• Edição 221
  • 16 de setembro de 2008

Entrelinhas

Os caminhos da literatura contemporânea brasileira

Vanessa Sol

capa do livro

O atual momento da prosa ficcional brasileira tem sido marcado pelo retorno do trágico. Uma nova geração de autores tem se caracterizado pela multiplicidade e pela heterogeneidade em suas produções. Para tratar deste universo, a diretora do Fórum de Ciência e Cultura e professora da Faculdade de Letras da UFRJ, Beatriz Resende, publicou Contemporâneos – Expressões da literatura brasileira no século XX, pela editora Casa da Palavra.

A obra, estruturada em três partes, traz ensaios sobre a literatura contemporânea brasileira atravessada pela questão da cidade, tendo Copacabana, no Rio de Janeiro, como tema. A autora mostra que, paralelamente ao declínio do bairro, surge um interesse artístico e literário que o torna o lugar da diferença. A segunda parte da obra aborda a produção literária no Brasil, dos anos 90 até os dias atuais, pelo viés do que não é canônico. A terceira e última, é uma homenagem a Leandro Konder e Silviano Santiago.

Beatriz Resende afirma que o livro é, também, uma tentativa de aproximar o trabalho de pesquisa da percepção mais imediata da mídia. “É uma tentativa de fazer uma ponte entre a crítica acadêmica e a jornalística. Elas, às vezes, se estranham. É muito difícil romper essa barreira”, destaca.

O lançamento do livro acontece no dia 23 de setembro, às 19 horas, na Cinemathèque Jam Club – Rua Voluntários da Pátria, 53, Botafogo – Rio de Janeiro.

Olhar Virtual: Como surgiu a idéia de escrever Contemporâneos – Expressões da literatura brasileira no século XXI?

Surgiu a partir da minha pesquisa acadêmica e de algumas contribuições para jornais e revistas nos cinco últimos anos. Na verdade, no final dos anos de 1990 até hoje, eu venho me ocupando, regularmente, com estudos sobre a literatura brasileira contemporaneíssima, especialmente, os jovens autores e os que estão surgindo depois dos anos 2000, que chamamos de geração 00 ou novos- novos.

Olhar Virtual: Como intelectual, por que o interesse por esses jovens autores e não pelos cânones da literatura?

Acho que este é um espaço do qual a crítica não se ocupa muito. A crítica se acomoda no cânone. Não que ela não deva dar conta da nossa tradição. Mas isso tem um lado cômodo: é mais fácil falar do autor consagrado. Em minha opinião, é mais desafiante falar daquele que está surgindo, porém, é mais arriscado porque pode-se cometer erros ou fazer uma avaliação precitada.

Olhar Virtual: Por que apostar nessa nova geração de escritores?

Em primeiro lugar, porque estou apostando muito neste momento da literatura brasileira, que há um fortalecimento e surgimento de novas vozes e dicções. E também porque acho que a multiplicidade tem formado um corpus especialmente interessante.

Olhar Virtual: Como o livro está estruturado?

Ele está dividido em três partes. A primeira compõe-se de uma série de ensaios teóricos da literatura contemporânea, muito atravessada pela questão da cidade, uma obsessão minha. Há muitos anos eu trabalho com o tema da cidade do Rio de Janeiro. No livro, há um capítulo sobre Copacabana e como ela aparece na literatura dos anos 50 até hoje. Ela se modifica no final dos anos 50, e o ensaio começa com a crônica Ai de ti, Copacabana!, de Rubem Braga, que mostra a decadência de Copacabana. No entanto, neste aspecto, vai surgindo um interesse artístico e literário que permite ao bairro continuar tema. Copacabana será o espaço do diferente: dos homossexuais, das prostitutas, dos turistas, das pessoas sozinhas. Então, este capítulo aborda Copacabana na literatura contemporaneíssima feita aqui e agora.

