• Edição 128
  • 24 de agosto de 2006

Olho no Olho

A controvérsia dos departamentos

Aline Durães

imagem olho no olho

Os departamentos foram criados pela Reforma Universitária de 1967. Quando foi realizada, no bojo da Ditadura Militar, a Reforma tinha por objetivo modernizar o Ensino Superior brasileiro. Reivindicações históricas do movimento estudantil, como o fim da cátedra vitalícia, foram atendidas; o regime de dedicação exclusiva dos docentes começou a vigorar e o departamento passou a ser a principal instância acadêmica da universidade.

Decorridos quase 40 anos, a validade da estrutura departamental é, hoje, questionada pela UFRJ. O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), documento que, ao ser aprovado, guiará as ações da universidade pelos próximos cinco anos, destaca a necessidade de a comunidade acadêmica pensar uma nova instância administrativa, capaz de lidar com os desafios que a era da globalização impõe ao saber científico.

A principal crítica feita aos departamentos diz respeito à rigidez do seu método de funcionamento. De acordo com parte da comunidade universitária, a inflexibilidade da estrutura departamental dificulta a integração entre as unidades e impede experiências interdisciplinares.

A extinção dos departamentos não é, entretanto, um consenso na UFRJ. Isso porque alguns profissionais acreditam que a atual estrutura administrativa apresenta aspectos positivos por ser um ambiente verdadeiramente democrático. Para eles, a permanência dos departamentos é imprescindível para o futuro da universidade.

Para fomentar essa discussão, o Olhar Virtual entrevistou dois docentes com visões antagônicas a respeito da questão: Cláudia Fátima Martins, professora da Faculdade de Letras (FL), e Adauto Cardoso, diretor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur). Confira abaixo os argumentos de cada um dos pesquisadores.

Cláudia Fátima Martins
Chefe do Departamento de Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras

"A estrutura departamental agrega professores e funciona como uma referência para os alunos, já que estes sabem a quem recorrer quando encontram problemas. Sem os departamentos, os estudantes ficariam perdidos. É claro que a direção pode sanar todas as dúvidas dos discentes e professores, mas eu acho que deve existir uma instância acadêmica capaz de intermediar a relação entre a direção e os alunos.

O departamento é uma estrutura democrática, na qual existe um grande convívio social; é um local onde os professores se sentem bem. Ele é, de fato, um ambiente de convívio social dentro da unidade.

O nosso programa de pós-graduação é um exemplo do sucesso da estrutura departamental, já que ele é fruto do departamento de Letras Neolatinas. Esse programa é reconhecido nacionalmente. Temos uma revista com conceito A no CNPq e, a cada dois anos, fazemos um simpósio em Letras Neolatinas. Tudo isso é fruto de um trabalho profícuo feito pelo departamento. No caso da Faculdade de Letras, os departamentos estão sempre em grande sintonia com seus respectivos programas de pós-graduação.

O departamento faz a ligação entre a Graduação, a Pesquisa e a Extensão. É no âmbito dessa instância que os professores discutem a criação de linhas de pesquisa e de cursos de extensão. É evidente que os professores vinculados a um determinado departamento não podem lecionar disciplinas de um outro, mas existem disciplinas gerais que podem ser aproveitadas pelos profissionais de todos os setores."

Adauto Cardoso
Diretor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur)

“O drama do departamento é a fragmentação que ele gera. A fragmentação atingiu níveis altos e provoca uma forte ineficiência nas atividades; vários departamentos tomam conta de uma área de saber, e não existe muito intercâmbio entre eles.

Se os departamentos fossem mais claramente definidos, se eles fossem parte de uma estrutura articulada em centros, como propunha a Reforma Universitária dos anos 60, eles poderiam fazer algum sentido. Mas o departamento, tal qual o conhecemos hoje, dentro da estrutura de unidades e centros, realmente não funciona.

Os departamentos, não raro, constituem-se em feudos de poder e criam um obstáculo sério para a interdisciplinaridade. Aqui, no Ippur, não trabalhamos com departamentos; funcionamos como um programa. É óbvio que se a estrutura departamental da graduação fosse substituída por programas, eles deveriam ser bem mais complexos do que o são na pós-graduação, mas essa pode ser uma saída. De qualquer maneira, com a atual estrutura departamental, acredito que não iremos atingir nunca um ensino mais transversal e um maior diálogo entre os vários campos de saber.

O ambiente democrático é mantido nos programas. No Ippur, todas as decisões são tomadas no Conselho Deliberativo e nas reuniões dos professores do programa; existem também representações de estudantes e de servidores técnicos-administrativos em tudo que fazemos."