Olho no Olho

ProUni: privatização ou democratização do ensino?

Priscilla Bastos

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Uma das grandes bandeiras levantadas pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, antes e depois das eleições, foi a questão da Educação Superior. O governo Lula criou o Programa Universidade para Todos (ProUni), que se propõe a oferecer vagas em universidades particulares àqueles que não têm acesso às públicas e que não podem pagar pelas privadas. Entretanto, há certos questionamentos em relação ao programa, pois ele pode ser, para alguns, uma espécie de democratização do ensino, mas, para outros, um estímulo à privatização.

Para discutir o programa, o Olhar Virtual conversou com o professor e decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Marcelo Correa e Castro, e com o graduando em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em História pela Universidade Federal Fluminense, Diego Vieira.

 

Marcelo Correa e Castro
Decano do CFCH

"A princípio, o Governo criar o sistema pelo qual ele aproveita vagas ociosas dentro de universidades particulares parece interessante. Se existem vagas ociosas e se o Brasil realmente tem um baixo índice de escolaridade, caso considerarmos países do mesmo padrão de desenvolvimento, estamos muito aquém do que deveriamos. Primeiramente tem-se que aumentar de forma expressiva o número de vagas no ensino superior. A partir daí, alguns questionamentos devem ser levantados. Que vagas são essas? O ensino superior é bom? Ele promove um crescimento social ao ampliar a formação geral da pessoa? Se você pega uma vaga no ensino superior de uma instituição que não tem um bom corpo docente ou uma atividade de pesquisa relacionada ao ensino, ou seja, que trata o ensino superior como uma mercadoria vendida ao maior preço pelo menor custo, essa vaga não fará uma diferença expressiva. Não creio que valha a pena ter uma política de governo para comprar essas vagas, assim como não vale a pena dar subsídios, isenções fiscais para instituições privadas funcionarem. A educação deveria ser oferecida em todos os seus níveis; uma educação de qualidade, gratuita e laica por parte do Estado. A existência de oferta de educação no âmbito do sistema privado deveria ser possível sim, mas como opção.

Não sou contra, levando-se em consideração uma sociedade democrática, em que ninguém pode ser contra a existência da pluralidade; mas acho que, no caso da Educação e até da saúde, a garantia do bem social por parte do Estado é imprescindível. Nesse mundo ideal, não precisa ProUni. Mas a verdade é que ainda não se tem nos ensinos Fundamental e Médio, apesar do aumento da oferta de vagas, qualidade. Agora, no caso do ensino superior, estamos muito mais longe de ter.

O ProUni só pode ser encarado como algo minimamente positivo se visto como uma espécie de tampão, algo provisório, em uma política social que tem outro horizonte, que não seja o de apenas dar vagas. Acho que o Governo está criando universidade, mesmo com todos os questionamentos. Surgiu até a questão sobre a distribuição de vagas para professores, porque, hoje, há mais vagas para cursos novos, noturnos, projetos de interiorização. Foi mais fácil arranjar, por exemplo, vaga para o Nupem, lá em Macaé, do que para os que já existem. Há uma disposição do Governo de ampliar o conjunto de instituições federais, o que é muito positivo.

O ProUni fica, talvez, como algo positivo, apesar de achar que ele é um equívoco, pois investe-se muito para o retorno que ele tem. É verdade que, mal ou bem, está-se colocando uma quantidade expressiva de pessoas no ensino superior. Entra-se, porém, em um outro questionamento: as pessoas que ali estão têm condições de fazer um curso superior? Não adianta só dar a vaga; é até o que chamaria de perversidade social, pois a pessoa aspira muito fazer um curso superior, mas um bom curso superior. Dessa forma, será que o curso é bom, será que essa pessoa terá condições de cursá-lo, será que está preparada para isso? E se ela não estiver bem preparada como superará esse déficit ? Ela vai ter ajuda de custo para fazer o curso? Isso se vê hoje na própria UFRJ, que não tem ProUni. Cada vez mais temos, nos cursos do CFCH, por exemplo, alunos que não podem ir a aula todos os dias ou comprar um livro porque não têm condições. É bom ter um acesso democrático, mas não colocar uma pessoa para fazer um curso sem que ela possa. É necessário que se dê apoio pedagógico e até material, e acho que o ProUni também não prevê isso.

