• Edição 121
  • 06 de julho de 2006

Olho no Olho

Os Animais e a Ciência

Priscilla Bastos

imagem olho no olho

O uso de animais para experimentos científicos vem gerando muita polêmica desde o anúncio de um projeto de lei que procura proibir esta utilização, elaborado pelo vereador Cláudio Cavalcanti, da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Para debater o tema, o Olhar Virtual convidou os professores Franklin David Rumjanek, diretor do Instituto de Bioquímica Médica e Rui Cerqueira, membro da Comissão de Ética na Utilização de Animais em Pesquisas do Centro de Ciências da Saúde.

 

 

 

Professor Franklin David Rumjanek
Dr. do Instituto de Bioquímica Médica

“Sou inteiramente contra esse projeto de lei, porque, primeiro, ele baseado em mais uma opinião do que em fatos e está sendo conduzido de uma forma muito emocional, ao invés de racional. A comunidade científica como um todo depende da experimentação com animais. Se a comunidade depende disso e pensa em um produto que será aplicado à sociedade, esta também será penalizada por uma lei desse tipo, que é muito restritiva e não se apoia em fatos. A comunidade científica brasileira é expressiva, não está isolada e não está fora de contato com seus pares no resto do mundo - nós, diariamente, temos contato - então pouco é verdade que países de primeiro mundo tenham encontrado uma substituição para esse tipo de experimentação. Se houvesse essa mudança, nós saberíamos e, dentro do possível, nós a adotaríamos. Nós sabemos que o trabalho que é feito com animais necessariamente precede o uso de um produto qualquer, que vai ter uma finalidade médica, de tratamento ou cirúrgica ou quimioterápica, que, na verdade, não pode ser lançado no mercado sem que se tenha sido testado. Quanto ao argumento de que medicamentos testados em animais já mataram pessoas, afirmo que é totalmente equivocado. Primeiro, erro médico não necessariamente quer dizer que a droga que foi utilizada e que causou a morte de pessoas tenha sido mal testada antes do seu uso médico. Médicos cometem erros também. Um exemplo, que é constantemente dado, é o da talidomida, que causa má formação inesperada. Isso não tem nada a ver com a experimentação em animal, simplesmente não houve atenção dirigida ao efeito da droga durante a embriogênese, porque, na realidade, as pesquisas não levaram em consideração essa possibilidade. Se isso fosse testado durante a embriogênese, o pessoal saberia que haveria um efeito nessa etapa de desenvolvimento. A pesquisa tem que ser o mais abrangente possível. Isso ainda, na minha interpretação, reforça mais o argumento de que se precisa testar exaustivamente um produto, em várias etapas diferentes, incluindo, por exemplo, no caso da talidomida, a embriogênese, para que se tenha absoluta segurança na hora de testá-lo com pessoas.

Além disso, falam da questão da dor causada aos animais. Nenhum cientista que eu conheça - e eu já tenho mais de 40 anos em pesquisa em ciência - gosta de trabalhar com animal porque é sádico ou quer infringir sofrimento ao animal. Se o modelo com o qual trabalha exige experimentação com animal, ele tem que realizar esse tipo de experimento. Na verdade, sempre que se trabalha com animais, encarece-se muito o projeto. Então, se for dado ao cientista a opção de trabalhar sem animais, ele vai preferir essa opção; vai obter resultados mais rapidamente, vai ser mais barato, vai publicar mais rapidamente. Se, na estrutura do seu experimento você precisar de informações que requeiram um conjunto inteiro de órgãos, como vai-se escapar do trabalho com o animal? Causa sofrimento no animal sim, mas é para isso que se tem comissões de ética que regem esse tipo de trabalho e que vão tentar minimizar o sofrimento do animal.

Recomendo que, quando leis desse tipo forem votadas, a comunidade científica tenha acesso à elaboração e que possa expressar sua opinião de forma livre. O que foi feito na Câmara Municipal foi um arremedo disso. Eles abriram inscrições para apresentar defesas ou ataques a essa lei de forma absolutamente orquestrada. Então, a comunidade científica, que de fato seja reconhecida e não necessariamente escolhida, possa se expressar livremente e educar a população também. Um ponto importante é que para que a sociedade tenha uma opinião, é preciso ter acesso aos fatos. Com isso, tira-se a imagem de que o cientista é um ser isolado da sociedade, que não tem sentimentos, que só tem interesses pela sua carreira. Se a sociedade souber disso, obviamente vai ajudar na discussão”.

