• Edição 107
  • 30 de março de 2006

Ponto de Vista

“Temo que as cotas não dêem certo”

Priscila Bastos

Imagem ponto de vista

No último dia 28, líderes dos partidos governistas e da oposição na Câmara fizeram um acordo para que se vote, daqui a duas semanas, o projeto de lei que cria o sistema de cotas nas universidades federais. No caso proposto, a reserva seria de 50% das vagas para estudantes da rede pública e de sub-cotas para negros e índios.

Para tratar de um assunto tão polêmico e conflituoso, o Olhar Virtual convidou o ex-diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCS), o professor Franklin Trein, para falar sobre as dificuldades e problemas acerca da reserva de vagas.

 

“O sistema de cotas tem uma motivação original muito interessante, muito louvável, porque é uma tentativa de reparar uma dívida histórica para com alguns segmentos da população brasileira. Porém, a experiência que se tem através da história, em vários outros países, é muito complicada e exige muito cuidado, podendo ter o resultado completamente inverso, como experiências conhecidas de outras sociedades que tentaram reparar suas injustiças dessa forma. Como exemplo, metaforicamente, é, na verdade, como se nós estivéssemos tentando resolver o problema de uma grande planta que se sabe que está doente, podando sua copa em vez de examinar aquilo que pode estar em sua raiz.

Ao criarmos um sistema de cotas, nós corremos o risco de criarmos cidadãos de segunda classe, porque haverá aqueles que serão competentes e terão oportunidades de ingressar nas universidades, pelas mais diversas razões, inclusive por aquelas razões das injustiças, as razões das condições miseráveis em que vive um segmento significativo da nossa população. E aqueles segmentos que, exatamente por não terem acesso aos bens materiais produzidos por essa sociedade, por não terem acesso aos bens culturais, não terem oportunidade por razões de preconceito – que estão profundamente arraigados na nossa cultura – e que, agora, têm então a oportunidade por serem contemplados por uma cota, passarão a ser vistos, dentro da universidade, como pessoas que ali chegaram não por seus méritos, mas por terem-lhes oferecido uma oportunidade, que é a oportunidade dos desqualificados.

Não me refiro, aqui, à situação de sociedades tão estratificadas, como a sociedade indiana, onde nós sabemos que há um grupo que, inclusive, é chamado de “intocáveis”. Mas nós sabemos que a solução do problema das injustiças sociais passa por medidas extremamente mais radicais; e mais radicais significa medidas que atinjam a raiz do problema, que está na má distribuição da riqueza produzida neste país. Dentro dessa ordem econômica em que nós vivemos, não tem solução. Na minha opinião, e sendo muito breve, eu temo que as cotas não dêem certo e que, em vez de favorecerem àqueles com os quais se pretende reparar um erro histórico, elas acabem condenando-os a serem cidadãos de segunda classe, rotulando-os para sempre.”