A relação custo/benefício do ProUni, no meu modo de ver, não compensa."

Diego Vieira
Graduando em Comunicação Social pela UFRJ e em História pela UFF

“Entendo o PróUni como, acima de tudo, uma oportunidade de ensino superior àqueles que não podem tê-lo. Logicamente que não é a melhor solução, mas já é um começo, uma opção. Ele oferece bolsa de estudo às pessoas de baixa renda, ou seja, que dificilmente terão acesso às universidades públicas ou conseguirão pagar por uma particular. Nessa questão, encontramos um problema, pois é possível burlar esse sistema de seleção de quem é ou não de baixa renda. Há casos de gente que entrou para a PUC, por exemplo, pelo ProUni e depois abandonou, continuando na segunda universidade que cursava, no caso, uma pública. Uma espécie de experiência de alguém de classe média, que, de alguma maneira, conseguiu comprovar renda e se utilizou do programa para experimentar.

Claro que se pensarmos sempre dessa forma, contando que alguém se utilizará de algo que não precisa, nada será feito. Essa discussão já foi feita várias vezes na época em que o sistema de cotas começou a ser implementado aqui no Rio de Janeiro e, até hoje, há dúvidas quanto às pessoas que são contempladas por ele. Mas há realmente quem se utilizou das cotas e, agora, do ProUni para chegar ao ensino superior. É uma chance para quem não teve as mesmas oportunidades dos universitários padrão - jovens de classe média e alta, brancos, estudantes de escolas particulares, em sua maioria - de tentar melhor posição no mercado de trabalho, em que nem o diploma de universitário, somente, é garantia de sucesso.

Muitas pessoas são contra o ProUni ou por ele ter vindo com o Governo Lula ou por achar que não é a melhor solução. No primeiro caso, a política e seus interesses deveriam ser deixados de lado, e as necessidades reais da população postas como prioridade. É a velha história de que se não pode ajudar, pelo menos não atrapalha aquilo que pode ser um primeiro passo. Já no segundo caso, realmente o ProUni pode não ser a melhor solução para a questão do ensino superior no Brasil. Não adianta só criar vagas, é preciso que essas vagas sejam de qualidade, que garantam uma boa educação superior e, acima de tudo, que possam ser utilizadas do início ao fim, pois muitos jovens de baixa renda têm dificuldades inclusive de locomoção para a universidade. Além disso, acredito que o ProUni devesse ser feito paralelamente a um investimento real na educação brasileira: mais universidades quantitativamente, mais vagas nas já existentes, mais vagas em todos os níveis educacionais. Criar na população, principalmente a de baixa renda, a consciência de que estudar é fundamental e que, com o estudo, as chances de sair daquela situação, de ter uma vida melhor que a do seu pai, por exemplo, são maiores.

O ProUni só não pode ser usado como bandeira de campanha política do tipo "pelo menos eu fiz isso, fiz aquilo". Ele tem que ser feito com qualidade e cada vez mais aperfeiçoado. Já é uma iniciativa, que, até então, não se tinha. O Brasil é um país desigual e extremamente injusto, então políticas como essa são necessárias, uma vez que necessitamos de ações imediatas. Mas pensar no médio e longo prazo também é muito importante. O ProUni, por isso, deveria vir acompanhado de outras ações que mirassem mais no futuro, pois o Brasil nunca parou seriamente para pensar ou executar ações educacionais para as gerações futuras; sempre foi tudo no imediato. Como um primeiro passo, o programa é válido e digno de reconhecimento."