• Edição 232
  • 02 de dezembro de 2008

Olho no Olho

Quanto vale uma medalha de ouro?

 

Camilla Muniz

imagem olho no olho

Na última semana, a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) confirmou o doping do judoca Victor Penalber, de apenas 18 anos. Uma das revelações da modalidade no país, o atleta, que compete na categoria leve (até 73kg), foi pego pelo uso do diurético furosemida, contido em remédios para emagrecimento. A substância foi detectada no exame anti-doping realizado no último dia 5 de outubro, no Campeonato Mundial por Equipes, disputado no Japão.

Em entrevista à imprensa, Victor admitiu o erro, mas declarou que não fez uso da substância para mascarar outras drogas. O judoca está suspenso preventivamente pela CBJ e pode ficar afastado do esporte por até dois anos, se for julgado culpado.

Estatísticas divulgadas pela Agência Mundial Antidoping (WADA) mostram que, das 223.898 amostras analisadas em 2007, 4.402 apresentaram “resultados analíticos adversos”, o que evidencia o uso de métodos proibidos. Victor é apenas o caso mais recente de doping no esporte brasileiro. Em 2003, Maurren Maggi foi suspensa por dois anos devido à utilização de clostebol metabolite. A saltadora alegou que foi vítima da própria vaidade, já que a substância estaria presente em um creme cicatrizante utilizado durante uma sessão de depilação.

Além de trazer prejuízos à saúde, o uso de substâncias ilícitas traz à tona a questão da ética no esporte, uma vez que é através do doping que muitos esportistas conseguem obter vantagens sobre os adversários nas competições. Para entender como é feito o teste antidoping e refletir sobre os motivos que levam o atleta a se dopar, o Olhar Virtual conversou com Francisco Radler, professor do Instituto de Química (IQ) e coordenador do Laboratório de Controle de Dopagem (LAB DOP-UFRJ), e Roberto Simão, professor da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD).

 

Francisco Radler
Coordenador do Laboratório de Controle de Dopagem (LAB DOP) da UFRJ

A Agência Mundial Antidoping (WADA) proíbe o uso de todos os tipos de substâncias que possam prejudicar a saúde do atleta, a integridade dos demais competidores ou que beneficiem a atividade esportiva. Isso perfaz a grande maioria dos fármacos existentes, pois, além da atividade farmacológica à qual se destina a droga, os atletas muitas vezes beneficiam-se dos efeitos colaterais. Como exemplos típicos, podemos citar os anabolizantes, estimulantes, narcóticos-analgésicos, diuréticos, glicocorticosteróides, expansores de plasma e carreadores de oxigênio (eritropoietina, a EPO).

Além disso, métodos como administração de transportadores artificiais de oxigênio e substitutos de plasma e transfusão de sangue também são considerados ilícitos. Primeiro, porque arriscam a saúde do atleta. Segundo, porque contribuindo para um transporte mais eficaz de oxigênio aos músculos, aumentam a energia liberada para o trabalho muscular.

Para a realização do exame antidoping, a coleta das amostras é feita de forma rigorosa. Elas são codificadas e transportadas até o laboratório por uma equipe sem vínculo com o estabelecimento. Ao chegar ao laboratório as amostras são recodificadas num setor de segurança máxima e, assim, as alíquotas para análise circulam com o código interno.

Portanto, há uma dupla blindagem entre o laboratório e o atleta. Para se saber quem é o atleta, é preciso transformar o código do laboratório no do atleta e informar ao responsável pelo controle de dopagem da competição, que tem a correlação do código com o nome do atleta lacrada em envelope sob sua custódia exclusiva. Isso impede qualquer tipo de manipulação dos resultados.

No momento, as amostras de urina recebidas são subdivididas em até oito procedimentos iniciais de análise, para avaliar a presença de mais de 500 substâncias e seus metabólitos.

Nos resultados dos exames que acusam o uso de substâncias ilícitas, ainda prevalecem os estimulantes e anabolizantes tradicionais, principalmente no Brasil, onde a dopagem ainda é menos sofisticada do que em países mais desenvolvidos (ou com pressões políticas e econômicas ainda maiores do que as que sofrem os atletas brasileiros). Tornam-se muito “populares” as drogas ditas “peptídicas”, como a EPO.

Os diuréticos podem ser usados para diluir a urina e dificultar a detecção de outras drogas como, por exemplo, os anabolizantes. São, nesse caso, considerados agentes mascaradores. Nos esportes por categoria de peso, os diuréticos são usados antes da pesagem para que o atleta — perdendo água e ficando mais leve — possa competir em uma categoria de peso inferior, com nítida vantagem sobre os demais competidores.

Acredito que, hoje em dia, é inaceitável que esportistas utilizem a desculpa de terem consumido a substância proibida por engano. Sobretudo atletas competitivos, que são explicitamente informados, e seus médicos e dirigentes, que sabem perfeitamente que um atleta não é mais uma pessoa comum. Ele está permanentemente alerta para qualquer substância que penetre em seu organismo e sabe que precisa de autorização de seu médico até para tomar um remédio para dor de cabeça. Aliás, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) edita um livreto sobre o assunto, que é distribuído para todos os atletas olímpicos brasileiros. A CBF, por seu lado, vem fazendo, nos últimos 20 anos, um trabalho excelente de informação ao mundo do futebol, o que resultou num dos índices mais baixos de “Resultados Analíticos Adversos” (o antes chamado de “positivo”) no mundo.

