• Edição 190
  • 22 de janeiro de 2008

Olho no Olho

Terremotos no Brasil?

Kareen Arnhold e Fernanda de Carvalho – AGN/Centro de Tecnologia

imagem olho no olho

O tremor de 4.9 graus na escala Richter – ocorrido na cidade mineira de Itacarambi, em dezembro do ano passado – não apenas destruiu casas e matou uma menina de 5 anos como também trouxe à população a seguinte questão: é possível ter terremotos no país, localizado no meio da placa tectônica Sul-Americana? Para responder à pergunta de milhares de brasileiros, os professores da UFRJ Edson Farias Mello, geólogo do Instituto de Geociências, e Maria Cascão Ferreira de Almeida, engenheira civil da Escola Politécnica, com base em seus estudos, expuseram suas opiniões ao Olhar Virtual.

 

 

 

Edson Farias Mello
Departamento de Geologia do Instituto de Geociências - UFRJ

“O tremor que ocorreu em Minas Gerais atingiu 4.9 pontos na escala Richter, o que para a nossa região é alto. O Brasil não é um país sujeito a terremotos porque está localizado no meio de uma placa tectônica. Todas as manifestações de sismos e vulcões se dão nas bordas das placas, onde ocorrem choques, contato entre placas ou onde existe uma grande compressão. Em algum momento, onde se excede o limite de suportar essa compressão, a energia escapa e vem o terremoto. Nós não temos essa situação aqui. As falhas geológicas do Brasil estão cartografadas nos mapas geológicos, inclusive algumas até foram lembradas à época do sismo em Minas Gerais. Alguns geólogos, técnicos e geofísicos manifestaram a opinião de que havia uma ativação tectônica, ou seja, uma dessas falhas teria se movido e provocado o terremoto.

Eu não creio nessa possibilidade. Em toda aquela região do nordeste de Minas, há uma unidade geológica que se chama Grupo Bambuí. Uma das características deste Grupo são as rochas carbonáticas, o calcário, que é fortemente reativo com a água, formando, nesse processo, cavernas.

Outra coisa que eu observei é que lá existe um sítio cadastrado no SIGEP (Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos), onde se registram os patrimônios naturais e geológicos, como as cavernas. Sabemos que existem imensas cavernas, aquelas que você consegue acessar em superfície. E em subsuperfície, aquelas mais profundas? Nós não as acessamos, mas elas também existem.

O que ocorre é que a água percola ao longo dessas cavernas subterrâneas, das falhas, das fraturas, que vão funcionar como condutores, ou seja, avenidas por onde as águas vão passar. Em profundidade, salões monstruosos podem ocorrer como resultado dessa reatividade do carbonato com a água, que corrói o calcário. Se há grandes salões e, acima disso, um peso de rocha enorme, em algum momento eles vão se debater, o que gera um sismo.

O hipocentro do terremoto de Minas estava na ordem de 4 km de profundidade, onde havia, portanto, alguma dessas grandes cavernas e a acomodação se deu aí. A questão é: a 4 km ainda encontramos rocha carbonática? Pode ser que sim. A água percola por essa profundidade e as falhas são profundas. Não somente as falhas, como as fraturas e as rochas, que, na medida em que o tempo passa, tendem, nessa região aqui do Brasil, a soerguer por uma compensação. É uma compensação dada por gravidade: grandes massas sobem e outras regiões afundam. Ao subir, as rochas tendem a afrouxar e as fraturas se propagam e aparecem.

Quando se abrem as fraturas, aumenta a permeabilidade da rocha e as águas penetram. Se existe calcário ali, essas águas vão corroê-lo e as cavernas vão tombar. Eu penso nessa possibilidade, não classifico como um terremoto, e sim um sismo gerado por acomodação de terra. As fraturas podem ter sido condutoras da água, que permitiu a reação e o desmoronamento das cavernas subterrâneas. Eu não creio na possibilidade de terremoto.

No entanto, isso não significa que não ocorram terremotos no Brasil. Algumas regiões são conhecidas como sismicamente ativas: é o caso do Rio Grande do Norte. Há uma grande falha oceânica, que na Geologia chamamos de falha transformante, a qual possui um deslocamento horizontal e subhorizonal, uma conseqüência da abertura do oceano Atlântico. Tal oceano, ao expandir, faz com que algumas falhas ortogonais sejam ativas. Uma destas se propaga para o interior do continente, avança pelo Rio Grande do Norte e vai até um pouco mais adentro.

