• Edição 145
  • 18 de janeiro de 2007

De Olho na Mídia

Viagem ao planeta célula

O uso de células-tronco já não é ficção científica desde que os protocolos de pesquisa foram implantados. A novidade é que agora os tratamentos que aplicam a terapia celular estão acessíveis aos brasileiros que sofrem de doenças cardíacas, neurológicas, hepáticas, e de cânceres. E o que é melhor: as terapias celulares estão disponíveis tanto na rede privada quanto nos hospitais públicos. Em alguns casos, os procedimentos já ultrapassaram as fases de pesquisa e se consolidaram como alternativa para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Mesmo nas pesquisas em fase inicial os médicos estão bastante otimistas. Em casos de infarto com um forte comprometimento do músculo cardíaco, por exemplo, a terapia celular oferece a oportunidade de regenerar tecidos e recuperar o coração. E abre perspectivas de tratamento, mesmo para quem já tinha perdido a esperança.

Pelo menos 1.200 brasileiros cardíacos podem se beneficiar da injeção de células-tronco. Eles participam do maior protocolo de pesquisa no mundo, que vai avaliar quando este tratamento traz benefícios,como regeneração do músculo do coração. (...)

Na cardiologia, há indícios de que o tratamento celular pode melhorar a condição cardíaca de quem sofreu infarto e de portadores de cardiomiopatia dilatada, cardiopatia isquêmica e doença de Chagas (mau que causa insuficiência cardíaca grave). Para verificar a eficacia e a possibilidade de aplicação da terapia, os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia iniciaram o Estudo Multicêntrico Randomizado de terapia Celular em Cardiopatias (EMRTCC).

Com esse estudo, são acompanhados 1.200 pacientes — todos voluntários —, submetidos ao implante autólogo, em 40 centros do país. A pesquisa tem quatro âncoras: o Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras (INCL), para cardiopatia dilatada, o Incor de São Paulo, para doença isquêmica crônica, a Fiocruz e o Hospital Santa Izabel (na Bahia), no tratamento do mal de Chagas, e o Pró-cardíaco e a UFRJ, com o protocolo para infarto agudo do miocárdio. Todos os centros são coordenados pelo INCL, no Rio.

— São quatro braços, com 300 pacientes para cada doença. Ainda estamos na primeira fase. É cedo para afirmar como a terapia com o uso de células-tronco pode beneficiar essas pessoas. Os pacientes podem sair do protocolo a qualquer momento, se desejarem, sem prejuízo do tratamento de rotina — explica o coordenador do estudo, Antônio Carlos Campos de Carvalho, do Setor de Ensino e Pesquisa do INCL e professor do Instituto de Biofísica da UFRJ.

Apesar de voluntários, nem todos os pacientes podem participar. Há pré-requisitos.

— No caso de infarto, as pesquisas passaram por angioplastia ou usaram trombolíticos e precisam de angioplastia. Um dos requisitos é que o coração tenha fração de ejeção, ou seja, a capacidade de bombear o sangue menor que 50% quando o valor normal é 67% — diz.

Dados são positivos

Cada paciente recebe uma injeção de células-tronco retiradas da medula. Os primeiros resultados deixaram os médicos otimistas:

— Cientistas alemães já realizaram pesquisas semelhantes às do Brasil em pacientes que sofreram infarto. Eles observaram diminuição dos índices de mortalidade e um menor número de casos de novo infarto. Mas pesquisas na Noruega não confirmam esses dados. Daí a importância do estudo brasileiro, que é o maior do mundo. (...)

Há pesquisas também para outras doenças, além das cardíacas. Uma delas é um protocolo para derrame na fase aguda (até dez dias após o AVC), financiado pelos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. No Rio, foi feito no Pró-Cardíaco e está em andamento no Hospital Clementino Fraga Filho (UFRJ). (...)

— Quando o estudo ficar pronto, vamos saber se as células de medula óssea podem reduzir os efeitos do AVC. Agora estamos avaliando se é seguro injetar as células nesses pacientes — diz o pesquisador Gabriel de Freitas, da UFRJ — Esta é a doença que mais mata no Brasil. (...)

Parcerias Público-privadas

Os investimentos da iniciativa privada em terapia celular também esbarram noutra questão: os bancos de criopreservação de cordão umbilical. Segundo Eduardo Cruz, presidente da Cryopraxis, o maior banco particular do Brasil, com mais de 9 mil amostras armazenadas, a empresa, em parceria com o Laboratório de Cardiologia Celular e Molecular do Instituto de Biofísica da UFRJ, conseguiu obter células mesenquimais de amostras de sangue de cordões congelados. Este tipo de célula tem potencial para regenerar tecidos como cartilagem e músculo cardíaco.

— Um convênio entre a Cryopraxis e a UFRJ está sendo formalizado e qualquer resultado patenteável das pesquisas reverterá em benefício da universidade e da empresa — explica Cruz.(...)

O uso das células-tronco no Brasil

Neurologia

Há protocolo, em faze 1, para acidente cerebral ou derrame, que vai avaliar a segurança e a exeqüibilidade da terapia. A pesquisadora Rosália Mendez-Otero, do Instituto de Biofísica da UFRJ, explica que o procedimento consiste em retirar células da medula óssea do próprio paciente e injetar uma fração destas na artéria cerebral.

Hepatologia

O protocolo para doenças do fígado, como a cirrose, está sendo realizado em pacientes do Hospital Clementino Fraga Filho (da UFRJ) e em Salvador, uma parceria do Hospital da Bahia e da Fiocruz. Os testes estão na primeira fase.

* * * Esta matéria foi editada, procuramos selecionar trechos onde são mostradas as pesquisas que envolvem a UFRJ. O texto na íntegra pode ser acompanhado na Revista O Globo, encarte especial de domingo, 14 de janeiro de 2007.

 

Veículo: Revista O Globo   Data: 14/01/2007   Editoria: Capa