Olho no Olho

Interatividade ou Pseudo-interatividade

Luiza Duarte

imagem olho no olho

Será que participar ativamente de uma votação do Big Brother Brasil ou definir o final de uma novela - através de uma pesquisa realizada pela emissora – significa, de fato, uma ação interativa?

O conceito de interatividade, do ponto de vista da comunicação, define uma relação de alternância entre receptor e emissor da mensagem de forma a interferir no processo comunicacional. Os recursos tecnológicos da internet possibilitaram que o receptor se torne produtor de conteúdo sem sair de casa. Inspirada na internet, que hoje já atende a 21% dos brasileiros, a televisão reformulou a antiga participação do público nos meios de comunicação de massa e passou a investir em programas calcados na suposta decisão popular.

O sucesso desses programas de grande apelo à interatividade, se confirma pelos números atingidos pela última edição do programa Big Brother Brasil que chegou a ter 68% dos televisores do Brasil ligados, além de bater recordes de audiência na TV por assinatura. Para compreender de que forma se dá a participação popular na televisão brasileira e até que ponto ela interfere no conteúdo produzido, o Olhar Virtual entrevistou a professora do Departamento de Antropologia do IFCS, Karina Kuschnir e a professora do Departamento de Teoria da Comunicação da ECO, Janice Caiafa.

 

Karina Kuschnir
Professora do Departamento de Antropologia – IFCS

"A comunicação é parte constitutiva da vida em sociedade -- é a partir dela que os seres humanos estabelecem relações de trocas verbais e simbólicas. Na comunicação de massa essa interação tem privilegiado a produção de conteúdo por parte de poucos para uma audiência de muitos. Esse é o modelo dominante no rádio, na mídia impressa, no cinema e na TV. Embora sempre tenha havido trocas e contatos com ouvintes, leitores e espectadores, o fluxo de informação de mão única é o que caracteriza a maior parte do material desses veículos.

A Internet começa nos anos 1980 com um elemento inovador em relação a tudo que havia antes em termos de mídia. O hiper-texto -- que todos conhecem, mas nem sempre sabem o nome --, é o que está por trás do "http", aquelas letrinhas na barra de endereço do nosso Internet Explorer. Elas significam Hypertext Transfer Protocol (Protocolo de transferência de hiper-texto). Nos anos 1980, Tim Berners-Lee cria o mais famoso sistema de hipertexto, o "www" (World Wide Web) que permite criar e consultar textos com palavras que levam o leitor para outros textos. Através de links (marcados em sublinhado) o leitor pode ir transitando por diversas informações segundo a sua vontade. Não é mais necessário chegar ao fim de uma página para começar a ler a próxima. Cada leitor passa a fazer o seu caminho e, portanto, o seu texto. Esse foi um pequeno, mas decisivo passo em direção ao que conhecemos hoje como Internet 2.0 (dois ponto zero).

Em 1995, quando a Internet se tornou comercial, muitos acreditavam que ela iria reproduzir o conceito dos grandes veículos de massa, "empurrando" conteúdo pela tela do seu usuário. Os internautas, muitos deles dentro das universidades e centros de pesquisa de ponta, acharam que esse não era o melhor caminho. Ao contrário, de lá para cá todos os grandes sucessos da rede foram na direção oposta. Os usuários começaram a encontrar formas de trocar e produzir conteúdo de forma descentralizada. Como ressalta o antropólogo Hermano Vianna, um dos maiores fenômenos dessa novidade foi na área da música, onde se desenvolveu tecnologia para armazenamento, troca e audição de arquivos que praticamente inviabilizaram uma indústria (a fonográfica) mas criaram outra (a dos players, shows e produção independente). Blogs, comunidades virtuais e sites como Wikipedia, Overmundo e You Tube são parte desse mesmo processo. Muitos dos veículos de mídia tradicional reagiram a essas mudanças, procurando se integrar a Internet. Se no início essa integração era apenas um complemento na forma de informações estáticas (fotos e textos), hoje é no sentido de proporcionar alguma esfera de atuação e interação com o usuário.

