• Edição 125
  • 03 de agosto de 2006

Olho no Olho

Limite entre o psicológico e a culpa em um crime

Priscilla Bastos

imagem olho no olho

Nos últimos meses, o Brasil parou para acompanhar um dos maiores e mais importantes julgamentos da história, quando se decidiria a pena de Suzane Richthofen e dos irmãos Cravinhos pelo assassinato dos pais da jovem. Em seu decorrer, os advogados tentaram amenizar a punição, alegando que os réus agiram sem consciência ou por algum tipo de influência.

Para saber até que ponto o lado psicológico dever ser considerado no momento de julgar um crime, o Olhar Virtual conversou com o professor e advogado criminalista, Antonio Santoro, e com o professor e coordenador Programa de Estudos e Assistência ao Usuário de Drogas do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Marcelo Santa Cruz.

 

 

 

 

Antonio Santoro
Advogado criminal, professor e doutorando em Filosofia pela UFRJ

“Coincidentemente, a minha tese de doutorado diz respeito à conduta humana punível; o que da conduta humana deve ser levado em consideração para ser punida. O lado psicológico, sem a menor dúvida, deve ser levado em consideração. Todas as doutrinas convencionais que pesquisam a responsabilidade criminal de um cidadão levam em consideração qual a intenção do agente ao praticar determinado crime, o que não deixa de ser um aspecto psicológico da conduta do ser humano. Vou mais além, pois creio que, além da finalidade, deve ser levado em consideração o motivo, que seria a origem da intenção. Na verdade, a própria lei penal já leva em consideração a motivação que faz com que um ser humano tenha uma certa conduta que a lei reputa crime. A parte psicológica do ser humano é tão importante na hora de praticar a conduta que ela deve ser levada em consideração em dois aspectos: o que origina a vontade de praticar a conduta e a intenção de praticar a conduta, ou seja, a origem e a finalidade. Isso é de tal forma que o próprio código penal prevê que toda conduta é dolosa, isto é, ninguém pode responder por um crime que não teve a intenção de praticar, a menos nas hipóteses de crime culposo. As provas de cada fato concreto determinarão se é possível verificar se houve intenção ou não. Na teoria, não há dúvida de que o lado psicológico deve ser levado em consideração na hora de avaliar um crime, mas, na prática, avaliar esse estado psicológico é muito difícil.

O motivo e a intenção ao praticar ao praticar um ato não podem ser misturados à idéia de personalidade do sujeito. Não se deve analisar se o sujeito é criminoso ou não, se tem uma personalidade distorcida para avaliar se ele praticou ou não um crime. Na história da humanidade, sempre que um estado totalitário resolveu dominar seus cidadãos, o Direito Penal serviu muito bem a isso, punindo as pessoas pelo que são, e não pelo que fizeram. O exemplo mais claro disso é o nazismo, em que determinados grupos de pessoas eram taxados de potenciais criminosos.

Então, na verdade, esse perfil da personalidade como um aspecto psicológico não pode ser levado em consideração para determinar quem cometeu ou não um crime. Isso seria voltar ao que o Direito Penal chama de positivismo antropológico, classificando os possíveis criminosos por suas características. Assim, o aspecto psicológico deve ser levado em consideração naquele caso específico, no momento da prática de determinado ato, e não ser avaliada a pessoa ou um traço de sua personalidade”.

Marcelo Santa Cruz
professor e coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Usuário de Drogas do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

“Na minha opinião, tem-se que levar em consideração os aspectos psíquicos de uma pessoa na hora de um julgamento, mesmo que ela tenha cometido um crime. Na realidade, o aspecto mais importante é, em uma questão que está envolvendo o aspecto legal, saber se a pessoa que praticou determinado ato, que cometeu um crime, tinha a capacidade de entender e se determinar em relação àquilo que fez. Por exemplo, não se pode considerar da mesma forma uma pessoa que é absolutamente saudável e que cometa um ato contra outra pessoa e uma pessoa que tenha uma doença mental. Tem que se levar em consideração o fato de ela poder compreender, porque, em alguns casos, a pessoa pode não ter noção do que está fazendo; pode estar sendo motivada por um delírio, um aspecto emocional, e, com isso, não entender o que está acontecendo. Ou então, pode ser capaz de compreender, mas não de se determinar a controlar determinado impulso, agindo de uma forma criminosa.

Além disso, acredito que se deve ser levado em consideração aspectos um pouco mais sutis e que têm a ver com motivações no momento, como uma pessoa que está sob efeito de uma forte emoção. Por exemplo, um pai que está diante de uma pessoa que ameaça a vida de um filho pode matá-la por estar movido por essa emoção de proteger o próprio filho; então, isso atenuaria, ao meu ver, o julgamento desse pai.

Contudo, tem-se de tomar muito cuidado para que não aconteça de todas as pessoas justificarem qualquer tipo de ato por estarem movidas por uma forte emoção ou por influência de aspectos emocionais. Não é cabível diminuir ou modificar o julgamento apenas pela alegação ou suposição de que alguém tinha motivações emocionais. Há casos em que, se não houver uma evidência de que houve alguma alteração psíquica ou emocional, não cabe modificar um determinado julgamento. Através de exames psíquicos há como se diferenciar uma pessoa que sofre de uma doença mental ou, até mesmo, neurológica, daquela que pode estar apenas com a intenção de usar tal alegação para se livrar da pena. Em alguns casos, isso pode ser difícil de ser feito, mas, de uma forma geral, o exame psíquico é suficiente para diferenciar isso."