Olho no Olho

Mulher: novos tempos, velhos desafios

Aline Durães

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O feminismo, enquanto movimento contestatório, surge no bojo do Iluminismo, no século XVIII, na Europa Ocidental. Nas primeiras décadas do século XX, parte das reivindicações feministas, como o direito do voto para as mulheres, por exemplo, já havia sido conquistada, mas é a partir dos anos 60 desse século que o movimento ganha força e visibilidade no plano internacional.

Pautadas pela luta por igualdade de direitos entre homens e mulheres e pelo repúdio ao sexismo, as feministas questionavam a natureza patriarcal da sociedade, batalhavam vagas no mercado de trabalho e começaram a ocupar, gradativamente, cargos públicos, transformando a concepção do papel cultural a ser desempenhado pela mulher.

Avanços significativos aconteceram nesse sentido, mas ainda hoje, posturas machistas – explícitas ou não – predominam em muitos círculos sociais. Ser mulher implica, não raro, lidar com a discriminação intelectual, receber remunerações menores e sofrer violência física. Essa realidade não só fere os princípios apregoados quatro décadas atrás, como põe em xeque a real superação do modelo patriarcal de organização da sociedade.

Para refletir sobre essa questão, o Olhar Virtual entrevistou Eliane Bessa, socióloga do Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Prourb) e Maria Magdala Vasconcelos, diretora da Escola de Serviço Social (ESS). Confira abaixo as contribuições das duas pesquisadoras para a discussão.

 

Maria Magdala Vasconcelos
diretora da Escola de Serviço Social

"Alguns atributos sociais masculinos, como a associação entre o homem e a razão e a idéia do homem como expressão máxima do sujeito no espaço político, são, ainda hoje, fortes nas camadas de mais baixa renda; nas camadas mais esclarecidas, porém, existe uma busca de igualdade nas condições sociais entre homem e mulher.

Nas gerações anteriores, o homem era mesmo a figura portadora da razão, da decisão, do comando, do poder; ele era considerado o protetor e o provedor, mas com os anos 60, a mulher passa não só a reclamar, mas também a ocupar novos espaços públicos. Hoje, as divisões, na organização da casa e no prover do lar, estão notadamente mais igualitárias.

A partir dos anos 60, a organização dos movimentos de mulheres, principalmente o movimento feminista, foi um marco significativo na conquista da autonomia das mulheres; elas passaram a lutar para exercer efetivamente sua cidadania. A mulher passa a se colocar como um sujeito político, barganhando um espaço para que suas demandas fossem atendidas.

Até a década de 50, ainda existia uma hegemonia muito grande da figura masculina; a representação democrática, por exemplo, era muito centrada no homem; a partir da década seguinte, a mulher passa a questionar e assumir esse papel. A participação da mulher na Política é, ainda hoje, numericamente pequena, mas é simbolicamente significativa em várias instâncias.

A participação de Heloísa Helena nas eleições presidenciais desse ano marca bem esse desejo contemporâneo da mulher de se constituir em sujeito e não apenas coadjuvante da sociedade."

Eliane Bessa
socióloga da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

“Antigamente, a sociedade era extremamente machista. A mulher não participava do trabalho, ela era basicamente uma dona-de-casa, dedicada aos filhos e ao marido. Hoje, o papel da mulher mudou inteiramente. As questões econômicas levam mulheres a chefiarem famílias. Por conta disso, pode-se dizer que as sociedades são também matriarcais; não são mais totalmente patriarcais.

Em determinados segmentos da sociedade, em especial os de mais baixa renda, posturas machistas são ainda palatáveis. A violência, por exemplo, é uma realidade freqüente nesses setores, pois a mulher ainda manifesta o medo de denunciar as agressões domésticas e ainda mantém uma descrença em relação às instituições de defesa da mulher.

A mulher, por se dedicar a outras tarefas, não se envolveu muito em Política, mas ela está chegando lá. Estamos no crescente: cada vez, um número maior de mulheres consegue destaque nessa área. Em grande parte, o passado acaba influenciando, porque a mulher entrou no mercado de trabalho tardiamente e, de início, desempenhou papéis muito relacionados aos serviços domésticos. A tendência é que ela participe com uma freqüência ainda maior nas esferas de poder.

O machismo sempre vai existir, mas é importante ressaltar que uma das responsáveis por esse machismo é a própria mulher. Quando ela impede que o filho lave roupas, por exemplo, e estimula a filha a se dedicar a serviços domésticos, ela está, na verdade, plantando as primeiras sementes do machismo. Homem e mulher são mesmo diferentes em termos de gênero, não somos iguais, mas isso não significa aplicar essa diferença o tempo todo no cotidiano."