Entrelinhas

Espaços livres: ponto-chave na ordenação territorial

Vanessa Sol

capa do livro

Espaços livres: sistema e projeto territorial é a obra recém-lançada por Raquel Tardin, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. Desenvolvida a partir da elaboração de sua tese de doutorado na Universidad Politécnica de Cataluña, ela elabora um método interdisciplinar de reconhecimento, análise, avaliação e proposta de ordenação dos espaços livres como condutores do projeto territorial, tratando da importância e do papel que podem desempenhar esses espaços na conformação de uma cidade.

Para a autora, os espaços desempenham quatro importantes papéis na ocupação do território: o urbano, o social e cultural, o perceptivo e o biofísico. No entanto, esses espaços, no planejamento urbano, vêm sendo tratados como áreas passivas, configurando-se como local de proteção ambiental ou passível de ocupação. Contudo, a pesquisadora destaca que os espaços livres devem ser entendidos como “pontos de ordenação territorial” que “desempenhariam um papel fundamental para definir quais deles seriam mais convenientes em permanecer livres e quais poderiam receber algum grau de ocupação”, ressalta Tardin.

A escolha da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá para estudo de caso ocorreu pelo fato de a professora acreditar que a região se apresenta como “uma área que tem muita força em relação a seus espaços livres e uma configuração especial singular referente a sua estrutura geográfica e urbana, além de ser uma área em vias de consolidação urbana, o que permite pensar em sua reestruturação”.

Para entender um pouco mais sobre como os espaços livres podem ser peças fundamentais na ordenação de áreas não ocupadas pelos assentamentos ou pelas infraestruturas viárias, confira a entrevista concedida por Raquel Tardin ao Olhar Virtual.

Olhar Virtual: Como surgiu a ideia de escrever o livro?

Este livro derivou da minha Tese de Doutorado, que desenvolvi nos anos 2001 a 2005 na Universidad Politécnica de Cataluña (UPC-Barcelona). Quanto à tese, o tema dos espaços livres como possíveis “vertebradores” do território me chamou a atenção a partir da observação do crescimento das cidades e da existência de uma série de espaços livres, sejam naturais, agrícolas etc., que permanecem em meio à ocupação urbana, e da possibilidade de repensar seu destino para além da ocupação ou a proteção. Em geral, os espaços livres vêm sendo tratados no planejamento urbano como áreas de preservação ambiental, como peças isoladas, ou como área passível de sofrer ocupação urbana. Em ambos os casos, ao espaço livre é atribuído um papel passivo em relação ao avanço da ocupação urbana. A partir desse ponto, o livro considera a possibilidade de que o espaço livre, ao contrário, seja considerado a priori para a ordenação territorial. Para tanto, os atributos desses espaços desempenhariam um papel fundamental para definir quais deles seriam mais convenientes em permanecer livres e quais poderiam receber algum grau de ocupação, segundo suas qualidades biofísicas, visuais, seu entorno urbano, capacidade de suporte etc. O critério é a construção de um sistema de espaços livres como costura entre as partes do território que, ao mesmo tempo, é diretriz para a ocupação e interage com esta, gerando um diálogo de dupla via que permite criar novas formas de ordenação e projeto. Isso inclui a formalização e a gestão de espaços livres de distintas índoles, desde os tradicionais parques e reservas, até novos tipos de espaços livres e de ocupação urbana, além de outros instrumentos de proteção etc.

Olhar Virtual: Qual é o papel dos espaços livres na ocupação do território? Qual é a sua importância?

Os espaços livres desempenham importantes papéis na ocupação do território e são peças fundamentais a serem consideradas para sua estruturação desde distintos pontos de vista, como, por exemplo:

- O urbano, como importante elemento na definição do uso e da ocupação do solo e como possibilidade de articulação espacial entre as partes do território que se encontram, de modo geral, fragmentadas entre si.

- O social e cultural, como aglutinador social, lugar de encontro, de lazer, lugar que possibilita a criação e a consolidação de valores e significados coletivos, atuando contra a segmentação espacial e social.

- O perceptivo, como lugar que possibilita a criação de uma imagem da paisagem, de sua identidade visual, o reconhecimento de suas partes e sua inter-relação, o que tende a favorecer a identificação e a apropriação do lugar.

- O biofísico, como lugar dos fluxos bióticos, dos elementos abióticos e das dinâmicas e processos naturais, fundamentais para a manutenção e o equilíbrio ambiental do território.

Olhar Virtual: Como ocorre o reconhecimento dos espaços livres?

Ao trabalhar com a escala mais ampla do território, se entendem como espaços livres territoriais aqueles espaços não ocupados pelos assentamentos. E para o caso específico do livro, onde o espaço livre é espaço de possível futura transformação do território, o foco se dá nos espaços livres de assentamentos e de infraestrutura viária.

Olhar Virtual: Em seu livro, a senhora propõe a ordenação dos espaços livres. Como isso pode ser feito?

A ordenação do sistema de espaços livres parte da consideração dos espaços que já possuem algum grau de proteção segundo a legislação vigente, considerados como “certos” em fazer parte do sistema. Ao contrário, se os espaços podem ser ocupados, isso exige uma série de considerações e negociações, o que constitui o grande desafio na constituição do sistema. Dentre estes, os espaços destinados a permanecerem livres são considerados a partir da análise prévia de seus atributos, da sua posição em relação às áreas ocupadas e livres de seu entorno e da observação das condições necessárias para a viabilização funcional e espacial do sistema. O que se propõe, finalmente, são princípios de projeto e ações de projeto que teriam reflexos na determinação dos usos, na ocupação do solo e, sobretudo, na formalização das propostas de projeto com repercussões sobre o planejamento urbano e territorial a fim de propor uma reestruturação dessas áreas.

Olhar Virtual: Por que a senhora escolheu a cidade do Rio de Janeiro para sua pesquisa?

Como caso de estudo, apresento a unidade territorial conformada pela Barra da Tijuca e por Jacarepaguá, que além de estar no Rio de Janeiro, com a toda a exuberância que possui a cidade com respeito a seus espaços livres, que são marcos de sua estrutura urbana mais que sua arquitetura, considero que esta é uma área que tem muita força em relação a seus espaços livres e uma configuração especial singular referente a sua estrutura geográfica e urbana, além de ser uma área em vias de consolidação urbana, o que permite pensar em sua reestruturação. Deixo claro que, apesar de tratar da Barra e de Jacarepaguá, o método desenvolvido pode ser aplicado em outras áreas, cidades ou regiões.