• Edição 250
  • 19 de maio de 2009

Entrelinhas

Menos competição, mais cooperação

Aline Durães

capa do livro

No último dia 13 de maio, Sol Garson, professora colaboradora do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, lançou o livro Regiões Metropolitanas: por que não cooperam?. Preocupada com a discussão acerca da gestão e do financiamento das regiões metropolitanas brasileiras, tema que ganha cada vez mais notoriedade no espaço público, Garson analisou os obstáculos institucionais e fiscais que dificultam a cooperação entre os municípios metropolitanos.

No livro, a professora aponta elementos importantes para a formulação de estratégias e políticas que superem a fragmentação entre os municípios e que vislumbrem soluções adequadas para os graves problemas que afligem suas populações. “Na hora de usar o dinheiro público, estados e municípios deveriam cooperar, e não competir como acontece hoje em dia”, afirma. Confira a entrevista na íntegra:.

Olhar Virtual: Quais das 24 regiões metropolitanas brasileiras serviram de base para a sua pesquisa?

Todas. Quando fiz a tese que originou o livro, em 2003, havia 29 regiões metropolitanas. Isso porque, posteriormente, o estado de Santa Catarina realizou uma reorganização territorial e extinguiu as regiões metropolitanas. A ideia da tese era entender por que é tão difícil a cooperação entre os municípios de uma região metropolitana. Sabíamos que os municípios eram muito diferentes entre si e possuíam liberdades distintas para utilizar o seu dinheiro.

Para fazer essa análise, entretanto, não bastava discorrer apenas sobre as finanças dos municípios, mas também tentar entender as condições sociais de cada um deles. Isso porque dois municípios que apresentem a mesma receita per capita por habitante não terão, necessariamente, a mesma liberdade para gastar seus recursos. Se em um deles houver um número maior de pessoas de baixa renda, está claro que nele haverá demandas insatisfeitas que o diferenciam do outro. Os municípios com mais demandas apresentam uma pressão grande sobre seu orçamento e isso nos permite qualificar sua situação fiscal.

Olhar Virtual: Quanto tempo durou a análise e a que fontes a senhora recorreu para realizá-la?

Foram 463 municípios analisados. Para verificar as demandas de cada um deles, eu tentei fazer uma caracterização pautada em certos indicadores econômicos e sociais, como, por exemplo, o acesso a serviços urbanos. Demorei dois anos coletando os dados nos sites do IBGE, do Ministério da Fazenda e em endereços eletrônicos de estados e municípios. Tive, ainda, que trabalhar com estimativas com aqueles que não disponibilizavam suas contas na Internet.

Olhar Virtual: Quais as principais contribuições que seu livro traz para o debate acerca da gestão das áreas metropolitanas?

O livro ajuda a caracterizar os municípios metropolitanos, mostrando que, apesar de todos eles terem a condição legal de município metropolitano, nem todos o são de fato. Para ser um município metropolitano, a região deve ser urbanizada, com população densa e com um núcleo central que possua atividades econômicas consideráveis. Muitos não têm isso, porque a Constituição Federal delegou aos estados a criação de regiões metropolitanas, mas não estipulou regras para definir essas regiões. Sendo assim, há estados que as criam sem observar se nelas ocorre um genuíno processo de metropolitização.

Olhar Virtual: Que obstáculos impedem a cooperação entre os municípios?

Há aqueles provenientes das características do federalismo brasileiro, marcado pela ausência de instâncias de cooperação entre governo federal, estados e municípios. Além disso, a autonomia municipal e a fraca capacidade de coordenação dos estados sobre ações que serão desenvolvidas sobre o seu território também são fatores que dificultam a cooperação.

A Constituição Federal de 1967 definiu que o Estado deveria criar as regiões metropolitanas. Quando foi promulgada a de 1988, a competência para criar tais regiões deixou de ser federal e passou a ser estatal. Os estados podem criar áreas como essas, mas não detêm o poder formal para coordenar ações nelas, já que a mesma Constituição declara a autonomia municipal. No Brasil, os municípios assumem uma posição quase que autárquica e rechaçam a coordenação acima deles.

Olhar Virtual: Como seria a forma de gestão capaz de superar esses obstáculos?

Acredito que, se fossem direcionadas ações federais e estaduais menos pontuais e mais amplas, a gestão seria menos descoordenada. Ações individuais, que atingem apenas um município, não funcionam, já que os municípios estão muito interligados.

Olhar Virtual: É possível haver cooperação entre municípios que, muitas vezes, são marcadamente desiguais?

Sim. Os municípios recebem recursos dos estados e da União. Se a postura cooperativa for incentivada através do próprio sistema de transferência intergovernamental de recursos e forem prestigiadas ações combinadas entre estados e municípios, a cooperação é possível. Vou dar um exemplo prático: digamos que há um programa de transporte do estado que pretende investir nas integrações de ônibus e metrô. O estado, nesse caso, pode contatar o município para que ele aloque recursos na construção de habitações ao longo das vias que estão sendo construídas.

Na hora de usar o dinheiro público, estados e municípios deveriam cooperar, e não competir como acontece hoje em dia.

Olhar Virtual: Quais os principais problemas gerados pela falta de entrosamento da atual gestão das regiões metropolitanas?

Algumas áreas ficam com sobreposição de serviços, enquanto outras ficam abandonadas. Nem sempre o problema dos municípios é a carência de recursos, mas a falta de coordenação para o uso deles.