• Edição 223
  • 30 de setembro de 2008

Olho no Olho

Proposta do Ministro Mangabeira tem antecessora desde janeiro do ano passado

 

Monike Mar – AgN/Praia Vermelha

imagem olho no olho

Nos últimos dias, temos verificado o crescente debate em torno do assunto do serviço social obrigatório, proposta que integra o Plano Nacional de Defesa, idealizado pelo ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. O cumprimento de serviços comunitários por jovens que forem dispensados do serviço militar foi proposto pelo Deputado Leonardo Quintão (PMDB – MG) em janeiro de 2007 para Emenda à Constituição. O parecer está em tramitação desde julho de 2008, quando foi deferido pelo Deputado Felipe Maia (DEM – RJ).

O projeto propõe que jovens, a partir de 18 anos, dispensados do serviço militar, inclusive mulheres, devam ser encaminhados para o interior do país para prestarem serviços às comunidades. De acordo com o ministro, o principal benefício é a possibilidade dos jovens conhecerem a realidade do país. Aqueles que estiverem matriculados em universidades cumprirão a obrigatoriedade realizando serviços condizentes com a área profissional. Os jovens que não se enquadrarem nessa situação receberão cursos de preparação para área de atuação imposta.

A fim de nos aprofundarmos no debate e conhecer as possibilidades reais de implantação do projeto, o Olhar Virtual ouviu José Pedro Simões, professor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ e coordenador do Laboratório de Dados Sociais (Lab10), e Janete Luzia Leite, também professora da Escola de Serviço Social da UFRJ. Ambos questionaram o projeto, sob análises que perpassam pela definição de “serviço social” até propostas que podem complementar a idealização do Plano Nacional de Defesa.

 

 

 

José Pedro Simões
Professor da Escola de Serviço Social

O primeiro ponto a considerar é a forma de nomear este novo serviço. Entende-se que se trata de qualificar um tipo de serviço de cunho comunitário, tendo como contraponto o serviço militar. No entanto, “serviço social” é a denominação de uma profissão com setenta anos de existência no Brasil e com expressões em praticamente todos os países do mundo. A confusão entre a profissão e um sem número de atividades de cunho social, realizadas por voluntários, agentes políticos e assistenciais, não é nova e permeia a luta corporativa da categoria por resguardar o sentido próprio do nome da profissão. O Conselho Federal de Serviço Social oportunamente se pronunciará sobre esta matéria, propondo, no mínimo a substituição da nomenclatura adotada.

O segundo ponto refere-se à proposta em si. Em seu pronunciamento, o ministro buscava alternativas para o serviço militar obrigatório. Frente à incapacidade de a instituição militar incorporar todos os jovens em idade de alistamento, somente uma parcela reduzida, efetivamente, passa a ter treinamento militar. Portanto, o ministro buscava formas de ampliação do recrutamento, através, por exemplo, do aumento do soldo dos recrutas. Outra proposta referia-se ao “serviço social”: aqueles que não estivessem vinculados a um treinamento militar, stricto sensu, prestariam um serviço social. O objetivo da ampliação do tipo de serviço oferecido (de militar para social), me parece, seria de criar uma cultura cívica, ou seja, educar os jovens para a necessidade de participação social e de contribuição com o bem público. Para o ministro Unger, esta cultura cívica seria a base para um nivelador republicano, em que “a nação encontra-se acima das classes”. Assim, para Unger, todas as classes estão igualmente implicadas em participar e contribuir com o bem público.

Sem entrar na discussão sobre a obrigatoriedade dos “serviços sociais”, o conjunto de atividades possíveis de serem realizadas já previstas na Lei 8.239 é amplo e pode se adequar às possibilidades de cada jovem. Podemos pensar que jovens já na universidade poderiam fornecer aulas em pré-vestibulares, ou ainda, realizarem atividades simples de amparo a idosos, atuarem como ledores para cegos, atuação em serviços comunitários preventivos organizados pelas prefeituras, serem monitores em escolas públicas e creches comunitárias, aprenderem técnicas de salvamento, de primeiros socorros, de ações contra incêndio com os Bombeiros; enfim, há um sem número de serviços sociais que se afinam a esta proposta.

Ao discutirmos sobre seu pronunciamento, devemos pensar sobre o sentido de recrutarmos nossos jovens para o serviço militar. Afinal, qual a razão de ser deste tipo de mobilização? Há necessidade de contarmos com um exército treinado para a guerra? A proposta do ministro visa à mobilização de nossos jovens para a participação cidadã e para a vida cívica. Neste sentido, a proposta de um alistamento para prestação de “serviços sociais” é muito mais coerente com as necessidades sociais brasileiras do que o serviço militar. Como esta proposta pode tornar-se exeqüível?

