Entrelinhas

Dicionário de Poética: fonte de questões e ideias

Thor Weglinski


O Dicionário de Poética e Pensamento Online é uma obra do professor Manuel de Castro, realizada em parceria com estudantes de graduação e pós-graduação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Poética (NIEP) da Faculdade de Letras da UFRJ. Diferente dos dicionários tradicionais, o trabalho de Castro busca, através da mídia virtual, definir questões, e não conceitos semânticos. Cada palavra leva a diferentes considerações e ideias.

A ideia do dicionário surgiu quando Manuel de Castro observou que um antigo professor seu guardava fichas com trechos de livros. Começou então a produzir suas fichas quando iniciou o mestrado em Letras, na década de 1970. Mas a concretização da obra só foi possível em 2009, com a ajuda dos alunos do NIEP.

Olhar Virtual: Qual a principal utilidade do dicionário?

Manuel de Castro:Sou professor titular de Poética da UFRJ e minha casa de trabalho é nossa universidade. Porém, o saber aqui produzido tem que ter um alcance universal. Neste sentido, o dicionário é útil não só para os alunos e professores da UFRJ, mas para qualquer pesquisador e leitor que queira pensar e aprender mais. A meta é atingir o público que queira saber mais e questionar. E não só do Brasil. Via internet, o dicionário já está sendo divulgado e conhecido no exterior. Já recebi um e-mail do professor Jean-Marie Grassin, da Universidade de Limoges, na França. Ele também dirige um dicionário digital: Dicionário Internacional de Termos Literários (DITL), e já colocou o nosso link na página. Será feito um intercâmbio. Hoje as infovias estão tornando a universidade, de fato, uma uni-versidade.  Isto é, local de produção de conhecimentos para todos, para o uni-verso.

Olhar Virtual: O senhor pensa em aproximar mais o dicionário dos leitores, permitindo que eles possam também colocar no site seus pensamentos sobre determinada palavra?

Manuel de Castro: O dicionário não tem os mesmos princípios do Wikipedia. É um
trabalho mais profundo, e não meramente informativo. Para isso, basta consultar a própria Wikipedia. Isso não impede, de maneira alguma, que os leitores possam enviar passagens e pensamentos sobre determinada palavra (ver no próprio dicionário o e-mail). Mas passarão sempre pelo corpo de redatores do dicionário e, depois, as contribuições escolhidas serão submetidas a mim, que sou o autor e responsável  e tenho sempre a palavra final. Porém, quando a contribuição for acolhida, será dado o crédito ao autor da contribuição. Haverá sempre a fonte bibliográfica. Estamos inteiramente abertos e receptivos às boas contribuições. Os critérios fundamentais serão: questões e pensamentos poéticos.

Olhar Virtual: O fato de o dicionário ser digital pode ser um grande atrativo também para pessoas que não usam os dicionários tradicionais?

 Manuel de Castro: O fato de ser digital tem enormes vantagens. Primeiro, ele não para de crescer. A qualquer momento podem ser acrescentadas novas palavras e novas fichas. Segundo, para os leitores não custa nada. É só digitar o endereço e entrar, de onde estiver e seja com que aparelho for. Terceiro, tem um alcance mundial. Pode ser acessado de qualquer parte do mundo. Quarto, pela versatilidade da plataforma da Wikipedia, há uma vantagem ainda maior em relação aos dicionários tradicionais: os links. O leitor logo observará que em cada ficha há palavras na cor azul. São links. Se o leitor clicar numa dessas palavras, será aberto um verbete, que por sua vez tem as fichas com links, e, assim, o leitor estará consultando uma obra de ideias e questões.

 Olhar Virtual: O senhor acha que, com um possível aumento dos dicionários digitais, o uso dos dicionários comuns irá diminuir?

Manuel de Castro: Os dicionários conforme os conhecemos têm sua origem na modernidade, na tomada da razão como padrão e medida de verdade, gerando os conceitos como base de todo conhecimento, e não as questões. Estas são próprias das grandes obras de arte. Grande obra de arte é aquela que não se restringe a recursos retóricos e sofísticos, mas se move nas questões. Num segundo aspecto, os dicionários tradicionais são tributários do novo suporte que inaugura a modernidade, depois da invenção da escrita: a imprensa, que gerou o livro como o conhecemos atualmente. Ora, estamos diante de um novo suporte técnico: a escrita digital e a internet. Toda a cultura, todo o ensino sofrem profundas modificações diante da invenção de novos suportes. Sempre foi e será assim. Isso não quer dizer que os dicionários tradicionais acabarão. De maneira alguma, porque a memória histórica se compõe de três instâncias: acumulação, transmissão e produção do novo. Em alguma dessas instâncias eles continuarão. O Dicionário de Poética e Pensamento está mais voltado para a produção, para o poético. Não quer acumular nem transmitir nada. Nosso dicionário traz o novo diante das possibilidades novas, sem achar que vai tornar os outros desnecessários. Ele exige muito, exige que o leitor pense. E isso é cada vez mais difícil, mas cada vez mais necessário. Ele não oferece nada fechado, acabado, conceituado, sabido. Cada palavra e cada ficha exigem do leitor tomadas de posição próprias, pessoais, inaugurais. O horizonte do humano é a essência do pensar. E o humano é a realidade se realizando.     

Olhar Virtual: Quais as vantagens e desvantagens de um dicionário digital em relação ao dicionário comum?

Manuel de Castro: Pessoalmente só vejo vantagens: não custa nada, está permanentemente acessível e em qualquer lugar. Até no celular etc. Além disso, permite uma contínua atualização e indefinido crescimento. Isso, de certo, dá  certa angústia, porque destrona o pseudopoder  da razão de  tudo poder organizar e conceituar, de reduzir a complexidade e riqueza da realidade a leis universais de causa e efeito. Não é que não deva continuar o esforço racional. Não é isso. A questão é sempre mostrar que a realidade é mais rica e complexa do que a medida do racional. Para ser mais claro, diria que as questões sempre vigoram nos interstícios dos conceitos. Esse é o lado poético da vida, essa fonte inesgotável da realidade. E isso é ótimo. Sempre vale a pena viver, desde que sempre se questione. A nova realidade digital não é negativa, apenas exige uma nova realidade.