medida terá que partir de critérios mais universalistas, que não separem os brasileiros em negros e brancos, em pobres e ricos. Crescimento econômico é o que faz com que os pobres, que são majoritariamente pardos e negros, saiam da condição de miséria”, observa.

As contradições do debate

Os argumentos contrários às estratégias de racialização são, com freqüência, taxados de racistas ou de neo-racistas, termos polêmicos que vêm sendo utilizados por quem defende tais medidas, o que acaba por deturpar a compreensão do debate acerca dos projetos de leis em tramitação no Congresso, das políticas afirmativas e, em última instância, da própria questão da desigualdade social no Brasil.

Na opinião de César Benjamin, autor do artigo “Tortuosos Caminhos”, no qual discorreu sobre a inexistência de respaldo científico para o conceito de raça, o discurso usado por alguns segmentos defensores das políticas raciais beira o totalitarismo: “é um discurso muito perigoso para o imaginário social do brasileiro. Ele prega que ou você concorda com as medidas afirmativas para negros ou você é um criminoso. Eu não concordo e nem por isso sou racista”, ressalta Benjamin, que, em seu texto, evidenciou que o desenvolvimento da genética e da biologia molecular, no século XX, comprovou a semelhança evolutiva dos grupos humanos e o compartilhamento da mesma herança por eles, desmantelando as bases conceituais das pesquisas que, no século anterior, pretendiam classificar os homens em raças.

O jornalista acredita ainda que o Estado peca ao propor a racialização em um momento em que a própria sociedade brasileira já deslegitimou o discurso racista, embora ele ainda exista marginalmente. “Todas as dificuldades da pessoa passarão a ter como causa a cor do indivíduo, o que reforçará a idéia de que o branco não tem dificuldades. É essa visão do Brasil que está sendo difundida que me incomoda e que influenciou a minha participação no livro”, completa.

Yvonne Maggie, professora que, há mais de 40 anos, dedica sua vida acadêmica à pesquisa de temas relacionados ao racismo e à desigualdade, refuta com ardor a acusação de neo-racista: “nós queremos que o Brasil seja mais igual, mais justo; precisamos combater o racismo, lutar contra qualquer sentimento de desigualdade e contra qualquer legislação que proponha dividir legalmente os brasileiros em cidadãos de um jeito e de outro. Algumas pessoas podem se beneficiar com essas políticas raciais, mas o problema da desigualdade social só poderá ser resolvido com melhores condições de vidas para todos. Não adianta ficar reconstruindo pequenos guetos. Com a aprovação das leis de cotas e do Estatuto de Igualdade Racial, vamos ter alguns privilegiados negros, quando o ideal seria acabar com todos os privilégios e fazer com que todos fossem iguais”, finaliza.