• Edição 206
  • 03 de junho de 2008

No Foco

UFRJ e Marinha criam site para acompanhar ciclones

Vanessa Sol

foto no foco

A meteorologia brasileira tem evoluído muito nas últimas décadas, conforme demonstram as pesquisas realizadas no país. O Laboratório de Prognósticos em Mesoescala (LPM) do curso de graduação em Meteorologia da UFRJ e o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, da Marinha brasileira, localizado em Arraial do Cabo, vão criar um site em que será visto um estudo sobre a identificação de ciclones na região do Atlântico Sul. De acordo com coordenador do LPM e professor do curso de Meteorologia da UFRJ, Isimar Santos, a idéia de criar o site surgiu com a percepção sobre a incapacidade dos meteorologistas brasileiros em prever, convenientemente, ciclones como o Catarina, de março de 2004, que causou destruição e mortes na costa sul do Brasil.

Para o professor, os pesquisadores sabem identificar os ciclones extratropicais, comuns na região do Atlântico Sul, porque são relativamente previsíveis, tanto na sua estrutura quanto na forma de deslocamento. No entanto, o estudo está voltado para a previsão de fenômenos atípicos. “A nossa preocupação está em prever os ciclones semelhantes ao Catarina, originalmente extratropical, que depois virou subtropical. Ele se desgarrou da frente fria e permaneceu no oceano Atlântico de forma independente. Foi nessa hora que vimos, através do satélite, o ciclone se aproximar, formar olho, sem saber o que estava acontecendo. Mas, esta previsão pode ser melhorada e o desenvolvimento da pesquisa tem apontado caminhos ao aprimoramento”, explica.

Pela ausência de rotas de navegação no Atlântico Sul, até então não tinham sido feitos muitos estudos em relação à detecção de ciclones nesta área. Outro fato relevante e que explica o baixo interesse na área é o afastamento de 95% dos ciclones extratropicais da costa. Estes ciclones estão associados a frentes frias e se deslocam para leste, enquanto os tropicais e subtropicais se deslocam para oeste.

O professor afirma, ainda, que é preciso estar atento às mudanças climáticas mundiais. “O Brasil precisa olhar com mais atenção para essa região. Se nós tivermos um melhor conhecimento dela, teremos também um conhecimento maior do clima global, pois a atmosfera é integrada e percebemos um panorama climático em transformação, mas não sabemos os efeitos dessas mudanças no Atlântico Sul. Os estudos darão subsídios para isso” enfatiza.

O endereço eletrônico

O site está sendo idealizado para funcionar a partir de três bases de sustentação. A primeira é a previsão dos ciclones extratropicais no oceano Atlântico Sul, já possível em função do know-how que o LPM possui. A segunda é reunir a experiência de países que são mais impactados por ciclones e identificar quais são suas características como, por exemplo, a velocidade dos ventos permitindo adotar medidas para cada tipo de vento. Já a terceira é adaptação dos modelos matemáticos utilizados no Brasil para melhor identificar a passagem de um tipo ciclone a outro, o que hoje é a grande dificuldade dos meteorologistas do país. Para realizar as adaptações, Isimar afirma que está formalizando uma parceria com um centro de meteorologia australiano. “Nós estamos formalizando um convênio com um dos centros de previsão do Austrália para adquirir o conhecimento que eles possuem destes fenômenos, uma vez que não estamos conseguindo fazer previsões adequadas no Brasil, com os modelos que dispomos. Os modelos até são os mesmos, mas precisam de alguns ajustes às condições brasileiras”, destaca.

Na página eletrônica, que deve funcionar no final do ano, serão disponibilizados também estudos sobre as vulnerabilidades da costa do Rio de Janeiro. Outro ponto de destaque do site será a simulação do ciclone Catarina, através de modelo WRF, como se estivesse no dia em que aconteceu.

Parceria

De acordo com Isimar, a Marinha será a alimentadora natural deste sistema porque os ciclones são essencialmente oceânicos. Ela passará as informações obtidas em bóias e em navios ao LPM. O sistema, constituído por modelos matemáticos de previsão, pelo equipamento computacional e monitoramento por satélites e pelo site, é fruto de um estudo que vem sendo desenvolvido, desde 2004, com incentivo da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O professor explica também que depois do sistema pronto terá de buscar investimentos para a manutenção porque o site é a materialização do estudo desenvolvido. Além disso, Isimar afirma o seu desejo pela divulgação científca: “Espero que este site seja lido por jovens de curiosidade sobre a questão ambiental, não só neste momento crítico. Acredito que ele será uma fonte de informação e de esclarecimento”, ressalta.

O que são ciclones

Ciclones são sistemas de baixa pressão atmosférica, sendo também caracterizados por ventos intensos e chuvas. Também se enquadram como ciclones os furacões, tufões e tempestades tropicais.

Os ciclones que atingem o Caribe, o Golfo do México e a costa leste americana e entram pelo sul dos EUA são formados próximo à costa africana e se deslocam ao longo do oceano Atlântico para oeste. Eles são, desde sua origem, ciclones tropicais. Segundo o professor, nunca haverá no Atlântico Sul um ciclone deste tipo porque estas águas são muito frias. “O ciclone tropical vira furacão quando atinge uma velocidade muito intensa e no Atlântico isso é muito raro porque a temperatura da água é muito baixa para o ciclone se originar como tropical. Para isso, seria necessária uma temperatura acima de 27 graus, o que não ocorre aqui”, destaca.

Futuro

Os desdobramentos do estudo dos ciclones no Atlântico Sul, na opinião de Isimar, são importantes como parte de um contexto mais amplo do clima global e suas mudanças. Segundo ele, essas transformações também estão muito ligadas à Antártida, circundada por ventos e por correntes oceânicas que a protegem do degelo acelerado. “Eles são um escudo de proteção. Através de estudos realizados nesta região, parece que os ventos que circundam a Antártida são ciclônicos. Conhecer os ciclones do Atlântico Sul é também conhecer os ventos da Antártida”, finaliza.