Programas como o Big Brother Brasil 7 da TV Globo têm página na Internet, comunidade virtual, blog dos participantes, site de fotos, chats, vídeos e votação interativa. Até o jornal O Globo criou a seção "Eu-Leitor" para permitir a publicação de material escrito e fotografado por seus leitores. O conteúdo produzido pelas grandes empresas começa a se adaptar (ou se customizar) para cada usuário, mas também divide espaço com o conteúdo produzido pelo próprio usuário. Por que ver a "novela das oito" às oito horas se eu posso assisti-la às dez ou às 2 da manhã? Ou por que não assisitir ao show da minha banda preferida produzido pela própria banda? A criança ou o jovem que tem acesso a Internet hoje já não entende o conceito de TV analógica. A tela (seja do computador ou da Tv) é vista como um instrumento de troca e informação. Eu posso pesquisar sobre o Havaí, escrever um blog e jogar um game enquanto converso com meus amigos. Por que não? A tecnologia já permite tudo isso e é nessa direção que parece caminhar a TV digital "

Janice Caiafa
Professora do Departamento de Teoria da Comunicação-ECO

“Muito apressadamente a interatividade é colocada como solução para todos os problemas, é uma espécie de panacéia. Entre nós, o programa Você Decide, da Rede Globo, foi pioneiro nessa questão da interatividade. Supostamente o espectador era convidado a escolher o final que mais lhe agradava. Ostensivamente a televisão mostrava essa chance, que ela oferecia ao telespectador. Agora, o que se descobre com esse programa, que já entrou em extinção, e com outras iniciativas da televisão em se abrir ao telespectador, deixando que ele decida algo, é que de fato não se decide nada. Você não decide nada quando entra no esquema da Rede Globo, por exemplo. De fato, quando perguntam alguma coisa a você, sua resposta já esta prevista. Uma maneira de decidir alguma coisa seria furar esse esquema, fugir dessas questões e colocar uma outra.

Essas oportunidades de interação não são uma verdadeira interação. Os dados já estão lançados, não há muito o que acrescentar, não há uma verdadeira interferência, a rigor, não é realmente uma interação, porque é um esquema montado. Falo na Rede Globo, porque citei esse programa, mas poderia falar nela como um dos lugares mais fechados, onde em nome de imperativos comerciais existe uma estrutura já dada, em que todos nós temos que nos encaixar.

Não há interação quando o esquema é tão apertado e as coisas já estão dadas. Você acaba decidindo, mas o que decide é de fato uma bobagem, que não interfere em nada. Mais vale o silêncio nesses momentos. Existe uma potência muito forte no silêncio. Nós somos chamados a opinar sobre tudo, somos convocados a dizer o melhor final para a novela. Essa loquacidade tantas vezes vazia, nos impede de pensar algo interessante. Por vezes uma estratégia interessante é se calar.

O filósofo Gilles Deleuse diz uma coisa muito interessante: os verdadeiros clientes da televisão são os anunciantes, não somos nós. É uma ilusão pensar que estamos sendo atendidos por ela. Não que tenha que ser assim, mas a televisão tem sido assim. Acredito ser mais interessante não participar disso e trabalhar em prol de uma outra maneira de fazer televisão.

Os reality shows são programas muito apoiados na interatividade e também numa abertura da intimidade. É um fenômeno que tem adquirido muito poder entre nós. O apelo da interatividade tem um funcionamento reacionário. O que se observa nesses programas é que nada é deixado ao léu e existe um desejo dos organizadores de fazer crer que estamos observando um cotidiano completamente descomprometido. Não é assim. Aquelas pessoas estão contratadas por certos aspectos que elas guardam e estão ligadas a certos objetivos comerciais. O que se atualiza ali é uma cena tão artificial como qualquer outra. Ao mesmo tempo é um cotidiano muito pobre de subjetividades.

Um dos pontos em que se diz que a TV digital traria maior investimento é na interatividade. Essa interatividade só valeria a pena se nos levasse realmente a interferir. Não se for uma interatividade de venda, como já existe nos projetos de TV digital. Poder olhar um produto que eu gostei numa novela, apertar um botão e comprar. Essa interatividade só interessa aos empresários de mídia. Às pessoas, só interessa uma interatividade em que elas possam interferir, pensar alguma coisa, agir, uma interatividade de fato ativa "