Olho no Olho

O diploma de jornalismo deve ou não ser obrigatório?

Luiza Duarte

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A obrigatoriedade do diploma de jornalista está sendo julgada pelo Superior Tribunal de Federal (STF). No dia 16 de novembro, o ministro Gilmar Mendes do STF suspendeu a exigência do diploma de jornalista, para a obtenção do registro profissional, atendendo a pedido de liminar do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. A não obrigatoriedade vigora até que ocorra o julgamento pelo STF do mérito da questão, ainda sem data marcada.

Ainda neste mês, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de manutenção do registro de jornalista a um médico paulistano que atua em um programa de rádio. Segundo o STJ, o registro só pode ser conseguido a quem tem diploma de nível superior.

O Olhar Virtual conversou com a professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFRJ, Vanessa Oliveira e a professora de Redação Jornalística da Escola de Comunicação, Lúcia Santa Cruz.

 

 

Vanessa Oliveira
Professora de Direito Constitucional Faculdade de Direito UFRJ

“O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, concedeu a liminar que suspendeu a necessidade do diploma. Ele cita dois artigos da Constituição. O primeiro é o artigo 5º, que fala do exercício de trabalho, oficio ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais. O que são essas qualificações profissionais? Se você perguntar na área do Direito, a qualificação profissional passa tanto pelo curso, como por ser aprovado em um estágio e fazer o exame de Ordem. Você pode se formar em Direito e jamais exercer a profissão, se não passar pelo exame de Ordem.

No caso do jornalista, é livre o direito de exercício da profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas por lei. O artigo 220 da Constituição Federal, citado no processo, fala da liberdade de pensamento. Ele trata da Comunicação Social, da liberdade de criação e expressão. A informação que é uma vertente da liberdade de expressão deve ser exercida sob qualquer forma, qualquer processo, sem sofrer restrição ou censura. O mesmo artigo assegura que não pode ser constituído nenhum embaraço a plena informação. É isso que o juiz argumenta para suspender a necessidade do diploma.

Para exercer a profissão de jornalista é necessário que haja um compromisso com a verdade. A questão mais complicada é contrapor as duas coisas. Compreendo os órgãos profissionais, que querem regulamentar o exercício da profissão. Isso é saudável, do ponto de vista qualitativo e da democracia, já que seleciona melhor o profissional que vai ser lançado no mercado. O órgão profissional pode ter essa função.

Desse ponto de vista, a decisão do Ministro é uma decisão controvertida, porque não estabelece um controle sobre o profissional. Por outro lado, existe a liberdade de informação, prevista constitucionalmente e esta liberdade está consagrada também na Lei de Imprensa. Essa é a grande discussão.

A grande decisão do Supremo Tribunal Federal tem que justificar, na sentença, qual a opção jurídica que está sendo feita para regulamentar a profissão. O que interessa a democracia é a manutenção da liberdade profissional ou a restrição imposta legislativamente ao exercício profissional. Temos um contraponto de princípios. A interpretação do artigo 5º e do 220 e da Lei de Imprensa, não é uma questão de tudo ou nada. Não vejo uma resposta pronta. Em Direito Constitucional Contemporâneo, a interpretação requer pensamento, os princípios têm peso, não são funcionais, como as regras.

Então é possível que o Supremo chegue a uma decisão. É preciso que ele contraponha um princípio ao outro. No caso da OAB, há uma lei Federal que determina, que só pode exercer a profissão de advogado aquele que for aprovado no exame da Ordem. No caso do jornalista, isso não está na Lei de Imprensa, não está regulamentado, logo a decisão tem que ser do Supremo com base em princípios constitucionais.”

Lucia Santa Cruz
Professora de Redação Jornalística Escola de Comunicação UFRJ

“Eu sou favorável a que o diploma de jornalismo seja obrigatório. Embora muita gente fale que não se aprende jornalismo na escola, não acredito que o jornalismo seja só uma vocação. É uma técnica e tem que ser aprendida. Principalmente o olhar jornalístico, que permite identificar o que é notícia, o que é relevante e desperta o interesse do público. Não é uma atribuição apenas de quem sabe escrever bem. Escrever bem, de forma objetiva e compreensiva é um atributo que todos deveriam ter, independente da profissão escolhida.

O jornalismo é muito mais, para ser um bom jornalista não basta expressar-se bem, tem que saber apurar direito e enquadrar o fato com o que é mais importante.É essencial saber averiguar os dois lados, ter um pensamento crítico, fazer comparações e contextualizar. É preciso ter uma preocupação que vai além do fato de escrever e saber falar na televisão. O olhar jornalístico é um olhar aprendido, não é um olhar natural, você não nasce jornalista.

Sou uma super defensora do diploma. A grande discussão é – será que um grande especialista em medicina não tem o direito de expressar sua opinião? Tem, mas como colaborador do jornal, fazendo um artigo, esporadicamente. Não dá para acreditar que esse profissional tenha condições de apurar e escrever uma notícia sobre um acidente, ou um problema na economia. Da mesma forma, um economista, pode escrever bem e fazer um artigo sobre algum assunto relacionado à esfera econômica. Ele vai ter uma linha, vai seguir uma corrente. Será que ele tem condições de apurar os dois lados? A própria prática profissional dele não é essa.

O jornalista, mesmo que tenha contato com médicos e seja especializado em medicina e saúde, não terá condições de sair receitando ou diagnosticando doenças. É preciso respeitar as especificidades de cada profissão. O jornalismo é uma área que acaba se relacionando e as fronteiras ficam bastante diluídas com outras áreas. As contribuições são importantes, mas o diploma é fundamental.

A faculdade é o espaço do aprendizado e experimentação da técnica. Há uma discussão enorme de que as faculdades não formam. Então vamos discutir o currículo e a forma como as universidades se comportam em relação ao curso de jornalismo. Não podemos achar que vamos melhorar a qualidade do curso ou dos jornalistas, acabando com o diploma, muito pelo contrário.

Por trás da não obrigatoriedade do diploma, existe um interesse empresarial, porque a partir do momento em que não se exige um diploma, se enfraquece a categoria, já que ela não precisa mais se organizar profissionalmente. Desta forma, a própria questão do salário, dos direitos e da luta por melhores condições de trabalho fica enfraquecida.

Quanto à discussão em torno da representação judicial do médico, que apresenta um programa no interior de São Paulo e quer ter o registro de jornalista, só posso achar que é uma vaidade pessoal, pois ele já está numa mídia de longo alcance. Qual o interesse dele em ter o registro? Não vejo sentido. Na televisão e no rádio vemos muitas situações complicadas, de pessoas que não são formadas.

É preciso ter um instrumento que qualifique essas pessoas para exercerem o jornalismo. A Folha de São Paulo usa como argumento contra o diploma, a questão da liberdade de expressão. Todo mundo tem liberdade de expressão, evidente. Você pode fazer um artigo, muito diferente de ser jornalista. Aprendemos que o jornalista não expressa sua opinião na hora de fazer uma reportagem. Jornalismo não é expressão de opinião, ainda que você tenha uma vertente de Jornalismo Opinativo. Mas no jornalismo diário, de cobertura da atualidade não tem como abrir mão do diploma.”