• Edição 258
  • 14 de julho de 2009
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Ponto de Vista

Um novo paradigma de Segurança Pública

Vanessa Sol

A 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg) será realizada, entre os dias 27 e 30 de agosto, em Brasília. Para ampliar o debate acerca da questão de segurança pública nacional, o Olhar Virtual entrevistou Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu – UFRJ).

 

 

Traçar políticas públicas voltadas à área de segurança pública no Brasil ainda é um grande desafio para os governantes do país. No entanto, algumas medidas vêm sendo adotadas para tentar equacionar esse problema. Uma delas é a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), entre os dias 27 e 30 de agosto, em Brasília.

A proposta da Conseg é abrir caminhos para a formulação de um modelo de segurança pública voltado à cidadania. Como etapas iniciais da Conseg, estão sendo realizadas conferências em diferentes estados e municípios, além de conferências livres organizadas por universidades, instituições, organizações não-governamentais para colocar em pauta a discussão sobre segurança pública. Os resultados serão encaminhados à Conferência Nacional.

Durante o processo de elaboração dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública, a intenção é reunir sociedade civil, representantes dos trabalhadores da área, especialistas em segurança pública e poder público a fim de que o debate seja democrático. Entre os dias 15 e 17 de julho, haverá a Conferência Estadual do Rio de Janeiro com a apresentação da proposta de todas as conferências municipais e das conferências livres realizadas no estado.

Para ampliar o debate acerca da questão de segurança pública nacional, o Olhar Virtual entrevistou Michel Misse, professor de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu – UFRJ).

Olhar Virtual: O texto-base de apresentação da 1ª Conferência Nacional de Segurança, que será realizada em agosto, em Brasília, aponta para um novo paradigma iniciado pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Que paradigma é esse?

Michel Misse: É o paradigma de uma segurança cidadã, que a Conferência Nacional pretende desenvolver e aperfeiçoar. Trata-se de uma segurança que respeite os direitos humanos, que se faça dentro da lei, que busque o apoio dos cidadãos para esclarecer os crimes e que puna os responsáveis dentro dos limites da lei. Isso é uma coisa que todos os países civilizados já conquistaram, mal ou bem, e nós ainda não.
A ideia é que a polícia e o sistema de justiça criminal sirvam à cidadania, e não ao Estado, pois ele não precisa ser defendido. Quem precisa se defender é o cidadão. É ele que está na rua e é vítima de crimes.

Olhar Virtual: É possível coibir a violência sem ferir os direitos humanos? Por que aqui no Brasil isso não é feito?

Michel Misse: Sim e isso é feito em todos os países civilizados. Porque, tradicionalmente, o Brasil é um país hierárquico, autoritário e desigual. A desigualdade aqui não é só da renda, mas de direitos.  No Brasil, uma pessoa que tem diploma universitário vai para um determinado tipo de prisão e quem não tem vai para outra, ferindo claramente a Constituição, que garante que todos são iguais.

Olhar Virtual: Existe um único fator para a violência nas metrópoles brasileiras?

Michel Misse: Não. A violência tem múltiplos fatores e há também diferentes tipos de violência. Geralmente, quando se fala em violência, refere-se mais àquela relacionada ao crime. Mas há muitas outras formas de violência que são difíceis de serem detectadas, como as institucionais, as de estados, as de condições de vida e de transporte público, por exemplo. No entanto, a mais evidente é aquela que faz parte do rol dos crimes violentos, que são os que atentam contra a vida.

Curiosamente, no Brasil, o tráfico foi incluído nos crimes violentos, quando na verdade ele não tem nada de violento. O tráfico de drogas é outro tipo de problema. Ele está relacionado aos mercados ilegais (contrabando, pirataria, drogas etc.). O fato de a violência ter se associado ao tráfico de drogas é outro fenômeno, o das gangues.

Olhar Virtual: Qual é a solução para esse tipo de problema?

Michel Misse: Esse problema pode ser solucionado com diferentes políticas públicas que atendam aos jovens, pois ninguém vai para a criminalidade depois de uma determinada idade. O desenvolvimento desse tipo de política deve contemplar as áreas sociais, de renda, de lazer e de esporte. Isso ajuda a diminuir a atração dos jovens para a criminalidade.

Temos que parar com ideia de que somente a população mais empobrecida é atraída pela marginalidade. O crime não privilegia determinada classe.

Olhar Virtual: Quais são os principais desafios da segurança pública no país hoje?

Michel Misse: Enfrentar as resistências da tradição e das personalidades autoritárias que continuam muitas vezes a comandar as instituições policiais e judiciais. Há muita gente com um pensamento hierárquico que acha que a solução é a repressão. Há também a resistência da ignorância. É preciso valorizar os especialistas que dedicam suas vidas a trabalhar nessa área.

Olhar Virtual: Na Conseg, a intenção é reunir sociedade civil, representantes dos trabalhadores da área e poder público para discutir os princípios da política nacional de segurança pública no país. Como será a articulação desse diálogo?

Michel Misse: Nunca se discutiu segurança no Brasil dessa maneira. Ouvir a população é decisivo. Quem conhece melhor o problema da violência é a população. Ela é a vítima da insegurança, do crime, da vulnerabilidade social, da ausência de acesso a direitos e da falta da presença do Estado perto de casa.

Ninguém pode dizer que o governo não ouviu a população. No entanto, é necessário cobrar do atual governo, e dos próximos, a realização do que foi definido nas conferências.

Olhar Virtual: Na Conferência Livre de Segurança Pública realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs), na semana passada, foram organizados dois grupos de trabalhos que discutiram "Gestão Democrática: controle social e externo, integração e federalismo" e "Prevenção social do crime e das violências e construção da cultura de paz". O resultado desse debate será encaminhado para a Conseg. Quais foram os resultados dos debates?

Michel Misse: Esses grupos se reuniram e produziram um relatório que será encaminhado à Conferência Estadual. No nosso caso, estou sugerindo os pontos que resultaram de pesquisas que realizamos. Um desses pontos é sobre as guardas municipais. Nós sugerimos que se siga o modelo de policiamento comunitário, e não de repetir o modelo da polícia militar, nem o modelo antigo, que era patrimonial (manutenção da ordem no jardim etc.).

Nós defendemos que a guarda municipal seja desarmada e que faça policiamento comunitário em estreito contato com a população, e trabalhe principalmente a administração e mediação de conflitos.

Outro tema que tratamos no Ifcs é a questão do inquérito policial. Nós defendemos a modernização da investigação policial no Brasil com base nas pesquisas que estamos desenvolvendo; a modernização do modo como a investigação policial está subordinada ao Judiciário. Essa subordinação se dá através do inquérito policial, que no nosso entendimento é atrasado.