• Edição 116
  • 01 de junho de 2006

Olho no Olho

Profissão Sedutora

Priscilla Bastos

imagem olho no olho

Quando se ouve a palavra prostituta, remete-se logo à imagem de pobreza, falta de expectativas de vida, tristeza. Nem sempre é assim. Cada vez mais ouvem-se casos de prostituição de pessoas de classes média e alta, incluindo universitários. Analisando esse fato sob ângulos diferentes, os professores Evandro Vieira Ouriques e Marcos Jardim Freire deram suas opiniões sobre a glamorização da prostituição, ou seja, o apelo sedutor que a lógica consumista da sociedade reveste o ato de se prostituir.

 

 

 

Marcos Jardim Freire
Psicólogo e diretor do Instituto de Psicologia da UFRJ

“Toda glamorização tem um ponto em comum: esconder a realidade com um olhar fantasioso, bem distinto da esmagadora maioria dos casos, que são adversos. Há estudos apontando a correlação da prostituição com rede de atividades envolvendo drogas, jogo, violência e corrupção, entre outras manifestações. Por esta razão, poucos países têm a prostituição controlada legalmente. Sabe-se que a prostituição não é um fenômeno dos tempos de hoje, ainda que os meios de comunicação - em especial a propaganda/publicidade -, a liberação do comportamento sexual, a maturidade física precoce em função da elevação da qualidade de vida e os recursos estéticos e cirúrgicos mais acessíveis têm sido fatores de contribuição para tal. Financeiramente a atividade de prostituição, junto com tráfico de armas, o narcotráfico, a falsificação de produtos e o roubo de peças de arte, é extremamente rentável. A prostituição envolve adultos, entre homens e/ou mulheres; porém o que mais assusta hoje em dia é a pedofilia. No caso em questão- prostituição nas classes mais altas- alguns aspectos apontados podem deflagrar o comportamento. Podem ser supostos, pelo ângulo do cliente, a menor prevalência de doenças, um relacionamento mais amplo, a experiência diferente, ter companhia para circular sem levantar suspeitas etc. Pelo ângulo de quem se prostitui, a maior ilusão fica por conta da idéia de poder entrar no jogo, auferir ganhos e sair incólume. Às vezes é a procura por novas experiências ou emoções, a possibilidade de obter vantagens materiais, entrar em rede de conexão permitindo acesso social ou grupos de poder; enfim, argumentos variados que acarretam sempre seqüelas, principalmente psicológicas. É imperativo desmistificar esta concepção de glamorização da prostituição. Quase sempre é um caminho sem volta”.

Evandro Vieira Ouriques
Jornalista e Coordenador do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência/ECO/UFRJ

“Este é um tema delicado. Tão delicado quanto sintomático, pois pode revelar o cerne da economia psíquica pós-moderna, quando toda a complexidade da Vida tende a estar reduzida, de maneira hegemônica, num momento de falta de referência generalizada, à dimensão monetária e, consequentemente, ao amor líquido (Bauman). A prostituição espalha-se como uma atitude sistêmica, como é possível ver no futebol, quando as torcidas espancam, matam e pensam-se felizes na humilhação das outras, em nome de times-empresas, em nome de jogadores que jogam apenas por dinheiro. É importante perceber que o crescimento da prostituição se dá, assim, em todas as camadas sociais, como mostra a Frente Parlamentar Latinoamericana contra a Violência Sexual à Criança e ao Adolescente, vitimadas, enquanto latino-americanas e asiáticas, por europeus e norte-americanos que, apesar dos bens materiais, vivem na miséria psicossocial. Ora, numa sociedade paradigmaticamente patriarcal, marcada pela dominação, pelo reconhecimento pelo capital e pela assimetria cultura/natureza, homem/mulher e rico/pobre, portanto pela celebração do fragmento (Canclini) na qual as relações estáveis e a conexão entre amor e sexualidade são um tremendo desafio, torna-se previsível este comportamento por parte de mulheres de classes mais altas. Elas podem, assim, aumentar o seu reconhecimento pelo capital, ao mesmo tempo em que aprofundam-se na amargura, na agressividade, na melancolia e na depressão - ódio de si e ódio do outro (Castoriadis, Reich) - provocadas pela suposta impossibilidade do amor, ou seja, da experiência de comunicação (Amaral)”.