• Edição 127
  • 17 de agosto de 2006

Olho no Olho

Dedicação Exclusiva: Eficaz ou Restritiva?

Priscilla Bastos

imagem olho no olho

O sistema de Dedicação Exclusiva (DE) dos docentes é o adotado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro há muitos anos. Hoje, gera discussões quanto a sua eficácia e necessidade de modificações. Nesse sentido, o Olhar Virtual conversou com a professora e diretora da Escola de Comunicação, Ivana Bentes, e com o professor do Programa de Engenharia Naval da COPPE, Marcelo Neves, que fizeram uma importante avaliação do modelo.

 

 

 

 

 

 

Ivana Bentes
professora e diretora da Escola de Comunicação

"Acho fundamental manter a dedicação exclusiva, uma vez que parte da excelência da Universidade, na parte teórica, foi construída em cima do que chamamos de 40 horas DE. Em algumas áreas, essa mesma dedicação exclusiva é uma distorção, devendo ser equilibrada com outros regimes de participação. Na Comunicação, por exemplo, temos uma grande quantidade de mestres, doutores, pessoas que têm uma vida acadêmica ativa. Ao mesmo tempo, as faculdades de Comunicação, bem como outros cursos, têm necessidade de um conhecimento específico.

Está na hora de a universidade atrair e qualificar os profissionais que estão no mercado. Por exemplo, as pessoas que trabalham com edição de vídeo, os radialistas, os editores de conteúdo para sites, designers, têm prática, mas não necessariamente doutorado, mestrado ou qualificação do gênero, inclusive por essas áreas serem novas. É um preconceito achar que esses profissionais não têm qualidade por não serem teóricos. Já somos excelência em teoria. Gostaríamos muito de ter na Escola de Comunicação, por exemplo, um líder cultural como o MV Bill, que tem um conhecimento das periferias e das favelas que não foi construído aqui dentro, que não passa por ter feito uma grande pesquisa ou por ter publicado um artigo em inglês. A universidade precisa valorizar esse outro saber, essa produção orgânica, venha ela de onde vier, de qualquer setor. Com isso, teria-se uma produção de conhecimento muito importante para a universidade. A inteligência coletiva ou social pode mudar a própria produção do conhecimento científico. Me parece, então, que nao é uma questão simplesmente burocrática, mas até mesmo filosófica de entender a universidade.

Aqui na ECO há professores antigos, da época em que era permitida a dedicação 20 horas, e que são excelentes, que têm contribuições importantes e que levam a sério a dedicação ao ensino. A questão é que não podemos viver em uma monocultura de professores doutores. Isso é uma espécie de reserva de mercado para um tipo de profissional. Temos que ter uma diversidade de pensamentos dentro da universidade e isso não se consegue privilegiando um tipo específico de pesquisador, que é o pesquisador doutor com dedicação exclusiva.

A universidade tem sim que manter a dedicação exclusiva, mas deve haver a opção de atrair, incorporar esse outro tipo de conhecimento, da extensão, da arte, que foi expulso da “república dos doutores”."

Marcelo Neves
professor do Programa de Engenharia Naval da COPPE

“Vejo a universidade como um local de produção de saber e de formação de jovens. Temos sempre que buscar a excelência, ainda que isso possa parecer desgastado, um jargão muito repetido. No mundo todo, as universidades que têm uma dinâmica interessante usam o sistema de tempo integral e dedicação exclusiva. Nesse sentido, acho óbvio que uma universidade precise implementar ao máximo a política de garantia de que seu professorado vai estar com dedicação exclusiva, como também com as formações mais superiores. Devemos sempre buscar esses paradigmas que se consideram relevantes para fazer uma comparação; não posso propor um modelo de universidade que não tem comparação. Isso foge à própria dialética de crescimento das instituições.

Vejo os maus exemplos das particulares, que usam os professores sem dar formação, sem a preocupação da inserção do ensino articulado à pesquisa. Alguns dizem que a universidade pública está perdendo seus professores para as particulares, mas nós não podemos dar tiro no pé. No momento em que se aceita uma competição pelo nivelamento por baixo, estamos perdendo. Ganhamos isso facilmente, pois o alunado que sai com um padrão de excelência, nivelado às universidades internacionais, é bem recebido pelo mercado. Acho, inclusive, que a dedicação exclusiva garante que estejamos sempre produzindo uma relação muito favorável entre a universidade e o mercado. Não é quebrando esse princípio que vamos chegar a algum lugar.

Entendo que alguns segmentos da universidade que eu desconheço possam usar formas específicas, localizadas de fazer contratos temporários com algumas pessoas sem formação acadêmica; mas não consigo ver que, a longo prazo, essa pessoa produza algum resultado interessante. Transitoriamente eu vejo que isso é possível; pode provocar uma espécie de choque de sangue, como se diz em formações de pedigrees, mas continuamente acredito que não renda.

A quebra da dicotomia empobrecedora entre universidade popular e universdade de qualidade é forjada pela dedicação exclusiva e o tempo integral. Em toda a UFRJ, os locais que têm o melhor ambiente são os que trabalham nesse modelo, por várias razões. Primeiro porque os professores estão se institucionalizando como pessoas e escolhendo aquilo para sua carreira profissional, fazendo com que haja uma demanda para que as instalações sejam melhores, a programação de curso seja mais moderna. Todo mundo quer viver em uma prática profissional melhor. Além disso, há uma questão importante que é a de que queremos formar pessoas e, para isso, temos que ter pessoas presentes. O contato com os alunos se estreita, aumenta o número de iniciações científicas e os professores estão disponíveis aos alunos.

Não aceito, de forma nenhuma, argumentações de que a busca da excelência seja estéril ou elitista. Na COPPE, por exemplo, – falo dela porque é a instituição com que lido – a dedicação exclusiva e o tempo integral são dados como óbvios, bem como o fato de o professor ter doutorado. Não é elitismo; o mundo todo faz isso. "