Nesse capítulo também faço uma reflexão sobre um outro tema que também tenho trabalhado bastante, que é o retorno do trágico. Olhando o século XXI, a idéia que tenho é que o século anterior foi dramático, ou seja, de conflitos que apontavam para alguma resolução. O século XXI se inicia com a marca do trágico. O dia 11 de setembro de 2001 marca esse início.

A segunda parte do livro, esta sim, dá conta da produção literária no Brasil dos anos 90 para cá, sempre pelo viés do que é menos evidente e não é canônico. Então, pode ser aquele autor que é jovem e que está começando como Santiago Nazariano, Paloma Vidal. Mas pode ser também um autor que não é tão jovem, mas que é um a coisa esporádica, como é o caso do editor da Cia. das Letras, Luiz Schwarcz, que publicou um livro de contos.

A terceira são dois textos de homenagem a um autor e a um pensador do momento anterior que continuam repercutindo até hoje. O autor é o Silviano Santiago, que junto com Sérgio Santana, é o autor da década de 70 e 80 que continuam criando e influenciando até hoje. O pensador que homenageio e que tem influência até hoje é o Leandro Konder.

Olhar Virtual: Por que você fecha o livro com homenagens a Leandro Konder e ao professor Silviano Santiago?

Faço isso, justamente, para mostrar este contemporâneo que está aqui e agora, mas que não surge do nada. Os dois mostram que essa virada é um momento de buscar uma literatura que tenha a marca da diferença, da discussão de gêneros e da política. Se o país está diferente, é em função de uma mudança política. Hoje, ele é mais democrático, ou seja, as novas vozes encontraram mais espaço. Então, eu quis fechar com a questão da literatura e do pensamento político.

Olhar Virtual: A literatura brasileira contemporânea, produzida a partir de 1980, busca acompanhar as transformações sociais e políticas ocorridas no Brasil a partir da redemocratização. Essa literatura busca novos modos de se constituir como forma de expressão artística?

Na verdade, tem uma diferença. A década de 1980 foram anos de um certo ufanismo, de retomada do processo de redemocratização. Isso muda nos anos 90. Há uma desterritorialização da literatura e da arte, e nesta mesma década aparece a grande novidade: as novas vozes, sobretudo, as da periferia.

Surgem novos temas, entre eles o tema renovado da cidade, porém, agora atravessado pela violência. Dessas novas vozes da periferia, o grande marco é Cidade de Deus, de Paulo Lins. São novas vozes que falam por elas mesmas e que não precisam de mediadores.

Olhar Virtual: É sempre muito difícil analisar um cenário teórico fazendo parte dele. No entanto, qual seria a principal característica da literatura brasileira contemporânea?

Existem três características principais: A primeira é a multiplicidade. Não existe um estilo dominante. É uma heterogeneidade em convívio.

A segunda é a fertilidade. O fator novo que contribui para este momento é a internet. É a literatura que se depara pela primeira vez com um novo suporte – o espaço virtual. Nessa perspectiva, o autor não precisa esperar mais pelo mediador. Ele divulga seu trabalho e discute com seus pares, colegas e amigos através da rede.

A terceira é a qualidade da ficção desses autores contemporâneos. Por qualidade, entende-se originalidade, nova dicção (vozes da periferia) e erudição de alguns desses autores. Um exemplo desta erudição é Joca Terron.

Olhar Virtual: A literatura brasileira contemporânea segue alguma tendência mundial?

Por um lado, sim. A violência, por exemplo, é um tema mundial. O tema das grandes cidades também é mundial. Porém, o que há de mais interessante é manter uma dicção local em relação à global. A primeira está longe do ser regionalista, mas oferece uma resistência à homogeneidade globalizante.

Olhar Virtual: O livro fala da literatura brasileira produzida na virada do século XX para XXI. Quais seriam os principais escritores desta época?

Na ficção, Silviano Santiago e Sérgio Santana, esses são autores do século XX, mas que permanecem como influencia até hoje. Há também Rubens Figueiredo, Luiz Ruffato, Joca Terron, João Paulo Cuenca, Cecília Giannetti, Marçal Aquino, Daniel Galera, Bernardo Carvalho, entre muitos.