Caso o atleta, por motivos de saúde, precise usar um medicamento que contém uma substância proibida, hoje há no regulamento a possibilidade do médico solicitar uma Isenção para Uso Terapêutico (IUT, do inglês “Therapeutic Use Exemption, TUE”), desde que tenha elementos específicos para demonstrar a necessidade de administração da droga. Essa solicitação é avaliada por uma comissão médica que, entendendo sua necessidade, confere ao atleta essa permissão.

 

Roberto Simão
Professor da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ

A origem do problema do doping recai sobre a pressão social. A maior parte dos atletas, principalmente em modalidades como atletismo e judô, vem de classes mais baixas, cujo poder aquisitivo é inferior. Nesse sentido, o esporte constitui, para eles, uma oportunidade de crescimento social e financeiro. Portanto, não está em jogo apenas a vitória no esporte, mas também a vitória na vida. As pressões acabam gerando a necessidade de ganhar, que quase sempre levam o atleta a utilizar certos tipos de drogas para melhorar o desempenho físico.

Sem dúvida, recorrer a substâncias proibidas é falta ética. Mas é interessante observar outro lado da questão. Hoje, sabemos que há uma quantidade muito maior de doping do que de casos confirmados. A falta de ética existe, mas acaba gerando uma disparidade. Nos países ricos, onde os atletas têm mais aporte científico, eles conseguem manipular melhor o doping do que os atletas dos países pobres. Consumo de drogas é considerado antiético, mas mascarar o consumo não é antiético? Na verdade, estas duas situações simbolizam a falta de ética no esporte, mas a pressão só recai sobre aqueles esportistas que são pegos nos exames. Quando o doping de Ben Johnson foi confirmado, o próprio técnico da seleção americana de atletismo disse que era quase impossível encontrar um atleta naquela modalidade que não utilizasse substâncias proibidas. No entanto, apenas Ben Johnson ficou sendo a representação da falta de ética. Isso suscita uma grande discussão sobre o que é moral ou imoral no esporte. A meu ver, pegar alguns atletas e não pegar outros nos testes antidoping é também falta de ética.

Nos países desenvolvidos, o doping não é detectado porque a droga é muito mais manipulada. Existe um aporte bioquímico que sabe como o doping vai atuar, e isso possibilita que os atletas mascarem o uso das substâncias de variadas formas. Um dos exemplos mais claros é o caso de Florence Griffith-Joyner, que era uma atleta extremamente forte. Pelo volume muscular dela, comentava-se que era doping, mas nada foi descoberto. Dois anos depois, quando ela faleceu, a imprensa não conseguiu encontrar uma explicação para o enfarto do miocárdio que a levou a morte; apenas foram levantadas hipóteses sobre a utilização de drogas.

Como professor de Educação Física e ex-atleta, posso afirmar que não existe desinformação entre os esportistas sobre o que é proibido. Tanto o Comitê Olímpico Internacional quanto o Comitê Olímpico Brasileiro distribuem um pequeno livro que relaciona todas as substâncias que não podem ser utilizadas. Essa publicação é amplamente distribuída a atletas e médicos. Tudo é explicitado neste livrinho. Dizer que consumiu determinada substância por engano é uma tentativa de fuga em vão, porque atletas que usam esta desculpa não conseguem justificar que aquela era uma droga desconhecida e sempre são punidos.

O Victor Penalber, especificamente, assumiu que utilizou um diurético proibido. Isso mostra que ele é um atleta diferenciado, com outro grau de formação. Talvez essa confissão, que me surpreendeu, seja um diferencial no processo de julgamento do judoca e também influencie outros a assumirem o erro. O Victor é um atleta de ponta, e torço para que esta situação não prejudique a carreira dele.

É difícil calcular as perdas do esporte com os casos de doping. Hoje, o esporte — enquanto atividade física — é muito vinculado à idéia de saúde. Porém, o esporte de rendimento é uma atividade financeira e, infelizmente, onde há muito dinheiro sendo investido, sempre há algo ilícito. Às vezes, penalizar o esportista pelo uso da droga é complicado, porque é o próprio esporte que o leva a consumi-la. Existe um massacre de solicitação em torno do atleta, que acaba cedendo porque o ser humano é falível.

A idéia que se tem de doping dá a sensação que apenas os atletas com massa muscular muito avantajada, como os do atletismo, que fazem uso de substâncias proibidas. Mas competidores de modalidades como maratona e ciclismo, por exemplo, utilizam outros tipos de droga, como anfetaminas e estimulantes, que não tem a finalidade de aumentar a massa muscular. Mesmo um corpo magro pode ser sinal de doping.

Antes, o exame antidoping só era feito depois das competições. Hoje, a qualquer momento durante os treinamentos, pode chegar uma equipe para recolher amostras. Isso é muito mais real e seguro, porque quando o indivíduo vai para a competição, ele vai com a intenção de mascarar a droga. Nos treinos, não há essa necessidade. O COI está aprimorando a forma de abordagem para tentar pegar o atleta em diferentes situações, como aconteceu no caso da Maurren Maggi.

Acredito que a melhor forma de combater o doping é investir num processo educacional sólido. Concordo que deve haver uma punição e, em alguns casos, até mesmo o banimento do esporte, mas a base tem que ser desenvolvida. Várias confederações promovem discussões para alertar os atletas sobre os riscos do doping para a saúde, e isto deve ser ampliado.