• Edição 112
  • 04 de maio de 2006

Olho no Olho

Inglês para inglês ver

Aline Durães

imagem olho no olho

A necessidade de especialização é, cada vez mais, um requisito indispensável à obtenção de uma vaga no mercado de trabalho. Hoje em dia, um profissional precisa ter conhecimentos definidos para destacar-se dos demais e, assim, ser considerado qualificado para ingressar em uma empresa.

Nesse contexto, o domínio do inglês tem importância ímpar. Com a globalização, essa língua ganhou status mundial e passou a ser exigência imprescindível para um bom currículo. O resultado disso foi a proliferação de cursos de idiomas especializados no ensino instrumental da língua inglesa.

A lógica mercadológica que guia esses cursos é responsável pelo ensino ágil, mas superficial do inglês, adequado às necessidades de um mercado dinâmico e concorrido. O domínio técnico de verbetes e palavras é priorizado em detrimento do aprendizado baseado nas questões sócio-culturais inerentes ao idioma. A língua é apartada das identidades culturais que representa.

Além disso, o acesso ao ensino de inglês se tornou um fator de exclusão. Parcelas significativas da população não têm condições de pagar por cursos de idiomas e, em vista disso, são prejudicadas no processo de inserção no mercado de trabalho. O inglês é mais um diferencial que não podem obter.

Para aprofundar essa discussão, o Olhar Virtual traz as opiniões do professor Luiz Paulo da Moita Lopes, do Departamento de Letras Anglo-Germânicas, da Faculdade de Letras e de Jorge Ricardo Gonçalves, professor de Sociologia, da Faculdade de Educação da UFRJ.

 

Luiz Paulo da Moita Lopes
Professor da Faculdade de Letras da UFRJ

“Com os avanços tecnológicos, alguns vivem mais e melhor, com mais chances de realização individual e social, mas muitos estão, contudo, excluídos desses avanços devido a limitações econômicas. Exclusão é um sinônimo contemporâneo para pobreza em um mundo no qual as desigualdades aumentam vertiginosamente.

A educação lingüística, em geral, e, especificamente, em inglês, tem papel fundamental na empreitada de diminuir os fossos que distanciam os grupos sociais. Contudo, a necessidade do ensino de inglês tem que ser filtrada por uma perspectiva crítica em relação ao papel que essa língua representa hoje em dia.

O inglês é uma mercadoria como outra qualquer e é também símbolo de status e poder.

A exclusão digital tem sido uma das grandes preocupações de governos nos vários níveis no Brasil e em várias partes do mundo. Mas a exclusão lingüística precede a exclusão digital. Não basta dotarmos as escolas públicas de computadores: é necessário instrumentar alunos e professores para que possam operar em redes de comunicação nas formas multisemióticas de produzir significado nas telas dos computadores.

As classes médias no Brasil e em outras partes do mundo já compreenderam a importância de tal letramento: os cursos particulares de inglês no Brasil são incontáveis e estão abarrotados de alunos em quase todas as cidades brasileiras, inclusive nas pequenas. Sou de opinião de que a inclusão digital envolve, primeiramente, inclusão lingüística. Assim, aumentar o acesso ao uso do inglês constitui um dos grandes desafios da educação contemporânea.

São necessárias pesquisas, em contextos brasileiros, no campo de formação de professores de inglês, de elaboração de programas de ensino e de material didático, assim como sobre os processos de aprendizagem, para que se possa, ao dar acesso crítico a essa língua, ensinar a criticar o mundo. A pesquisa nesse campo é especialmente necessária, já que a tradição de ensino de inglês como língua estrangeira está na contramão dessa visão, ensinando a língua de forma desvinculada das questões sociais, culturais, históricas e político-econômicas.

É claro que os processos educacionais e suas relações com a transformação social são complexos e a educação em inglês não é o único “remédio” para alterar as desigualdades sociais que muitos enfrentam no mundo. Contudo, creio que é um dos caminhos que temos que trilhar para enfrentar tal objetivo. Aumentar a qualidade da educação lingüística no Brasil (não só em inglês) é uma tarefa crucial para ir ao encontro das necessidades do mundo contemporâneo. Este é um mundo no qual a palavra é cada vez mais fundamental para viver, trabalhar e aprender”.*

Jorge Ricardo Gonçalves
Professor de Sociologia da Educação, da Faculdade de Educação da UFRJ

“O inglês é um esperanto moderno. Ele tem sido a principal forma de expressão da comunicação mundial e a língua do mercado de trabalho. É o idioma atual da globalização, apesar de muitos estudiosos garantirem que ele não será tão fortemente predominante no decorrer do século XXI como é hoje.

Para um indivíduo que deseja aprender a mexer em um computador, por exemplo, a tarefa fica muito mais difícil se ele não dominar, pelo menos, alguns verbetes em inglês.

Nesse contexto, o aprendizado da língua inglesa já é mais um instrumento de exclusão social e de desigualdade. Para resolver isso, nós precisamos democratizar o ensino, ampliá-lo e facilitá-lo. A melhora substancial no ensino de inglês das escolas públicas e a maior preparação dos professores são exemplos de possíveis soluções para esse quadro.

O domínio do inglês só deixará de ser um fator excludente quando a própria escola pública deixar de refletir a exclusão. O problema não é apenas o ensino de má qualidade, mas a ausência de professores que doutrinem a língua de maneira correta dentro das salas de aula. Os que lá estão baseiam-se nos cursos de idiomas para montar suas aulas. O método dos cursos não pode ser transposto automaticamente para os colégios, pois o alunado e o rendimento pedagógico são diferenciados.

O ensino de inglês, hoje em dia, carece de uma discussão ética, sociológica, metodológica. Os objetivos e os princípios norteadores desses objetivos não são problematizados nas aulas. O ensino, principalmente aquele existente em cursos especializados, é basicamente instrumental e isso empobrece o aprendizado do aluno.

Um aprofundamento maior da cultura não afastaria os alunos das aulas. Se houvesse uma preocupação maior com o contexto histórico-social-cultural da língua, as pessoas poderiam aprender o idioma, refletindo, ao mesmo tempo, sobre as suas condições de existência. Não podemos ensinar como se não houvesse qualquer ligação entre a língua e a cultura dos países.

O educador necessita relacionar a disciplina com o seu contexto sócio-cultural. O conteúdo deve ser sempre contextualizado. Além disso, deve ser discutida também a utilização prática desse conteúdo nos dias de hoje. Os professores devem problematizar o ensino de inglês em sala de aula, tentando tornar curricular e cotidiana a discussão ali existente. Essas medidas facilitam a apreensão da matéria pelos alunos, tornam-na mais interessante.

Nós temos que formar professores que sejam menos abstratos e que procurem conciliar a teoria e a prática; questões gerais e a aplicabilidade delas na realidade. A escola, atualmente, só trabalha com a leitura abstrata do mundo; não dá qualquer importância à originalidade do pensamento e à relação desse pensamento com a experiência prática e cotidiana.

Se o ensino é mais voltado para uma vivência prática da disciplina, o aluno participa mais e, com isso, a exclusão está sendo combatida, na medida em que se promove a inclusão”.

* Texto editado por Aline Durães, com permissão do autor, do original intitulado Inglês no mundo contemporâneo: ampliando oportunidades sociais por meio da educação. Texto-base da Reunião da Teaching English as a Second Language (TESOL) Research Foundation (TIRF), realizada em São Paulo, em abril de 2005.