• Edição 193
  • 04 de março de 2008

De Olho na Mídia

Cuba após a renúncia: o destino da ilha segundo a imprensa

Camilla Muniz

imagem ponto de vista

Desde julho de 2006, quando Fidel Castro se afastou da presidência de Cuba por motivos de saúde, muita expectativa vem sendo criada em torno do rumo que a política cubana tomará. Com a renúncia de Fidel no último 19 de fevereiro, após 49 anos à frente do governo, e com a transição do poder no país, consolidada pela eleição de Raúl Castro para presidente da ilha, o assunto tem sido abordado diariamente pelos meios de comunicação, na maioria das vezes de forma parcial.

Segundo Manuel Sanches, professor do departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), dificilmente a mídia consegue ser imparcial pelo fato de utilizar dois conceitos que não são científicos: direita e esquerda. Para o professor, nem mesmo os especialistas em Política são imparciais em suas análises. “Direita e esquerda não são conceitos científicos, mas são capazes de produzir grandes efeitos. Quando os meios de comunicação usam esses conceitos, o que acaba predominando na cobertura midiática é a emoção e não a racionalidade. Assim, Fidel Castro é defendido ou condenado, dependendo da forma como a imprensa o caracteriza. Evidentemente, Fidel tem qualidades e defeitos que estão vinculados ao sistema de governo cubano, mas, infelizmente, a mídia não tem conceitos para tratar o assunto sem tomar partido. Nos meios de comunicação, Fidel é descrito como o que ele representa — para o bem ou para o mal — para uma geração, e isso influencia diretamente a juventude que não vivenciou a época da Revolução Cubana”, analisou Sanches.

Para Sanches, é importante ressaltar que apesar de Fidel não ter mais o controle das políticas públicas de Estado — que agora estão sob a responsabilidade de Raúl — o ex-presidente de Cuba ainda é o secretário-geral do Partido Comunista, o que confere a ele o poder de veto sobre as decisões do irmão.

— Não podemos nos enganar achando que Fidel Castro não tem mais influência sobre o governo cubano. O poder de veto sinaliza que ela ele ainda está no poder. Raúl Castro é um dos poucos do grupo de Sierra Maestra que consegue organizar bem suas ações, mas não tem o carisma de figuras como Fidel e Che Guevara. Raúl é pragmático, difícil de romantizar.

O professor explicou que Cuba passa por mudanças estruturais significativas há cerca de 20 anos. Segundo o cientista político, o Capitalismo já funciona em diversas regiões da ilha, e o capital estrangeiro circula abundantemente nas áreas onde o turismo é a principal atividade econômica. “A transição política possibilitará, gradativamente, outras mudanças importantes. Até mesmo porque a geração de Fidel e Raúl não é imortal e a outra geração que assumirá o poder em Cuba daqui a alguns anos produzirá ações baseadas em outras ideologias”, destacou. Entretanto, Sanches acredita que a tendência é que a imprensa que critica Fidel e o Socialismo continue “demonizando” o governo cubano.

— Tudo depende de como a mídia analisa o assunto e de como as emoções afloram. Todo pensamento afetivo expressa um desejo, e não uma análise racional. Aqueles que defendem a manutenção do Socialismo e que ainda vêem Fidel como aquele mesmo guerrilheiro da Revolução Cubana continuarão “sacralizando” o governo da ilha. Já aqueles que pregam o capitalismo e a liberdade certamente prosseguirão “demonizando” o regime cubano — salientou o professor, que prevê alterações também nas relações entre Cuba e EUA: “As mudanças vão ocorrer igualmente no cenário político norte-americano, com a possível eleição de um democrata, mais especificamente de Barack Obama. Apesar de o fim do bloqueio econômico não ser vital para as duas nações (EUA não dependem de Cuba e a ilha, apesar de não estabelecer comércio com os norte-americanos, mantém relações econômicas com mais de 100 países), muitas empresas sediadas nos EUA têm interesse no lucrativo turismo em território cubano”, finalizou Sanches.