Professor Rui Cerqueira
membro da Comissão de Ética na Utilização de Animais em Pesquisas do CCS

“Os cientistas são vistos como bruxos, malfeitores, que estão aí apenas para fazer mal ao mundo. E não é nada disso. Existem dois tipos de estudos. Há estudos em que os animais são submetidos a experimentos ou sacrificados para serem melhor conhecidos, principalmente os animais silvestres. E existe um outro tipo em que se usam algumas espécies de animais como modelos experimentais. Um exemplo disso se aplica à primeira cirurgia cardíaca feita no mundo, que aconteceu na década de 30, nos Estados Unidos. Um técnico e um professor de medicina fizeram experiência que induziam cachorros a terem problemas cardíacos para, mais tarde, operá-los. Após um certo tempo, fizeram a mesma operação em uma criança de quatro anos que sofria de uma doença congênita mortal, a doença azul. A criança foi salva e, graças à cirurgia experimental com cães, provou-se que era possível operar o coração. Isso se aplica a várias situações. Se há uma substância que precisa ser testada, não vai se testar em gente; tem-se que testar, por tempo prolongado, várias vezes, em várias concentrações, em uma quantidade muito grande de animais em laboratório, e, assim, dizer se faz mal ou não. Há um momento em que é necessário usar o modelo animal. Toda a biologia ligada à medicina se baseia no uso de animais. Esses animais são artificiais, ou seja, não existem na natureza. Os animais mais utilizados são camundongos e ratos de laboratório, que são, na verdade, equivalentes às ratazanas, animais perigosos, que atacam crianças, principalmente em lugares pobres. A ratazana de laboratório é extremamente mansa, pois ela foi selecionada, através de processo de seleção artificial, fazendo-a evoluir para um animal menor que a de esgoto, branca, mais dócil. Os camundongos são maiores que os comuns. São todos artificiais, mantidos em laboratórios e só podem viver aí. Se soltá-los na natureza, eles morrem em poucas horas, pois não têm capacidade de viver. Não são bichinhos de estimação; foram criados especificamente para essa função. O que a lei pretende é proibir o estudo da biologia natural nos animais, no Rio de Janeiro. A veterinária e a medicina estarão proibidas, serão impossíveis de funcionarem se a lei for executada, o que é inconstitucional, pois, pela constituição, as pessoas têm o direito de pesquisar e que a pesquisa deve ser incentivada. A lei, na verdade, impede que façamos isso. Soma-se a isso o Ibama, que está criando problemas para a coleta de amostras de animais silvestres no país inteiro. O que se sente é um clima de perseguição aos cientistas. É como na idade Média, quando os cientistas tinham de fazer as coisas às escondidas.

Eu sou zoólogo e me tornei zoólogo porque gosto de bichos. Nunca os maltratei. Não vejo diferença em passar na rua e dar um chute num gato ou quebrar um galho de uma árvore; a intenção é a mesma, é fazer o mal, porque a maldade está em quem faz. Não é o caso da pesquisa científica, onde ninguém tem a intenção de fazer mal. Sem falar da questão da dor, que é subjetiva. A dor é um mecanismo derivado da sensibilidade. Não temos nenhuma intenção de causar dor, inclusive porque, se sentir dor, o animal vai reagir àquilo, e não se conseguirá fazer o experimento, por isso o uso da anestesia.

Em geral, o que procuramos fazer na Comissão de Ética é questionar sobre como está sendo feito o procedimento, se o animal está sendo bem tratado, se as condições são adequadas etc. Tanto por uma questão ética, uma vez que não sentimos prazer em causar qualquer mal ao animal, quanto pela questão do estresse, que pode alterar todos os resultados do experimento.

O Cláudio Cavalcanti, com esse projeto de lei, lembra os nazistas que faziam experimentos com seres humanos. Ele quer que se matem milhares de pessoas, pois os experimentos são repetidos milhares de vezes. A pergunta que se faz é "quem são essas pessoas?" Eles dizem que estão defendendo animais de laboratório, mas, na verdade, não estão defendendo nada. Estão condenando a humanidade a ficar estagnada.

Além disso, há a questão do fascismo. Uma característica do fascismo é a de que ele tem o direito e, por isso, discrimina quem deve ter os direitos. Eles atribuem direitos não aos animais, mas a alguns animais. Eles tiram o direito do homem de avançar e adquirir conhecimento e dizem que os bichinhos bonitinhos de pêlos o têm. Se os animais têm direitos, todos deverão ter. Então não posso mais jogar inseticida, matar uma barata. Porque vou escolher alguns animais para terem direitos e outros não? Porque são os que eu gosto; exatamente o negócio do fascista.

Na ética, se considera que só tem direito de fato quem tem deveres, pois a todo direito corresponde um dever. Os animais não têm deveres nenhum. Eles podem ser protegidos, pois nós queremos que não se mate animais. É o caso das crianças e dos incapazes, que não têm direitos, sendo apenas protegidos por aqueles que têm.

É por isso que existem esses tipos de comissões, para garantir que as coisas sejam feitas corretamente, que não haja condições de pessoas malévolas estarem por ai, fazendo bobagem, que os procedimentos estejam feitos corretamente”.

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