Ponto de Vista

As oportunidades para um Rio olímpico

Diogo Cunha

Publicado na edição nº. 271, em 14 de outubro de 2009


A escolha do Rio para sede da Olimpíada de 2016 foi celebrada pela população carioca. O sentimento de orgulho pode ser percebido num entendimento coletivo do significado histórico desta vitória. No entanto, um certo ar de desconfiança quanto ao cumprimento de metas e prazos estabelecidos não deixou de pairar. Para o professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ Almir Pita, não há como negar que a vinda dos jogos para o Rio pode ser positiva, gerando melhorias incomensuráveis para a cidade. No entanto, muito trabalho precisa ser feito.

Olhar Virtual: Há grande possibilidade de a realização dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio ser um marco para a revitalização da economia do município?

Almir Pita: Tudo leva a crer que, seguindo as tradições das edições anteriores dos Jogos Olímpicos, haverá algum impacto na economia do município do Rio de Janeiro, tal como ocorreu em Barcelona (1992), Sydney (2000) e Beijing (2008).  As perspectivas de investimentos e de um planejamento mais direcionado para um evento de caráter global, aliadas aos exemplos históricos, são alguns dos argumentos que apoiam tal possibilidade. Sabe-se que os anos que antecedem os Jogos são em geral bastante positivos em termos econômicos, tendo em vista o aumento dos investimentos, do emprego, construções, transportes, comunicação, dentre outros. Mas, para que isso de fato ocorra, é preciso muito trabalho, seriedade e responsabilidade por parte dos agentes sociais públicos e privados. E, para que tal evento possa vir a ser considerado um marco, como a pergunta sugere, é necessário um projeto contínuo, pré e pós-2016.  

Olhar Virtual: Ao longo da segunda metade do século XX e nessa primeira década do século XXI, tem havido um processo de redução da importância econômica do município do Rio para a economia brasileira. A Olimpíada pode inverter esse processo?

Almir Pita: É preciso, antes de tudo, pensar a redução da importância econômica do Rio de forma relativa.  Tal “perda” corresponderia a ganhos obtidos por outras cidades no cenário nacional, além de indicar que o ponto de partida do Rio de Janeiro foi bem anterior. Tal perda é, portanto, parte do processo histórico peculiar do município, que, tendo sido capital do Brasil até meados do século XX, teve sua trajetória política, social e econômica marcada por esse fato.  A cidade de Barcelona, por exemplo, aproveitou sabiamente a oportunidade de sediar as Olimpíadas de 1992, superando o quadro de estagnação em que se encontrava, tornando-se uma metrópole de expressão global. É, portanto, possível que algo semelhante possa vir a ocorrer no Rio de Janeiro. Mas os Jogos Olímpicos não devem ser considerados  uma tábua de salvação. Há de se pensar para além de 2016. 

Olhar Virtual: Qual a possibilidade de setores aparentemente estagnados no Rio, como o industrial, serem “reaquecidos” com a Olimpíada?

Almir Pita: As possibilidades existem e são múltiplas.  O estado do Rio de Janeiro ainda concentra atividades importantes da indústria de transformação, a exemplo da têxtil, de alimentos, metalúrgica, química, construção naval, siderúrgica.  A extração de petróleo, a cargo da Petrobras, é atualmente a principal fonte geradora de renda para o estado.  Por outro lado, sua economia encontra-se cada vez mais ligada aos serviços, inclusive de alta tecnologia.  Esses setores, ligados às áreas de informática, as redes de  transmissão de dados e imagens, telefonia móvel e seus desdobramentos, serão bastante estimulados em seu desenvolvimento (qualitativo e quantitativo) antes mesmo do início do evento.  É possível ainda que  preocupações como o meio ambiente, a exemplo do que ocorreu em Sydney, inseridas nas pautas de planejamento dos jogos, possam estimular e acelerar pesquisas e experimentos no uso de tecnologias mais ajustadas a essas preocupações. O principal cuidado deve estar voltado para o aproveitamento e a integração desses benefícios para além do período e da área onde serão realizados os Jogos.  

