• Edição 259
  • 21 de julho de 2009

Ponto de Vista

Constituição de 1934: uma releitura crítica



Isabela Pimentel


A Constituição Brasileira de 1934, a segunda republicana do país, completou 75 anos na última quinta, dia 16. Sua existência breve (apenas três anos) não foi um empecilho para que, ao longo da história nacional, fosse relembrada como um documento de cunho progressista, em especial nas áreas de educação e dos direitos trabalhistas.   

Com o fim da Revolução Constitucionalista de 1932, tornava-se necessária a realização de eleições para a Assembleia Constituinte e, em 1934, a Constituinte convocada pelo governo provisório da Revolução de 1930 promulga a nova Constituição. Três anos depois, a outorga da Carta de 1937 desnudaria o semblante do revolucionário que em 1930 chegara ao Palácio do Catete aliado à Junta Militar, sepultando a República Velha: Getúlio Vargas torna-se um ditador.

Marcos da Constituição de 1934, como criação do salário mínimo, redução da carga horária de trabalho para oito horas diárias e a nova lei eleitoral que permitiu o voto secreto e direto para os maiores de 21 anos, incluindo mulheres, ofuscaram o fato de que grande parcela da população continuou às margens da arena política: analfabetos, soldados, padres e mendigos ainda permaneceriam sem ter acesso ao voto.

“É preciso fazer uma releitura da Carta Constitucional de 1934. Esta Constituição passou ao imaginário brasileiro no que se refere ao progresso dos direitos sociais, mas hoje há outras análises, centradas no avanço da constitucionalidade e nas questões jurídicas”, explica José Ribas Vieira, professor de Teoria do Estado da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), com quem o Olhar Virtual conversou para conhecer a vertente que relativiza os avanços da Carta de 1934 e assume uma perspectiva mais crítica.

 Olhar Virtual: Em que contexto histórico a Constituição de 1934 foi promulgada? Quais foram suas influências?

José Ribas: Em primeiro lugar, é preciso destacar que o século XX teve dois modelos de pensamento constitucionais, o de 1918 e o de 1945. A Constituição de 1934 é herdeira das reflexões de 1918, que já apresentam certa preocupação com os direitos fundamentais, como a questão social. Porém, faltava ao pensamento de 1918 uma parte importante que só viria com os questionamentos pós-guerra em 1945, ou seja, os instrumentos de concretização, que materializam a Constituição, ainda estavam ausentes. 

Olhar Virtual: Quais os avanços que ela traz?

José Ribas: O avanço que ela traz é, principalmente, a questão do trabalho, ao propor uma valorização do trabalho urbano e criar as bases da Justiça do Trabalho, além de melhorias na área da educação. Sem dúvida nenhuma, ao ler este documento hoje, e comparando com a Constituição de 1988, vê-se que a primeira fica muito longe dos avanços que a segunda trouxe para a sociedade brasileira. Tendo uma visão bastante crítica, eu questiono se a Constituição de 1934 foi assim tão generosa.

Olhar Virtual: Em termos sociais, quais os principais marcos?

José Ribas: A Constituição de 1934 ficou no imaginário devido ao que se chamou de expansão dos direitos sociais, mas, na realidade, ela não teve tempo de se efetivar, devido ao próprio contexto de acirramentos ideológicos. Isto se percebe na formação do pensamento integralista, nas ações da Aliança Nacional Libertadora (ALN), seguidos pela Intentona Comunista de 1935. Neste momento, Getúlio aproveita para decretar um estado de sítio, com a suspensão de direitos políticos. Então, a Constituição de 1934 não teve tempo para prosperar, apresentando uma série de questões que não deslancharam. Por exemplo, ela apresentava duas representações: a corporativa e a que se chamava “representação do povo”.  Mas vê-se que essa representação corporativa se associa muito ao contexto histórico, agindo apenas no sentido de barrar o poder político de São Paulo.

Olhar Virtual: E em termos do avanço da cidadania?

José Ribas: Analisando a trajetória constitucional brasileira, com as Constituições de 1891, 1934, 1946, vê-se que todas tiveram seus marcos. Com certeza, a força da Carta Constitucional de 1988 deixa muito na sombra as anteriores.

Há, sim, uma expansão da cidadania: primeiro, através do reconhecimento dos direitos sociais e do trabalho e, segundo, na valorização da cidadania política, em especial com a Justiça Eleitoral. Além disso, há criação do voto feminino.

A de 1934 hoje não é lembrada pelos direitos sociais, mas pelo controle de constitucionalidade, pois marca o início do abandono do modelo americano, no qual qualquer juiz poderia se pronunciar sobre a Constituição. Explicando: a Constituição Federal de 1891 havia adotado o modelo americano, no qual valia o sistema difuso, ou seja, qualquer juiz poderia fazer prevalecer a Constituição e, como no Brasil não havia essa tradição de uniformização, 1934 inova:  além do controle exercido pelos juízes,  passa a existir um novo controle, o da intervenção federal.  Se um estado feriu o princípio de separação dos poderes, poderia se decretar intervenção para fazer prevalecer a Constituição. A partir de 1934, através da intervenção federal, passa a prevalecer a Constituição e caberia ao senado expelir as leis consideradas inconstitucionais, hoje artigo 52, Inc. 10º.

Olhar Virtual: Olhando para a Carta de 1934 hoje, como ela deve ser analisada?

José Ribas: Lendo o documento com os olhos de hoje, 75 anos depois, é importante enxergar em 1934 outros pontos que geralmente são esquecidos, como a questão jurídica, a ideia de nação. Vamos relê-la através de um olhar do século XXI, comparando com a de 1988 e vendo como a Constituição de 1988 foi realmente um avanço para a sociedade brasileira, em especial no que tange à cidadania. A Carta de 1934 pode ter sido tão valorizada porque em 1934 não se tinha a de 1988 como referência.