• Edição 201
  • 29 de abril de 2008

De Olho na Mídia

O inimigo da mídia

Aline Durães

imagem ponto de vista

Depredações do patrimônio público. Interdições de estradas e ferrovias. Invasões de terra. São ações desse tipo que a grande mídia divulga quase diariamente a respeito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nascido no final da década de 1970, o MST ganhou visibilidade nacional – e internacional – principalmente depois que 22 camponeses foram brutalmente assassinados por policiais no episódio conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em abril de 1996.

Apesar da violência perpetrada aos trabalhadores rurais, presente não só no acampamento do sul do estado do Pará, as manchetes de jornais e de revistas e as reportagens de televisão se dedicam, com uma freqüência cada vez maior, a criar uma atmosfera de rebeldia mesclada com banditismo em torno do movimento, deturpando suas bandeiras e lutas.

Historicamente, o MST é um movimento que tem como fim último imprimir mudanças significativas na estrutura fundiária brasileira, de maneira a promover o acesso de pequenos proprietários e camponeses a terras e a melhores condições de vida. Reforma agrária, educação e, mais recentemente, o fim do controle do campo pelas transnacionais são algumas das reivindicações dos assentados. A mídia, no entanto, foca sua cobertura nas ações do grupo, deixando em segundo plano os debates intrínsecos às reivindicações.

Maria Lídia da Silveira, professora da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), ressalta o fato de o MST ser um dos poucos movimentos sociais que não foram conformados pelo governo nos últimos anos. Para ela, esse dado explica a visibilidade dada pela imprensa aos camponeses. “O MST ainda resiste, ainda se propõe a efetivar transformações na ordem injusta da sociedade brasileira. O movimento sindical está dentro da ordem; movimentos associativos de bairros e de favelas sofreram a perda de organização e de luta também por terem sido conformados pela ordem”, analisa.

Na opinião da pesquisadora, integrante do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas de Direitos Humanos (NEPDH), órgão suplementar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) responsável pelo curso de formação em Teorias Sociais e Produção de Conhecimento, ministrado a trabalhadores sem terra durante o período das férias na UFRJ, a mídia trata ideologicamente o tema da reforma agrária. Segundo Maria Lídia, a abordagem jornalística tem o poder de criar no público visões destorcidas do MST.

– O processo de formação da consciência nacional é feito pela mídia. Ela educa, ela forma. As pessoas pensam que construíram uma noção de mundo, mas, na verdade, essa visão é forjada no espaço volátil e rápido da mídia. Os indivíduos incorporam uma visão ideológica como se fosse a deles próprios. Por isso, depois de terem acesso às produções midiáticas, as pessoas pensam que o MST saiu da ordem, está faltando ao respeito com o poder público e que os trabalhadores são, em última instância, bandidos – observa.

De acordo com a professora, são os interesses do grande capital que guiam a cobertura midiática tendenciosa quando o assunto é o MST. “O capital industrial está no campo. Existe hoje uma estrutura do capital muito mais insidiosa e com formas de exploração que ultrapassam as ações do grande latifúndio do passado. Há uma articulação do capital industrial com o capital rural muito forte. Os interesses são do grande capital. Não interessa então a esse capital que a população reivindique e consiga direitos, pois isso significa diminuição da lucratividade”, elucida.

Maria Lídia acredita que a solução para a atual situação seria uma sociedade que, dentro de um processo organizativo mais crítico, cobrasse uma nova produção midiática. “Mas isso não existe. As pessoas estão satisfeitas com a imprensa existente”, finaliza.