Entrelinhas

História para comunicadores

João Pedro Dutra Maciel


Lançado oficialmente em agosto de 2009 pela Editora E-Papers, o livro Introdução à História da Comunicação, organizado por Pablo Laignier e Rafael Fortes, busca tornar acessível, principalmente para os alunos de graduação do curso de Comunicação Social, os muitos tópicos presentes no extenso conteúdo da disciplina História da Comunicação. A obra, que remonta o tema desde o início da oralidade até a era dos computadores, teve o desafio de englobar de maneira didática e concisa um vasto período.

Introdução à História da Comunicação foi apresentado nas edições deste ano do Intercom (principal Congresso de Comunicação do Brasil) e do Ulepicc (Congresso Internacional sobre Políticas de Cultura e Comunicação, realizado na Espanha). Segundo Pablo Laignier, doutorando e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, faltava no Brasil um livro que fizesse isso, se preocupando em retratar, ao mesmo tempo, os fatos históricos nacionais e mundiais. Além de destacar a ausência de memória do povo brasileiro, Laignier afirma ainda que a função da História é estabelecer, de forma crítica, uma ponte entre passado e presente.

Olhar Virtual: Como surgiu a ideia de fazer o livro?

Pablo Laignier: Foi em janeiro de 2007. Eu já lecionava a disciplina História da Comunicação há dois anos numa universidade particular e estudava muito para poder dar as aulas porque a quantidade de detalhes que levava para os alunos era muito grande. Eu também tinha muita vontade de publicar alguma coisa minha. Sempre tive algumas ideias, mas elas nunca eram boas o suficiente. Nessa época vi alguém fazer um livro compilatório sobre outra matéria, mas que não era algo novo. Aí veio na minha cabeça a História da Comunicação. Nós (professores) tínhamos que trabalhar com os alunos com muitos textos e muitas xeroxes para poder englobar toda a ementa da disciplina, não só na universidade em que eu trabalhava, mas em todas as outras do Brasil. Os alunos reclamavam muito de ter que ler demais. É claro que precisamos incentivá-los a ler, mas a gente sabe que o aluno também precisa fazer outras matérias e estágios. Pareceu-me que esse sistema não estava funcionando. Foi então que eu convidei um grande amigo meu, Rafael Fortes, que é um cara muito responsável e que eu admiro muito, para dividir comigo a responsabilidade de organizar meu primeiro livro.

Olhar Virtual: Então o principal objetivo do livro foi oferecer para o leitor um grande apanhado da História da Comunicação?

Pablo Laignier: Sim. A intenção foi fazer algo sintético e voltado para o aluno de graduação de Comunicação. Nós (organizadores) seguimos basicamente o conteúdo programático da disciplina. É bom ressaltar que esse não é um livro simplesmente com uma coletânea de artigos. Ele tem início, meio e fim. Retratamos desde os primórdios da comunicação, até os tempos atuais do ciberespaço. Nosso objetivo foi fazer uma compilação. Não discutimos a História com um olhar original, não inventamos nada, mas montamos uma ferramenta que faltava para que os professores possam utilizar dentro de sala de aula. A gente deixa isso bem claro. O livro é uma introdução aos assuntos, quem quiser se aprofundar mais especificamente pode utilizar as referências que nós damos no final de cada capítulo, com indicações de outros textos mais restritos. Acho que a gente acertou na escolha do tema do livro. Isso ficou mais evidente principalmente depois que ele ficou pronto. No Intercom, por exemplo, pude vender o livro para pessoas que haviam sido citadas nele. Não havia, realmente, nenhum livro com esse perfil para os alunos de graduação. Existem sim livros bons sobre História da Comunicação, mas os que eu diria que são os melhores, ou eles falam muito do Brasil, ou  falam muito do mundo, com enfoque só na Europa e nos Estados Unidos.

Olhar Virtual: Quem são os autores dos artigos e por que eles foram escolhidos?

Pablo Laignier: Nós chamamos professores que pertenciam ao nosso círculo acadêmico, todos graduados em Comunicação. Convidamos pessoas que trabalhavam conosco na faculdade privada. A universidade particular tem por hábito enfocar muito a questão do mercado. Dá-se muita atenção ao lado prático, com a realização de muitos laboratórios. Buscamos basicamente pessoas que a gente já conhecia, que já lecionavam essa disciplina há muito tempo, alguns há mais de dez, quinze anos, e que tivessem ímpeto também para investir nesse lado mais teórico. Uma chance para esses especialistas que também sempre quiseram publicar alguma coisa, mas que não haviam tido essa oportunidade. Além de mim e do Rafael Fortes, que tem graduação em História e trouxe para o livro um olhar um pouco diferenciado, não relacionado apenas com relatos de fatos heroicos, chamamos também as professoras Andréa Vale e Isabel Spagnolo, e os professores Wilson Oliveira Filho e Rogério Sacchi.

Olhar Virtual: Como foi feita a estruturação do livro?

