• Edição 155
  • 19 de abril de 2007

Ponto de Vista

Professores de português e o fantasma do certo ou errado

Kadu Cayres

imagem ponto de vista

“O Vasco perdeu de goleada pro Framengo ”. Diante desta afirmação, todo leitor atento acharia que o jornalista responsável pela matéria, no mínimo, desconhece o uso correto do Português. Entretanto, sendo a língua um elemento em constante variação, pode ser que daqui a uns 30 anos, a frase citada acima não seja uma agressão à inteligência de ninguém, e sim, uma sentença afirmativa correta.

Segundo o livro Ensino de gramática – descrição e uso, organizado pelas professoras da Faculdade de Letras da UFRJ, Silvia Vieira e Silvia Brandão, a cultura do certo e errado representa um grande fantasma na hora de ensinar Língua Portuguesa na escolas. Preocupado em adequar à tradição gramatical àquilo que se observa hoje nos estudos lingüísticos que vêm sendo feitos sobre o funcionamento da língua e suas variações, o livro partiu do princípio de que, embora o ensino da língua deva ser baseado no texto, a gramática ainda é um componente fundamental para o aprendizado, porque não há texto sem o devido suporte gramatical.

Na visão da professora Silvia Vieira, o ensino de Língua Portuguesa, no final do século XX, sofreu uma certa decadência, em parte, devida a ampliação do acesso ao Ensino Fundamental e Médio, colocando novas questões educacionais e pedagógicas. Em especial para os professores de Língua Portuguesa, que viram um contingente de crianças e jovens, oriundas de extratos sociais mais heterogêneos, aportar seus falares e suas gramáticas particulares a uma instituição concebida para formação de filhos das elites e das classes médias superiores.

A solução encontrada foi a valorização do texto, por parte dos professores. Até determinado ponto, a solução deu certo, mas ao longo do tempo todo o investimento feito na lingüística do texto acabou negligenciando o lado do componente gramatical. Isso, por sua vez, deixou o professor sem saber como fazer a ponte do texto para gramática – não gramática vista como livro ou manual, e sim, como regras que compõem cada língua.

Para as professoras e organizadoras do livro, a ordem “texto-gramática ou gramática- texto” é variável assim como a língua. “Há fenômenos em que não se depende exclusivamente do texto para trabalhar a noção teórico-reflexiva. Agora, levando em conta que o que se deseja é a competência do aluno na produção e compreensão textual, métodos que partem do texto para se chegar ao texto, parecem mais recomendados”, esclarece Silvia Vieira, acrescentando que isso não significa desprezar a matéria lingüística.

Muitas vezes, quando chegam às faculdades de Letras, os jovens se surpreendem, pois acreditam que ali acharão a verdade absoluta sobre sua língua materna, o que não acontece. Como docente de Letras, Silvia Brandão afirma que o objetivo do curso na UFRJ é procurar mostrar a importância da variação lingüística, e que todas as variantes devem ser respeitadas, porque apresentam uso funcional. “Os estudantes pensam que aqui vão descobrir o que é certo e errado, e nós mostramos que tudo é relativo, que tudo depende da situação linguística em que se encontra. Eles precisam saber que existem variantes mais estigmatizadas, e que em determinadas situações sociais, ele vai usar uma ou outra”.

O livro destaca que há questões que fogem ao ensino de Língua Portuguesa, que dizem respeito ao saber lidar com os fenômenos teóricos ou práticos. O mais recomendado seria o ensino contemplar a variação lingüística em todos os seus níveis e extratos sociais, sem sonegar informações e, principalmente, vendo a variação como algo legítimo e inerente às línguas humanas.