• Edição 256
  • 01 de julho de 2009

Ponto de Vista

A persistência do conservadorismo na Europa do século XXI

Bruno Franco

Enquanto na América Latina os governos de esquerda prevalecem e buscam uma mudança de rumo para o continente após uma década de neoliberalismo e esvaziamento das funções do Estado, sobretudo em suas prerrogativas sociais, na Europa é crescente o predomínio da direita. Após o malogro da Terceira Via de Tony Blair (Reino Unido) e da saída de cena de líderes como Gerhard Schroeder (Alemanha) e Lionel Jospin (França), o cenário político do Velho Continente é marcado pela ascensão do conservadorismo, de chefes de Estado como Nicolas Sarkozy (França), Ângela Merkel (Alemanha) e Silvio Berlusconi (Itália).

Para entender as razões da nova hegemonia conservadora no cenário político europeu, o Olhar Virtual entrevistou Daniel Chaves, historiador e pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (TEMPO), do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ).

Olhar Virtual - Qual o contexto sociopolítico que propiciou o advento desse paradigma conservador?

Daniel Chaves - Para os proféticos comentaristas do pós-Guerra Fria, não eram poucos os auspícios de um novo amanhecer no século XXI, pleno em paz e prosperidade material, por sua vez escudadas pelo livre-mercado e pela democracia liberal representativa. Lamentavelmente, a governança global jamais se realizara em quaisquer confins do globo terrestre: a “Nova Ordem Mundial” recitada na ONU em 1990 por George Bush não se cumpriria em esplendor e regozijo de cooperação pós-wilsoniana internacional. A perspectiva de reta final da História - ou até mesmo de fim dela, se levarmos em conta os termos de Francis Fukuyama - foi atropelada pelos processos sociopolíticos e econômicos da era globalizada.

Essas contradições não só se revelaram mais duras do que se imaginava antes: o Estado-Nação, tido por muitos críticos como “anacrônico e falido” ou “obsoleto, necessitando de revisões urgentes” em um mundo cada vez mais poroso, retornaria como uma vara de bambu dobrada na testa dos críticos. E a União Europeia (UE), cuja voga protocooperativa é descrita como o “juiz” global na parceria com o policialesco dos EUA, sem dúvida assistiria a esse refluxo com grande força e impacto, em cada um dos seus países-membros.

Olhar Virtual - De que maneira o ataque incendiário ao Estado-nação levou, na América Latina ao contrário da Europa, ao contrafogo dos movimentos populares de base esquerdista?

Daniel Chaves - O fenômeno de ressurgência do pensamento nacionalista na Europa se deu de forma diferenciada se levarmos em consideração o exemplo sul-americano: aqui os propulsores da integração regional a partir da ressurgência dos projetos nacionais de desenvolvimento, o regional desenvolvimento integracionista. A negação das bases do capitalismo e da democracia em sua vigência liberal, através da chave nacional-popular de esquerda, sem dúvida recriou o cenário regional e nos fez avançar para a estabilidade democrática, econômica e social, em progressão histórica. O papel de desestabilizador, nesse caso, passou por um “trocar de bolas”: agora, as elites conservadoras é que estão protagonizando as afrontas democráticas em gestos desesperados e impopulares. Os referendos sul-americanos confirmam.

Olhar Virtual - A ascensão do pensamento político conservador pode engendrar uma ação estatal mais repressiva e discriminatória, sobretudo no que tange aos imigrantes?

Daniel Chaves - Há por que se preocupar: o fracasso do sistema de partidos políticos clássicos trouxe a reboque campanhas neofascistas e ascensões da centro-direita, com uso franco de propaganda antimigratória criminalizante e o abandono do discurso humanista tradicional do continente, associado ao decrescente comparecimento eleitoral, que se tornaram constantes na Suíça, França, Espanha, Áustria, Alemanha, Itália, Dinamarca e Holanda. As chaves personalistas eram uma constante, acirradas pela necessidade de respostas rápidas para a crise liberal do século XXI: o autoritarismo emotivo, acalentador e midiaticamente onipresente de Rajoy, Berlusconi, Sarkozy e Raider se torna uma solução prática e quase indolor para uma sociedade cujas instituições se viram deprimidas pelo esvaziamento do Estado e pela preeminência do privatismo como ideologia vitoriosa. O que as eleições diretas nos dizem, democrática e infelizmente, é que a Europa deseja os seus atuais representantes.

Olhar Virtual - Que consequências poderá ter a crise atual do sistema capitalista para o regime político que defende e legitima o liberalismo?

Daniel Chaves - As consequências do tempo presente pós-crise liberal não são estanques e estão diretamente relacionadas a uma crise ideológica profunda. Tanto no momento da grande crise de 29 como na atual, a persistência da razão liberal para a governança das nações foi notada como o propulsor incontornável para as crises econômica e política, considerando fundamental a autorregulação da economia e galvanizando a insistência no Estado como “espectador”, uma premissa fundamental para a garantia do “mais perfeito funcionamento” da economia de mercado livre - mas sem cidadania livre. O indivíduo, progressivamente atomizado e solitário, se vê cada vez mais fragilizado nas intempéries da intolerância e da competição brutal pela vida. Em progressão histórica, a maquinaria liberal não funcionará - ou pelo menos não com os resultados que se propunham.