Pablo Laignier: O livro foi dividido em nove capítulos. Pensamos em quem escreveria melhor cada assunto e pedimos para cada um elaborar um capítulo a respeito. Por exemplo, o Wilson Oliveira dá aulas sobre cinema, então ele ficou responsável por essa parte. No primeiro capítulo eu faço um panorama geral a partir do início da oralidade, desde o primeiro grito até o surgimento da prensa com Gutenberg, no século XIV. No capítulo seguinte, Rafael Fortes retrata como a tipografia ajudou a desenvolver a impressão e as consequências disso até o século XVIII. O capítulo 3 é escrito pela Andréa Vale, que fala sobre a industrialização da imprensa, do início da comunicação em massa e do sensacionalismo. O quarto, também do Rafael, aborda o aparecimento dos primeiros jornais no Brasil, no contexto da vinda da família real portuguesa, até o aparecimento da imprensa operária e sindicalista no país. Sobre a relação importantíssima entre cinema, fotografia e comunicação, no capítulo 5, quem escreve é o Wilson. Nos capítulos 6 e 8, quem assina os artigos é Isabel Spagnolo, que discute, respectivamente, a importância do rádio como meio de comunicação no Brasil e no mundo, além das relações estabelecidas com as ditaduras, chegando até a modernização da imprensa. O sétimo capítulo é de autoria do especialista Rogério Sacchi, que já havia escrito um livro sobre a história da TV e enfatiza principalmente a produção nacional. No fim, eu volto a falar sobre as novas relações sociais estabelecidas a partir das redes virtuais e do advento dos computadores, com uma visão muito particular.

Olhar Virtual: Existe, na sua opinião, algum ponto específico do conteúdo da História da Comunicação que seja mais esquecido ou negligenciado pelos professores da disciplina?

Pablo Laignier: Isso é algo muito individual, depende muito de cada professor. Principalmente os da universidade pública, que têm uma autonomia muito grande. Nas particulares, há uma cobrança maior, então os professores têm que arranjar alguma forma de dar o conteúdo. É difícil de dizer, mas acho que há uma lacuna principalmente de livros. Esse livro parte disso, de uma necessidade prática. Muitos professores já começaram a utilizar nosso livro e estão vendo como é útil ter uma produção sintética, seguindo uma linha histórica. Geralmente, as pessoas tendem a falar do que é mais atual e negligenciam o que é mais distante historicamente. É muito difícil também o profissional que leciona essa disciplina ser especialista em tudo. Cada professor vai ter aulas melhores do que outras, acho que isso varia.

Olhar Virtual: Considerando esse conteúdo muito extenso, não seria o caso de dar continuidade à disciplina, criando História da Comunicação I, II, III, como já fazem com outras matérias para evitar prejuízo no aprendizado dos estudantes?

Pablo Laignier: Em termos de volume de informação seria bom, se realmente se seguisse um padrão de continuidade. Muitas dessas matérias que têm mais de uma disciplina na sequência nem sempre estão conectadas. Mas seria ótimo, pois haveria mais tempo. Não sei nem se seria o essencial, mas o que não pode deixar de existir, dentro das faculdades, é a História da Comunicação. Muitas universidades de São Paulo, por exemplo, estão desvalorizando essa cadeira do curso de graduação e já a retiraram de suas grades. Tem gente que diz que História não serve para nada e acompanha esse pensamento pós-moderno sobre o fim da História. Eu acho que isso é uma bobagem. Pode-se até repensar para que serve a História, qual a sua função, mas acho que ela é fundamental. Isso é definitivo.

Olhar Virtual: E o que esse abandono à História da Comunicação poderia ocasionar?

Pablo Laignier: Acho que o Brasil dá pouca importância para a História. Existem certos conhecimentos culturais, históricos, de época que, sem eles, como é que a pessoa vai ser um bom jornalista? Como você vai discutir o que é jornalismo se você não sabe o que veio antes? Essa época é cheia de proliferação de mensagens, mas nem sempre foi assim. Estudar História significa perceber onde alguma coisa continua e onde alguma outra coisa se rompeu. O homem que está progredindo tem algum vínculo com o homem que ficou lá atrás. Eu acho que a História é uma das coisas mais fundamentais para a formação de qualquer profissional, não só na área de comunicação, pois permite que você reflita sobre a origem da sua profissão e faça conexões com o presente. No jornalismo, por exemplo, a tônica já foi a busca da verdade, um jornalismo de opinião. Hoje, a notícia virou uma mercadoria a ser oferecida. Os parâmetros da profissão mudaram e é essencial que se tenha noção disso, através de conhecimentos históricos.

Olhar Virtual: Esse descaso com a História ajuda a corroborar a máxima que diz que o povo brasileiro não tem memória?

Pablo Laignier: Na minha opinião, sim. Nós contamos a História do Brasil através dos meios e o jornal é a melhor evidência para isso. Sempre que contamos a História recente do Brasil nos utilizamos dos jornais, mesmo a maioria da população tendo muito mais acesso à televisão. Os jornais possuem um grande acervo na Biblioteca Nacional. Se você for à TV Globo pesquisar a história da televisão, eles não te darão acesso ao material. É muito difícil de conseguir. Isso é um problema, principalmente em um país onde se vê tanta televisão. Nos EUA, por exemplo, que possuem uma cultura efêmera e de consumo, existe  maior preocupação cultural e uma valorização maior da memória. Isso não foi sempre assim, mas no caso do blues, hoje em dia, existem ótimos documentários sobre o assunto. Quando se tornou algo interessante mercadologicamente falando, começaram a gerar mais produtos sobre o blues. Eu acho que, no caso do Brasil, faltam mais documentários sobre samba, sobre choro. A gente tem uma cultura muito ampla, com música boa, teatro bom, cinema bom. As crianças e os adolescentes saem das escolas hoje sem saber quem é Nelson Rodrigues, um dos maiores autores de teatro do Brasil. Esse é só um exemplo, existem muitos outros. Acho que a gente tinha que ter mais memória sobre essas coisas. E sem História a gente não tem memória. É muito importante que se valorizem mais o presente e o Brasil, e se incentive a formação de um pensamento crítico.