• Edição 180
  • 16 de outubro de 2007

De Olho na Mídia

Uruguaiana Filmes x Universal Pictures

Julia Vieira

imagem ponto de vista

O termo pirataria foi incorporado ao vocabulário moderno por caracterizar a atividade dos piratas marítimos, mas os bens pirateados de hoje são bastante diferentes e, em grande parte dos casos, são ligados a propriedades artísticas e culturais. Em poucas palavras, pirataria refere-se a copiar, vender ou distribuir material sem o pagamento de direitos autorais nem impostos.

No Brasil a pirataria é crime, no entanto, a Lei Anti-Pirataria ressalva que a compra ou obtenção gratuita de um único item, sem intuito de lucro, não constitui ilícito. Assim, o comprador, verdadeiro financiador do mercado de produtos ilegais, não pode ser punido pelos seus atos, pois está resguardado pelo Código Penal.

Sempre surgem casos extremos e a mídia retoma o assunto. Desta vez foi Tropa de Elite, de José Padilha, divulgado ilicitamente antes do lançamento, teve cerca de 1 milhão de cópias vendidas, segundo a FilmeB, que, aliás declara, o número pode ser ainda três vezes maior.

Para analisar a cobertura da imprensa quando o tema é pirataria e comércio de produtos ilegais, o Olhar Virtual conversou com Fernanda Martineli, professora da Escola de Comunicação da UFRJ.

De que forma as atividades ligadas à pirataria aparecem retratadas pela mídia?

Para mim o problema não é o que a mídia faz ou deixa de fazer no combate à pirataria; é fato que ela não procura questionar os motivos da existência e da circulação desses produtos na sociedade.

A imprensa exerce uma tentativa de criminalizar a pirataria e, de fato, juridicamente tanto a produção quanto o consumo consciente de bens piratas se caracterizam como crime. As campanhas publicitárias e a cobertura dos grandes veículos de comunicação sugerem associações com o tráfico de drogas, trabalho infantil, crime organizado, causas de desemprego e as mais variadas mazelas sociais, sem necessariamente apresentar provas de tudo isso acontecer em virtude da indústria da falsificação. De modo geral, predomina na mídia uma visão bastante normativa para tratar a questão da pirataria. A preocupação maior não é problematizar o consumo de bens pirateados e pensá-lo criticamente, mas sim divulgar cifras, números dos supostos prejuízos causados pela indústria da falsificação.

Não estou defendendo a pirataria, mas sugerindo um olhar além dessa postura normativa observada na mídia. Na grande mídia, a pirataria é sempre apontada como causa de diversos problemas sociais, mas raramente aparece como conseqüência.

Também não podemos esquecer de não tratar todo tipo de pirataria da mesma maneira; a comercialização e o consumo de artigos distintos obedecem a lógicas diversas. Por exemplo, artigos de luxo como bolsas, óculos, calçados, roupas e acessórios oferecem uma espécie de marcação visual, enquanto softwares, filmes e música seguem uma outra racionalidade.

Existe uma tendência à desqualificação do produto pirata, mas muitas vezes comprar o produto original não significa ter garantias de qualidade; e, lembrando que o próprio conceito de qualidade pode ser bastante subjetivo, ter significados diferentes para diferentes grupos de pessoas. Produto original nem sempre é sinônimo de qualidade, por exemplo, o recente caso dos brinquedos da Mattel, produzidos com tinta tóxica.

Em casos como o do filme Tropa de Elite, pode-se dizer que a pirataria agiu como espécie de marketing para o filme?

A respeito do acontecido com o Tropa de Elite, podemos considerar a existência de uma relação ambivalente: se por um lado a comercialização do dvd pirata pode ter trazido prejuízos, também funcionou em certa medida como forma de divulgação. Criou-se uma expectativa em torno do filme bem antes deste chegar aos cinemas, e a quantidade de mídia espontânea gerada foi imensa.

No campo da música, se por um lado os artistas podem perder com a venda de discos piratas, por outro também podem conseguir um alcance mais amplo do trabalho, revertido em bilheteria para os shows. A banda Calypso inclusive já declarou em entrevistas que distribui seus cds originais a partir de vendedores de discos piratas, e que isso contribui para a divulgação do seu trabalho.

As propagandas anti-pirataria, veiculadas na televisão e antes do início de sessões de cinema surtem o efeito desejado?

É difícil dizer sem dados concretos o quanto às campanhas publicitárias contra a pirataria surtem efeito. É difícil fazer inferências a esse respeito pois a própria informalidade dessa economia dificulta uma dimensão exata do seu alcance, mas particularmente, enquanto houver um desejo de consumo de massa sobre esses bens sem, em contrapartida, uma efetiva condição de adquiri-los, haverá um terreno fértil para a reprodução em pirataria.

Em condições ideais qualquer pessoa preferiria adquirir o bem original, porém na nossa realidade socioeconômica, em que as condições de renda impedem a satisfação dos desejos e das necessidades de consumo socialmente produzidos, o consumo de bens piratas pode se tornar um meio de satisfação momentânea dessas necessidades e desejos, pode ser um paliativo. A pirataria só existe porque existem pessoas interessadas em adquirir esses produtos. É importante procurar identificar suas motivações, e estas são distintas em diferentes tipos de produtos e grupos de consumidores.