• Edição 115
  • 25 de maio de 2006

Olho no Olho

Violência pode ser controlada por leis emergenciais?

Aline Durães

imagem olho no olho

A onda de violência que abalou São Paulo nas últimas semanas provocou algo além das mortes e do pânico na população. Os ataques realizados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa líder do crime organizado no mais rico estado brasileiro, chamou a atenção das autoridades e reacendeu a polêmica em torno da necessidade de maiores investimentos na área de segurança pública.

Sob a pressão da crise e da mídia, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal votou uma série de projetos de leis, com o objetivo de conter a violência. O pacote antiviolência precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados para entrar em vigor.

Entre as medidas, encontram-se propostas corretivas que buscam inibir as ações criminosas dos presos. O uso de aparelhos celulares passará a ser uma falta disciplinar grave; está previsto também um aumento do prazo de isolamento daqueles detentos considerados de alta periculosidade. Pouco se fala, no entanto, no fortalecimento da política nacional de segurança.

O Olhar Virtual entrevistou, essa semana, o juiz criminal e professor da Faculdade de Direito da UFRJ, Geraldo Prado, e a professora de Política Nacional, Paula Poncioni, da Escola de Serviço Social (ESS). Confira abaixo a opinião dos dois docentes sobre a eficácia das leis emergenciais no controle da violência.

 

Geraldo Prado
juiz criminal e professor da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ)

“O projeto das leis emergenciais pode ser elogiado, no sentido de que parece despertar o Estado do estupor em relação à violência. Mas a boa vontade do Congresso, no lugar de resolver um problema, gera outro, pois vai criar uma lei ineficiente. O pior que pode acontecer é criar leis que não podem ser aplicadas na prática.

O projeto prevê uma mudança de procedimento, que vai misturar em um mesmo processo questões civis e penais. Nós hoje não temos uma Justiça Penal rápida e se essa combinação de questões penais e civis acontecer da forma como está no projeto, o processo da Justiça será ainda mais lento. A resposta penal vai demorar mais para aparecer e a sensação de impunidade vai aumentar. Algo que hoje funciona em um ritmo médio vai funcionar de forma mais vagarosa.

Acredito que o fato de o episódio da onda de violência em São Paulo ser próximo às eleições é problemático. Isso estimula o discurso fácil, tanto aquele que entende que o social explica tudo, como o discurso que defende que a repressão resolve tudo. Essa discussão surge em um momento muito difícil. Tanto o governo, como a oposição irão querer usar o seu espaço no Congresso Nacional para dar algum tipo de resposta imediata. Essas soluções, que, na verdade, não são soluções, passam a nós uma falsa sensação de segurança.

Agora, nesse instante, não é momento para se aprovar absolutamente nada. Temos que deixar passar o impacto do ocorrido em São Paulo para racionalmente ver o que é possível fazer. Essa é uma questão de Estado e envolve o governo e também a sociedade. Então, não podemos adotar medidas emergenciais sob a falsa convicção de que elas irão resolver alguma coisa. Precisamos controlar as conseqüências da crise para depois ir às suas causas. Não podemos, na nossa condição social, ser homicidas da própria sociedade e é nisso que, em alguma medida, o Congresso Nacional corre o risco de se transformar”.

Paula Poncioni
professora de Política Social, da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ)

“O pacote de leis do Senado não vai conter a violência. Essas medidas só respondem, em um determinado momento, a demandas e pressões da sociedade e da mídia. As leis são de caráter emergencial, mas para podermos falar em eficiência no controle da violência e na redução da criminalidade precisamos pensar fundamentalmente em políticas públicas para a área de segurança.

É lamentável o Estado não tomar para si a responsabilidade de mobilizar a sociedade para pensar caminhos possíveis para conter a violência. O Estado só age sob pressão. O plano nacional de segurança pública foi lançado em 2001 e é bom lembrar que isso aconteceu logo após o episódio do ônibus 174. Era um plano com mais de cem prioridades, mas muitas delas não aconteceram. O Estado é inerte e isso se deve à falta de vontade política.

O sistema de justiça criminal não funciona de uma maneira sistêmica; não há um diálogo entre os diversos órgãos dessa justiça e não há pesquisas com diagnósticos que forneçam suas deficiências e possibilidades nos diversos estados da federação. Todas as esferas, sejam federais, estaduais ou municipais, deveriam pensar articuladamente a questão da criminalidade.

A violência é um fenômeno complexo. Não podemos associar o crime à pobreza. Quando um evento como o de São Paulo acontece, imediatamente se fala em educação e políticas sociais como solução para a criminalidade. Mas a criminalidade é conseqüência da desigualdade social, da falta de cidadania, da falta de interesse da sociedade em pensar nas questões de segurança.

O país não busca maneiras de controle social e de redução da violência. Pensamos muito pouco em medidas preventivas, que incluam saúde, educação e melhores condições de vida para a população. A via da repressão é a mais adotada, mas a prevenção é essencial nesse processo”.