• Edição 133
  • 28 de setembro de 2006

Olho no Olho

Relação Brasil-Bolívia: política adequada ou submissa?

Leonardo Velasco

imagem olho no olho

Os problemas entre Petrobras e Bolívia começaram no dia 1º de maio deste ano, quando o governo boliviano lançou um decreto nacionalizando os recursos naturais do país e uma refinaria da empresa brasileira foi tomada pelo exército boliviano. A medida tem relação com a política do presidente Evo Morales, que tem, como prioridade número um em sua plataforma de eleição, a reestatização das fontes naturais do país, principalmente as de petróleo e gás.

Longe de bater de frente com o governo boliviano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou postura cautelosa e chegou até a justificar a decisão do país vizinho, lembrando se tratar de uma nação pobre, que procura exercer sua soberania.

Há duas semanas, o governo Morales editou uma medida repassando os bens de empresas privadas de petróleo para Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB), a estatal boliviana do setor. Embora a medida não tenha sido revogada, ela foi suspensa pelo presidente boliviano por causa da má repercussão com Lula.

A pressão brasileira causou, além da suspensão da medida, a substituição do ministro boliviano dos Hidrocarbonetos: saiu Andrés Soliz Rada e entrou Carlos Villegas. O governo da Bolívia, porém, não mudou muito o discurso: afirma que os ativos da Petrobras serão nacionalizados, embora garanta que a companhia será ressarcida por isso.

O Olhar Virtual ouviu sobre esta polêmica o professor Giuseppe Bacoccoli, pesquisador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e André Luiz Coelho, mestrando em Ciência Política pelo PPGCP (Programa de Pós-graduação em Ciência Política), do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ).

 

Giuseppe Bacoccoli
pesquisador do PPE/Coppe

"Na primeira vez, no dia do trabalho, achei a posição do governo muito estranha. Em primeiro lugar, dizer que estava surpreso é incompreensível. Na sua campanha para a presidência, Evo Morales já dizia que ia nacionalizar os hidrocarbonetos. A não ser o fato de que no Brasil não se acredita em promessas de campanha, não havia razão para qualquer surpresa. O presidente boliviano simplesmente cumpriu o que estava prometido.

O Evo Morales não precisava usar o exército, mas fez isso de forma simbólica para o povo boliviano. Para mostrar que estava cumprindo o que tinha prometido e que o povo queria que fosse feito.

Achei também uma posição extremamente submissa. Havia uma identidade doutrinária e até partidária entre os dois países e os dois presidentes. Não há dúvida que temos boas relações, mas dizer que eles fizeram bem em ter estas atitudes por serem um país pobre, vai contra os interesses do Brasil.

Agora, há duas semanas, a reação do governo foi diferente. Foi uma reação de indignação que acabou derrubando o ministro. O Brasil é muito forte na América do Sul e tem que se ver como um país grande. É irmão dos outros países, mas é um irmão maior.

Bastou esboçar uma pequena reação agora, que o Evo Morales, que estava viajando, mandou demitir o ministro e voltou a se aproximar do Brasil. Quando se esboça uma reação, é isso que acontece.

Para mim, a Petrobras agiu de forma correta nas duas vezes, dizendo que estava aborrecida, que não ia mais fazer negócios com a Bolívia, o que não aconteceu com o governo brasileiro. O nosso governo foi submisso na primeira vez, mas agora agiu de forma diferente, esboçando alguma reação, que deu certo."

André Luiz Coelho
mestrando em Ciência Política pelo PPGCP

“Antes de tudo é importante ressaltar que a Bolívia é um país soberano e tem todo o direito sobre seu território e suas reservas naturais. No entanto, no caso em questão, vale entender um pouco mais a realidade boliviana e a linha da política externa do governo Lula.

A exploração e comercialização dos hidrocarbonetos são fundamentais para a economia boliviana, além de ser um tema historicamente delicado e principal razão da queda dos dois últimos presidentes. A principal promessa de campanha de Evo Morales era a nacionalização dos recursos naturais do país, de forma que tal atitude nunca foi surpresa para o governo brasileiro.

Diferentemente de outros setores bolivianos, que pregavam a nacionalização com expropriação, Morales sempre pregou a nacionalização com o ressarcimento. Tal atitude, portanto, deve ser respeitada por se tratar de um representante democraticamente eleito de um país soberano. Isso, no entanto, não significa que abusos ou injustiças possam ser cometidos por esse governo, o que, até o momento, não aconteceu.

Ambos os países dependem um do outro. Do lado brasileiro, temos a dependência do gás boliviano, o que impede qualquer atitude irresponsável que ponha em risco o fornecimento para nosso país. Da mesma forma, a Bolívia depende financeiramente de seu principal comprador, o governo brasileiro. Além disso, A YPFB, estatal boliviana do petróleo, necessita do auxílio da Petrobras para desenvolver uma série de projetos internos no setor.

Tais atitudes, portanto, visam pressionar o governo brasileiro a renegociar os contratos com a Bolívia, que deseja recuperar sua participação em toda a cadeia produtiva no setor de hidrocarbonetos, a mesma em que opera a Petrobras.

O Brasil, portanto, não poderia investir militarmente contra um país soberano e amigo, ainda que muitos desejassem. A diplomacia brasileira sempre foi marcada pela resolução de conflitos e pelo diálogo, e não pela tomada de atitude no calor do momento. O principal pilar da política externa brasileira do governo Lula foi exatamente estimular a integração sul-americana, de modo que qualquer atitude mais violenta ou impensada poderia colocar por água abaixo todo um esforço de anos de planejamento e execução. Acima de tudo a cautela e a defesa da democracia prevaleceram."