Olhar Virtual: Que setores da economia mais devem ganhar com a Olimpíada no Rio?

Almir Pita: Os setores mais diretamente beneficiados com os Jogos Olímpicos são, em geral, os ligados à construção civil, as obras de infraestrutura urbana.  Trata-se de um setor que, historicamente, tem tido um papel importante no desenvolvimento econômico da cidade, desde o início do século XX, com as reformas urbanas promovidas na gestão do prefeito Pereira Passos.  O efeito multiplicador das obras urbanas incidirá  sobre os ramos de transportes, meios de comunicação, serviços em geral, além do turismo e educação. As expectativas de melhorar o posicionamento no quadro de medalhas é um forte argumento para aumentar os estímulos à educação e  cultura. As diversas modalidades esportivas, certamente, terão uma demanda crescente nos próximos anos, o que exigirá mais e melhores instalações e profissionais especializados. 

Olhar Virtual: O que poderá ser feito para manter esses setores "aquecidos" depois dos Jogos?

Almir Pita: Acredito que seja quase impossível manter esses setores “aquecidos”  no mesmo nível de antes dos Jogos. A experiência passada indica que há um período de auge nos investimentos, que se concentra  nos anos próximos à realização do evento, seguido de uma desaceleração. É importante, portanto, que esse projeto não apareça dissociado de um planejamento urbano local de mais longo prazo.  Pensar a cidade de forma contínua é uma tarefa de responsabilidade de todos nós; empresários, governos, setores organizados da população devem ter nessa tarefa uma condição essencial de se garantir a cidadania. Os Jogos podem representar uma oportunidade ímpar para tirar do papel e/ou acelerar a realização de projetos urbanos fundamentais para a cidade e a região, que transcendam o período das competições e se transformem em ganhos permanentes para sua população.  

Olhar Virtual: Áreas como saúde e educação parecem não receber a mesma atenção que outras neste processo. O senhor acredita que tais setores também têm a ganhar com os possíveis lucros gerados tanto pela Copa de 2014 quanto pela Olimpíada de 2016?

Almir Pita: Em relação aos setores de educação e saúde, num momento como esse, é claro que são feitas “escolhas estratégias”.  Alguns setores são mais privilegiados em detrimento de outros.  Acredito, porém,  que o setor de educação como um todo possa vir a ser beneficiado com os eventos de 2014 e 2016. Mas, para isso, será preciso contar com alguma pressão política.  Os benefícios para a educação vão desde  instalações  mais adequadas à  realização de diferentes modalidades esportivas, a profissionalização das mesmas,  a formação de pessoal especializado.  Nesse aspecto, retomo o tema da continuidade já mencionado.  Concluídos os jogos, por que não utilizar as instalações herdadas para ampliar o número de salas de aulas regulares, para o ensino técnico, por exemplo?  A experiência abortada do Sambódromo transformado em salas de aula não poderia vir a ser reeditada no pós-Olimpíada? Essas estruturas já não contariam com uma rede de transporte integrada com as demais áreas da cidade? Centros comerciais, áreas de lazer, centro de saúde, de pesquisa, dentre outros, não poderiam vir a ocupar as áreas destinadas às competições, adaptando-as para novas funções? Não temos os exemplos das antigas fábricas têxteis adaptadas e transformadas em centros de compras? Enfim, acho que mesmo esses setores “negligenciados”  podem vir a auferir benefícios com as Olimpíadas no Rio, porém não de forma automática, pelo simples jogo das forças do mercado.

Olhar Virtual: O senhor considera que os benefícios trazidos para a população carioca com as melhorias em transportes, urbanismo e meio ambiente recompensariam eventuais gastos com a verba destinada aos investimentos para os Jogos?

Almir Pita: Devemos sempre pensar em termos  de investimentos que possam vir a produzir os resultados para os quais foram destinados.  Ou seja, antes de tudo é necessário um planejamento adequado, consciente e exequível.  Nesse ponto, temos que reafirmar a necessidade de transparência nos gastos, assim como na criação de instâncias fiscalizadoras que tenham algum poder jurídico.