O próprio parecer do Deputado Felipe indica que se “preserve a esfera de autonomia e liberdades individuais, mantendo-se vigilante quanto à razoabilidade e proporcionalidade dos procedimentos a serem criados”. Esse é um caminho promissor para o encaminhamento da proposta. Será possível a diversificação de possibilidades de intervenção social existentes, de forma a que o “serviço social obrigatório” possa aliar os interesses individuais dos jovens, dirigindo-se para áreas de participação social específicas, de forma remunerada, com a contribuição social das mesmas?

O apoio que os jovens forneceram, atuando como voluntários em eventos de grande porte e notoriedade, como o Pan-Americano, a ECO-92, o Fórum Social Mundial, por exemplo, evidenciam que há um campo a ser explorado. Nestes casos, não houve dificuldades de recrutamento de voluntários para colaboração nas atividades de “bastidores” dos eventos e tampouco se questionou a condição dos jovens de “trabalhadores voluntários”. Eles se sentem prestigiados pela simples contribuição nestes eventos. Mobilizações específicas podem ser realizadas para outros fins, demonstrando a relevância de participação social.

Se os Ministérios Militares e Civis podem criar convênios para a execução dos “serviços alternativos” ao serviço militar, como prevê a Lei 8.239, então, podemos pensar nos projetos de Extensão promovidos pelas universidades, em projetos sociais desenvolvidos por empresas, instituições ou ONGs e pelos órgãos de Estado: prefeituras, hospitais, escolas, postos de saúde, Bombeiros, Defesa Civil, etc. de forma a ampliar o leque de propostas a serem oferecidas. Caberá à regulamentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) definir, não só a forma de gestão, como também de implementação deste “serviço social”. No entanto, pode-se pensar em um sistema descentralizado que privilegie a atuação do jovem em sua comunidade, no seu próprio município, estimulando o desenvolvimento local, ou em outro Estado.

De um ponto de vista positivo e otimista, a discussão de um “serviço social” em contraposição a um serviço militar é bem vinda. No Brasil, a contribuição com o bem público ou está associado a fins políticos ou religiosos. Não há como dimensionar o impacto que o estímulo de uma cultura cívica pode ter para o Brasil, a partir do Estado, através desta iniciativa. No entanto, tudo isso depende da forma como este projeto tem sido discutido, da necessidade deste debate entrar na agenda de discussões pública de forma qualificada e da aprovação e regulamentação da PEC. A proposta do ministro Unger já está, efetivamente, tramitando no Legislativo brasileiro há um ano. Potencial positivo existe na proposta, no entanto, não é possível afirmar se chegará a tornar-se uma política pública, sob que condições e como será aceita pela sociedade, uma vez que suas informações estão sendo pouco noticiadas.

 

Janete Luzia Leite
Professora da Escola de Serviço Social

Em primeiro lugar, penso que o que está circulando em torno daquilo que o governo chama de Plano Nacional de Defesa ainda é por demais impreciso para permitir uma análise mais consistente, ao menos de minha parte.

No que diz respeito ao que é chamado de "serviços sociais", a zona de sombra é enorme. Não encontrei uma só definição ou caracterização do que os formuladores deste Plano querem dizer com esta nomenclatura. Então, a primeira dificuldade já se apresenta.

A segunda é a justificativa de a iniciativa possibilitar aos jovens "melhor conhecer a realidade do Brasil"; isso também possui um nível de ambigüidade enorme.

Ademais, parece-me que o Plano irá utilizar os jovens que não foram aproveitados na, digamos primeira peneira, para o Serviço Militar obrigatório. Seria este o contingente recrutado para a prestação de "serviços sociais". Para onde iriam estes jovens? Para o quê e como seriam treinados? A obrigatoriedade da prestação destes "serviços sociais" também se estenderia às mulheres e àqueles que estão cursando o Ensino Superior. Como é isso? O jovem teria que interromper os seus estudos acadêmicos para prestar "serviços sociais" compatíveis com a sua futura profissão? Quanto tempo duraria essa interrupção? Em se tratando de nível Superior especificamente, o sem número de projetos de Extensão que existem por todo o Brasil já dariam conta daquilo que parece ser "serviços sociais" e "conhecimento da realidade brasileira".

Ora, é notório que aqueles recrutados para o serviço militar são, em geral, jovens oriundos das camadas sociais menos economicamente favorecida. O Plano apenas declara que serão aproveitados aqueles cujas "habilidades físicas" sejam as melhores.

Assim, em uma primeira e necessariamente superficial análise, seria interessante não só acompanharmos as definições e o envolver do Plano, mas, principalmente, tentar estabelecer nexos com as ações do governo brasileiro em termos de "segurança" (e aí o espectro vai desde o envio de tropas ao Haiti até a utilização do "caveirão") e as reformas que estão sendo implementadas na Educação (que também abarca desde a "reformatação" do ensino técnico até a conclusão do Ensino Superior, mas que passa pelos cotistas, pelos incluídos no PROUNI e pelas diversas aplicações do REUNI).