• Edição 166
  • 10 de julho de 2007

Olho no Olho

Tráfico de drogas: assunto de escola?

Aline Durães

imagem olho no olho

Na semana passada, a Prefeitura do Rio de Janeiro vetou a utilização do livro didático Geografia - Sociedade e Cotidiano, da editora Escala Educacional, nas escolas da Rede Municipal de Ensino. O livro, indicado pelo Ministério da Educação (MEC) para a 6ª série do ensino fundamental, recebeu fortes críticas por apresentar na página 10 do primeiro capítulo um mapa, intitulado “Áreas de Atuação de Grupos de Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro”, com a discriminação de qual facção criminosa comanda cada uma das favelas cariocas.

Indignados, professores da rede pública, sob o argumento de que o livro é antipedagógico, organizaram um documento de protesto contra a circulação do impresso, que faz parte do Programa Nacional do Livro Didático. Nesse programa, o MEC organiza uma listagem com livros avaliados e selecionados por especialistas em cada disciplina e a envia às escolas públicas para que cada instituição escolha os livros que deseja adotar no ano seguinte.

Em entrevista ao jornal O Globo, Márcio Vitielo, um dos autores do impresso, afirmou que, ao publicar o mapa, estava “colocando num livro didático uma informação que faz parte da realidade do país. Infelizmente, não tem como omitir isso, afinal, a Geografia estuda uma realidade”. Apesar de o MEC não ter se pronunciado sobre o assunto, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de 5ª e 6ª séries, elaborados pelo ministério, prevêem que o mapeamento dos níveis de ocorrência da violência e da criminalidade urbanas pode ajudar na explicação e compreensão desses fenômenos.

Para comentar a polêmica, o Olhar Virtual entrevistou Cláudia Giesel, professora da Faculdade de Educação (FE/UFRJ), e e Lia Osório, pesquisadora do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (Igeo/UFRJ). Confira as opiniões dos docentes:

Cláudia Giesel
professora da Faculdade de Educação

“Não sou contra debater o tema das drogas e do tráfico em sala de aula, mas acho que estampar isso nas primeiras páginas de um livro didático é algo muito perigoso. As escolas públicas hoje atendem várias classes. Temos que considerar como se sentirão aquelas crianças que vêm dos lugares nos quais estão localizadas as facções. Será que o próprio educador não vai trabalhar de uma maneira que vai acabar ratificando preconceitos? A utilização incorreta desse material pode estigmatizar essas crianças. Nesse sentido, o livro acaba mesmo sendo um projeto antipedagógico.

Vale lembrar que esse livro será adotado em nível nacional. Em outros estados também existem facções criminosas. Por que então publicar um mapa apenas do Rio de Janeiro? Seria interessante se os autores abordassem o tráfico de drogas dentro de um quadro comparativo, utilizando o Brasil como um todo e não apenas um estado da federação.

Além disso, o educador precisa de tempo para trabalhar uma questão delicada como essa. É imperativa uma contextualização histórica do problema social do tráfico, que procure explicar como ele nasceu e como ocorreu o seu desenvolvimento. Não adianta apenas trabalhar com o mapa de maneira ilustrativa, apontando as áreas de risco, sem qualquer aprofundamento teórico.

Embora seja difícil a discussão sobre as drogas, o professor não pode declinar da sua função de formador. Ele tem que estar preparado, lançando mão de muita criatividade e astúcia, para debater esse tema. Para isso, é fundamental que o educador compreenda que está lidando com seres humanos, cada qual com sua própria história de vida, e que a tarefa dele ali, em sala de aula, é, acima de tudo, formar cidadãos. "

Lia Osório
docente do Departamento de Geografia

“A primeira questão é saber se crianças da 6ª série têm condições para compreender e seus professores de explicar uma questão tão complexa quanto o tráfico de drogas e sua relação com as noções de espaço e território. Os autores do livro quiseram inovar, o que é bom, mas é preciso ir muito além da localização e nomeação dos grupos envolvidos nessa atividade. Se o conhecimento dos autores é limitado ou se estão limitados pela informação que pensam poder passar para uma criança na 6ª série então seria melhor outro tipo de abordagem, uma abordagem que enfatizasse como opera o tráfico no espaço metropolitano e não um mapa que mostra que grupo domina qual favela. Creio que a abordagem que adotaram compromete o ensino e a aprendizagem do tema.

Ao dar ênfase à relação entre favela e facção criminosa os autores reforçam o difundido preconceito de que o tráfico de drogas opera fundamentalmente nas favelas. Além disso, ao associar um lugar à determinada facção criminosa os autores dão uma idéia de estabilidade na organização geográfica do tráfico o que não corresponde aos fatos. Importante destacar ainda que nem alunos nem professores da 6ª série no Rio de Janeiro e pelo Brasil afora vão aprender, através de um mapa, a natureza complexa do tráfico ilegal de drogas e, principalmente, o problema principal que não pertence, mas deveria pertencer, ao currículo do primeiro grau: a saúde individual e coletiva, o que inclui o crescimento do consumo de drogas ilegais e legais no mundo atual.

Para finalizar, gostaria de enfatizar que a questão não é só o mapa nem a imagem negativa do Rio de Janeiro. A questão é saber se ‘mostrar uma realidade’ através de uma imagem é suficiente para uma criança ‘entender’ a cidade na qual vive. Nem os adultos estão entendendo a ‘sua’ cidade, muito menos se é correto falar de ‘uma realidade’."