Desta forma, uma sismicidade relacionada à tectônica de placas, no sentido de uma subducção, ou seja, uma placa que mergulha sob outra, aqui no Brasil não existe. Pode acontecer um reflexo de uma atividade nos Andes, por exemplo, onde um choque vai propagar uma onda que será sentida aqui, como aconteceu em São Paulo, recentemente. Ocorreu um sismo em São Paulo, mas ao mesmo tempo foi diagnosticado um epicentro de um terremoto nos Andes, de uma magnitude muito alta. Foi um choque e a onda gerada propagou-se para o interior do continente. Neste caso, note que o foco está longe da cidade”.

Maria Cascão Ferreira de Almeida
Departamento de Mecânica Aplicada e Estruturas da Escola Politécnica - UFRJ

“As pessoas se perguntam se sismos ocorrem no Brasil. Sim, embora estejamos numa região intraplaca tectônica, com sismicidade menor que regiões em bordas de placas, sismos ocorrem no Brasil e em qualquer região do planeta. Para ser notícia, entretanto, é preciso que causem algum efeito sobre as pessoas. Este foi o caso do recente sismo de magnitude 4.9 ocorrido em Minas Gerais, em dezembro de 2007, tendo sido o primeiro sismo brasileiro com vítima.

Embora existam outras fontes sísmicas, os sismos ocorrem, em geral, pela movimentação da crosta terrestre. Para entender melhor, vale explicar: a Terra é constituída por uma parte interna, com temperaturas extremamente elevadas, denominada núcleo; por uma camada intermediária chamada manto e pela camada externas conhecida como crosta. No manto – onde a parte inferior é bem aquecida e a superior tem uma temperatura menor – ocorre um movimento de convecção: as camadas mais quentes tendem a subir e as mais frias tendem a descer. Isso gera uma força enorme, capaz de fazer a crosta terrestre se movimentar.

Os deslocamentos das placas tectônicas podem acontecer de forma descontínua e brusca –causando os sismos – ou de forma suave e contínua – como acontece, na maioria das vezes, em região intraplaca. As faixas próximas aos limites destas placas correspondem às regiões mais sismicamente ativas, devido à movimentação relativa entre placas vizinhas.

Existe, atualmente, uma crescente preocupação e uma conscientização internacional em relação à necessidade de se prevenir quanto à ocorrência de sismos em regiões intraplacas. Antigamente, os tremores que ocorriam nessas regiões não causavam muitos problemas pelo fato de as cidades serem menores, com densidades demográficas menores e sem prédios altos. Hoje, com as grandes estruturas, o ideal é a prevenção por meio de projetos de estruturas resistentes aos sismos.

Embora o Brasil se situe em região de baixa sismicidade (no meio da placa tectônica americana) a ocorrência de terremotos não pode ser desprezada nos projetos de engenharia, uma vez que tais eventos podem promover sérios danos estruturais, com conseqüências catastróficas, tanto do ponto de vista sócio-econômico como ambiental. Análises sísmicas são fundamentais para grandes projetos de engenharia, tais como barragens, instalações nucleares, centros petroquímicos e sistemas de exploração de petróleo.

O Brasil conta hoje com uma norma técnica para projeto de estruturas resistentes a sismos e temos desenvolvido, na UFRJ, pesquisas visando o estabelecimento de metodologias capazes de fornecer subsídios para a verificação da segurança de estruturas existentes e para a elaboração de futuros projetos com base em dados sísmicos brasileiros.

Numa análise sísmica, é importante se trabalhar com dados da região sismogênica de interesse, onde se encontra o projeto em questão. A definição do carregamento sísmico é uma etapa fundamental nas análises de estruturas sismo-resistentes, uma vez que a resposta das estruturas a solicitações sísmicas depende das suas características dinâmicas e dos conteúdos de freqüência e tempo de duração do evento sísmico.

Na verdade, projetar uma estrutura resistente a sismos, com base em dados sísmicos realistas, não encarece muito a obra. O acréscimo não é nada comparado aos prejuízos que podem advir na ocorrência de um sismo, que ocorrem no Brasil e os brasileiros precisam se conscientizar disso.”

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