Olho no Olho

Amnésia à brasileira

Luiza Duarte

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Máfia das ambulâncias, mensaleiros, sanguessulgas e o aumento de salários dos parlamentares. Grandes escândalos recentes que tomaram a capa dos jornais e rapidamente foram esquecidos, mesmo sem estarem totalmente esclarecidos e seus envolvidos julgados e punidos.

Tais acontecimentos trouxeram a tona um debate sobre a memória política do brasileiro. Para compreender se existe, de fato, uma falta de memória política e o papel da mídia na construção dessa “ausência” de memória, o Olhar Virtual entrevistou o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Wagner Duarte e o professor da Escola de Educação, Luiz Antônio Cunha.

 

Luiz Antônio Cunha
Professor de Educação Brasileira - FE

“A memória política não é uma coisa pronta, uma espécie de depósito de lembranças. Ela é reelaborada sempre, a partir do presente.

No meu entender, não procede dizer que o povo não tem memória política, pois há segmentos que mantêm e atualizam lembranças de conflitos sociais, de organizações e lideranças passadas. Esses segmentos sociais são encontrados na zona rural e nos meios populares urbanos. Mas, para as massas urbanas mais integradas na economia de mercado e expostas aos meios de comunicação de massa, a situação muda muito. Para elas, prevalece uma educação política difusa - melhor seria dizer "deseducação política difusa" acionada pelos meios de comunicação, principalmente a TV.

As mensagens, na forma de noticiário, filmes, novelas etc, apresentam o passado como "pastilhas de notícias", fragmentadas e escorregadias. Quanto mais atraentes, melhor, seja pelo escândalo, seja pela gozação, qualquer artifício vale para atrair o leitor ou ouvinte ou telespectador, porque, no final das contas o que vale é o preço do espaço do jornal ou da revista, assim como do tempo do rádio ou da TV. Assim, o escândalo ou gozação não se sustentam por muito tempo, por si mesmos. Precisam ser substituídos, assim como os produtos no mercado de roupas ou sabores nas lojas de fast food.

Um complicador nesse quadro é a rápida ocupação do espaço da TV por emissoras religiosas, que exploram a boa fé e a insegurança do povo, oferecendo-lhe sucedâneos subjetivos para suas aflições em grande parte objetivas, o que aproveitam para amortecer a memória política ou reelaborá-la de modo alienado.

A mudança desse quadro nada animador só pode vir com a criação e o amadurecimento de partidos políticos de massa, de âmbito nacional, assim como de um sistema educacional público abrangente e de boa qualidade. Se só isso não acaba com a alienação produzida pelos meios de comunicação de massa na anestesia da memória política, pelo menos podem servir de contraponto válido: a reelaboração da memória política segundo critérios diferentes e até contrários aos parâmetros do mercado. ”

Valter Duarte
Professor do Departamento Ciência Política/IFCS

“Devido ao crescimento dos meios de comunicação, perdemos a tradição oral. Antes, sabíamos sempre da história de nossas principais personalidades. As pessoas viviam nas ruas e o noticiário televisivo não era o principal meio de comunicação e sim os jornais escritos, que eram intensamente comentados.

Os meios de comunicação se omitem, só publicam o que lhes interessa e o que traga retorno financeiro. Os espaços são muito disputados, a memória não dá dinheiro, não tem patrocinador. É difícil competir com os meios de comunicação.

Hoje, as escolas não desenvolvem a memória, apresentam apenas uma memória formal e não política, enquanto na antiga escola pública havia cerimônias cívicas que mantinham a memória nacional.

A tradição popular brasileira foi esquecida em detrimento de sucessos internacionais. Não há incentivo em cultivar a cultura brasileira, que deveria permanecer na nossa tradição.

A educação, o descaso com a escola pública e os meios de comunicação são os principais responsáveis por essa falta de memória do brasileiro, que acaba sendo intencional, na medida que a preservação da memória não é rentável.

A competição pelo poder provoca o esquecimento das figuras políticas brasileiras, cada novo governante tenta apagar a memória de seu antecessor.

Uma figura política só é lembrada, quando ela não possui mais seguidores, como no caso de Juscelino Kubitschek. Faz parte do jogo político.

No Rio Grande do Sul foi feita uma tentativa de resgatar a história do estado e o sentimento gaúcho, através do esforço dos jornais da região, mas não obtiveram os resultados esperados, porque a integração nacional afastou os gaúchos da sua memória. ”